Equivocos da democracia portuguesa - 261
O que vamos vendo em Portugal e pelo resto da Europa está longe de nos tranquilizar. Ontem a Grécia anunciou o fim das emissões da televisão e rádio oficiais! Medida extrema que nem em tempos de ditadura aconteceu. Imaginemos o mesmo no nosso país! Se a isto juntarmos a cativação dos depósitos em Chipre, que não é garantido que não se possam estender a outros países europeus, deixa-nos, de facto, muito preocupados. Esta Europa que se vai esfrangalhando está de cabeça perdida. Uns não sabem o que fazer, outros sabem e fazem-no em benefício das suas políticas ultraliberais e das suas economias, como é o caso paradigmático da Alemanha. Ontem ficamos a saber o que a Alemanha ganhou com a crise. Hoje sabemos que todos os restantes estão mais pobres. Se a situação a nível geral da Europa é problemática, em Portugal é-o também, até porque somos uma espécie de caixa de ressonância do que se passa no restante espaço europeu a que pertencemos. Por cá, as coisas não estão melhor. Vimos no passado 10 de Junho, Cavaco Silva elogiar a agricultura e os agricultores. O elogio aos agricultores é bem devido face às dificuldades que eles têm enfrentado desde os anos 80, quando Cavaco governava o país pela primeira vez, e recebeu imenso dinheiro para arrancar oliveiras, vinha, destruir barcos de pesca, enfim, afundar de vez o sector primário da nossa economia. Cavaco que se auto proclama como sendo aquele que "nunca tem dúvidas e raramente se engana" deveria ter percebido o que estava a acontecer, mas não o fez, executou cegamente a política que lhe ditaram, daí que este elogio aos agricultores deva mais ser entendido como uma espécie de acto de contrição do que outra coisa. Aliás, Cavaco sabe com toda a certeza, que nenhum país se ergue baseado exclusivamente no sector primário. Mais uma vez Cavaco faz um discurso que não lhe assenta tão bem como talvez pensasse. Se a isso juntarmos a confusão que existe no sector da educação em que os estudantes não sabem se vão ter ou não exames a poucos dias de os realizar; se juntarmos o caso do banco J.P. Morgan que estava para ser levado a tribunal por causa dos famosos "swaps" - como afirmou a secretária de Estado do Tesouro, Maria Luis Albuquerque - e que agora parece que vai apoiar o Estado na privatização dos CTT (!) juntamente com o BI e a Caixa; depois de ontem sabermos - a acreditar nos "media" - que a segurança das personalidades (desde logo, os nossos governantes) nas cerimónias do 10 de Junho em Elvas foram asseguradas pela polícia espanhola (!) - será que já não confiam na polícia portuguesa (?) -; depois de se saber que o subsídio de férias afinal não será pago em Junho como deveria ser, indo à revelia da decisão do Tribunal Constitucional; enfim, depois de tudo isto e mais o que por aí virá, deixa-nos de facto muito preocupados, percebendo o desnorte de quem tem por missão dirigir este país com o voto que o povo lhes concedeu. Como afirmou Silva Penda no 10 de Junho, citando Frei Bento Domingues "o medo enquanto tal é paralizante". E hoje é de medo que se fala, é esse medo que está a paralisar as pessoas sem saberem que futuro as espera. Vem-nos à memória os versos de Luís de Camões, de quem tanto se fala, e que rezam assim: “Os bons vi sempre passar / No mundo graves tormentos; / E para mais me espantar / Os maus vi sempre nadar / Em mar de contentamentos.” Esta situação é nada mais nada menos do que o espelho duma certa Europa. Uma Europa mediterrânica, pobre, acossada, a passar por enormes dificuldades de que está longe de se ver livre. Daí a nossa preocupação, que achamos legítima, do que será o futuro do nosso país, que esperança podem ter os nossos jovens, neste país esmagado, destruído e vendido ao desbarato. E aqui, de novo, trago-vos as palavras de Miguel Torga, tão citado e simultaneamente tão esquecido: "É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma coletividade pacífica de revoltados." Mas se é assim entre nós, que será também desta Europa, sonho lindo de grandes estadistas, hoje reduzido a um montão de cinzas, estilhaçada, quebrada nos seus fundamentos. Se isto continuar assim, não temos dúvidas de que a Europa se desmantelará, e os fantasmas de conflitos antigos, que povoaram este espaço durante séculos, estarão de novo na ordem do dia. E que se erguerá depois sobre estas cinzas? A História dá-nos algumas pistas que não queremos aqui equacionar, mas que não podemos ignorar.
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