Equivocos da democracia portuguesa - 318
A mentira em que vivemos é cada vez mais despudorada. Prometem-nos oásis que não enxergamos, anunciam-nos milagres que não vemos, indicam-nos futuros em que não acreditamos. Mas mesmo que alguma melhoria exista, ela será sempre insuficiente para colmatar a destruição encetada nestes últimos anos, que nos colocou na miséria. E basta olhar para algumas atitudes que por aí vão fazendo escola. A saúde está como nunca esteve. As filas de espera dão o mote, os exames adiados até que não sejam mais necessários pela inevitabilidade do desfecho começa a ser cada vez mais frequente, o economicismo é cada vez mais prática corrente, onde até as luvas nos hospitais faltam para que as cirurgias se possam fazer. Mas, e quanto à cultura? Quanto à cultura nem é bom falar. Um governo que desde logo eliminou o ministério da cultura, substituindo-o por uma simples secretaria de estado, diz bem do desprezo com que esta é olhada pelo governo. O escândalo das bolsas dedicadas à investigação científica é apenas mais um episódio no longo rol de incongruências. Na sequência deste verdadeiro escândalo Beatriz Padilla apresentou ontem à FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) o seu pedido de demissão. A coordenadora do júri do painel de avaliação de Sociologia do concurso de bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento 2013 anunciou a sua demissão, apontando à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) a alteração dos resultados. O que se está a pensar diz bem da evolução futura de Portugal. Até agora temos vindo a ouvir como os investigadores portugueses têm dado cartas no mundo, fruto dum trabalho anterior, coisa que agora não se vê, bem pelo contrário, comprometendo o futuro científico entre nós por muitas décadas. Afinal nunca se conheceu nenhum ministro da ciência neste executivo e os que lá estão "não são da arte". Mas já que falamos de arte, olhemos para ela. E logo topamos com a venda de 85 quadros de Juan Miró que eram propriedade do BPN e que passaram para a posse do Estado. A Christie's, foi a escolhida pelo Estado para leiloar a coleção, que pertencera ao BPN, em Londres, no mês de Fevereiro, e que atribuiu à coleção um valor de 35,9 milhões. O leilão poderá render 80 milhões de euros. Trata-se de uma história que passa pelo Japão e em que 68 do total vieram de offshores com dívidas ao banco. Mas o mais grave é que estas obras vão ser leiloadas sem que se tenha procedido à sua inventariação e posterior avaliação como determina a lei. O importante é vender tudo e depressa, não importa a que preço. Saldar Portugal está na moda! Mas se olharmos para o mundo do trabalho, nele não vislumbramos nada de muito melhor. Pessoas desempregadas e com baixa escolaridade são o rosto da pobreza em Portugal num estudo feito sobre a matéria. O estudo refere também que a vivência da pobreza “é fortemente associada às carências e à falta de oportunidades, provocando a construção de um universo associativo de sentimentos”. Os pobres em Portugal são maioritariamente mulheres, entre os 40 e os 59 anos, desempregadas, com baixa escolaridade e com rendimentos inferiores a 150 euros mensais, segundo o perfil traçado num estudo da AMI ontem divulgado. Esta é a miséria a que reduziram este país e que levará muitos anos a recuperar, se é que alguma vez o conseguiremos. Mas apesar disto, Portugal continua a ser o mais endividado da Europa por mais incrível que possa parecer. Apenas 12 dos 28 Estados membros têm uma dívida pública inferior a 60% do PIB. Portugal é o terceiro país da União Europeia com maior peso de dívida no PIB com um volume de dívida de 210.965 milhões de euros, o equivalente a 128,7%, segundo os números do Eurostat ontem divulgados. (Não esquecer que quando este governo entrou em funções o peso da dívida no PIB era de 96%). No entanto, Portugal destaca-se também com a maior queda trimestral no conjunto da União Europeia. A queda foi de 2,6% do PIB. Em primeiro lugar está a Grécia com uma dívida pública de 171,8% da riqueza anual e em segundo lugar entre os mais endividados está a Itália, com uma dívida de 132,9% do PIB. Os três países que menos devem são a Estónia, Bulgária e Luxemburgo. No final, apenas 12 dos 28 Estados membros têm uma dívida pública inferior a 60% do PIB, como fixado pelos tratados europeus. E até o abaixamento do défice que o governo vai anunciar, não resulta duma qualquer política estratégica, mas sim, do excedente de 400 milhões de euros da Segurança Social. Assim se mostra o verdadeiro embuste que foi feito ao país. Ontem, na manifestação dos reformados e pensionistas, vimos um homem que pensávamos que nunca veríamos nestas coisas. Trata-se do sociólogo Boaventura Sousa Santos. Segundo o próprio, participou no protesto, na medida em que considera que "os cortes que o Governo está a aplicar aos pensionistas são um crime organizado, cometido pelo Estado, um ato de terrorismo, contra o qual todos devemos lutar". Mais claro do que isto não poderia ter sido. Boaventura Sousa Santos encarnou aquilo que muitos portugueses acham deste executivo que vai paulatinamente destruindo o país, reduzindo-o a uma miséria que pensávamos erradicada à muito. Estes são os tempos da ira. Só nos resta agir em conformidade.
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