Equivocos da democracia portuguesa - 332
A democracia portuguesa está a cair num lodaçal de que não há memória em 40 anos de democracia. Em vez de disputarem as ideias, os políticos disputam o caráter dos adversários, com atentados à honra e assassinatos políticos de caráter em praça pública. Talvez estejam a seguir este caminho pelo simples facto de que as ideias são coisa que não têm e as que têm são de menor importância. Da direita à esquerda parece que este comportamento se pegou como sarna. Todos nos lembramos dum célebre processo judicial muito mediático - a justiça nunca o deveria ser mas estamos em Portugal - que tentou decapitar um partido político, bem como se tem tentado assassinar o caráter de adversários, já que não o podem fazer doutro modo. Sobretudo adversários para quem não há força da razão ou outra. Das insinuações torpes e soezes, até à encomenda da notícia que pode passar pelos "media" - felizmente nem todos alinham nesta despudorada sem vergonha - o certo é que tudo vale para destruir o caráter do adversário, seja lá ele quem for. O último episódio desta triste saga teve a ver com uma entrevista dada ao Expresso e à SIC por Durão Barroso na semana passada. Vai daí, talvez pensando no seu futuro, o ainda presidente da Comissão Europeia teceu críticas a alguns políticos internos e não só. Daí a chegar ao tristemente mediático caso BPN foi um ápice e ao que parece já depois do fim da entrevista formal! (Já que não lhe tinham feito a pergunta era preciso forçar o registo). Como não tinha muito para dizer, Durão Barroso achou de deveria atacar o caráter dum ex-governante do Banco de Portugal a quem o país muito deve, estamos a falar de Vítor Constâncio. Não deixou de afirmar que teria, enquanto primeiro-ministro alertado Constâncio para este caso. Achamos uma estranha coincidência entre estas afirmações e as que tem feito o seu partido pela mão dum jovem com muito acne - a quem incubem destas tarefas - que já nos enlameou a todos quando tentou um referendo à co-adoção, se bem se lembram. Vítor Constâncio teve que vir em defesa da honra e, muito diplomaticamente, lá foi dizendo que não se lembra de ter sido convocado para tratar especificamente desse assunto. Em defesa de Vítor Constâncio apareceu um documento subscrito por ex-governadores e diretores do Banco de Portugal tais como Miguel Beleza, Teodora Cardoso, José da Silva Lopes, Artur Santos Silva e Rui Vilar. Algumas destas figuras estão, inclusive, a trabalhar com o atual executivo o que não deve ter caído bem à rapaziada do poder. (Ver um excelente artigo assinado por Sérgio Aníbal e Isabel Arriaga e Cunha e publicado no Público da passada quarta-feira e que podem consultar em http://www.publico.pt/politica/noticia/cinco-exresponsaveis-do-banco-de-portugal-defendem-constancio-no-caso-bpn-1630636). Já aqui defendemos por variadas vezes que não é bom para a democracia portuguesa, sobretudo na atual conjuntura, este tipo de atitudes. A menos que elas visem algo mais além, como por exemplo, a descredibilização do regime já tão questionado por muitos. Acresce ainda que seria bom lembrar que Durão Barroso pode não ser - e não é seguramente - a melhor pessoa para falar seja de quem for. Um homem que abandonou o país apressadamente quando viu a situação que tinha em mãos e foi para a Comissão Europeia, um homem que enquanto primeiro-ministro afirmou que tinha visto provas que incriminavam o Iraque que levou à vergonhosa cimeira dos Açores e que depois se veio a saber que tudo não passava duma monumental mentira, um homem que vai deixar a Comissão Europeia descredibilizada e sem força, um homem que nunca foi capaz de aglutinar os países num projeto europeu solidário, deveria ter um pouco mais de pudor para falar seja de quem for. Acresce ainda que não falou - teria sido lapso? - das figuras importantes do caso BPN, como Oliveira e Costa e seus "boys" gente importante e ligada ao PSD. (Parece que Durão Barroso ainda não se esqueceu dos métodos do MRPP de que foi militante!) Por sua vez, - e aqui não queremos ocultar as possíveis falhas que poderiam ter ocorrido na supervisão bancária -, falar de Vítor Constâncio que teve um papel fundamental na defesa de Portugal junto do FMI a quando dum outro resgate por que passamos, e que nas Faculdades de Economia era dado como o exemplo da defesa do interesse português, é preciso ter mesmo uma grande falta de caráter. O próprio FMI reconheceu a luta que Constâncio travou em defesa do nosso país, sendo ele na altura um jovem economista. (Será bom que consultem os escritos da época sobre este tema). Se tivéssemos tido atualmente defensores da causa nacional como Constâncio foi, talvez não estivéssemos na vereda da miséria para que estes jovens governantes nos atiraram. Mas como diz o povo "só fala quem tem que se lhe diga". Seria bom que Barroso pensasse nessas palavras enquanto está ainda no seu luxuoso gabinete de Bruxelas. Talvez lhe viesse à mente um sentimento que vemos a muita gente, a falta de vergonha. E recorrendo ainda ao documento que veio a terreiro defender Constâncio, nele se pode ler: "Lamenta-se que prevaleça uma enorme confusão sobre a natureza dos bancos centrais e, em particular, das suas funções de supervisão bancária. E que essa confusão venha pôr em causa a competência e a honestidade de uma pessoa a quem o país muito deve”. Assim, preto no branco. É que ser vice-governador do BCE não é coisa menor. Onde para além de tudo, não basta ser político, tem que se ser muito competente.
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