E depois da luta fratricida...
Depois do fim da querela dentro do PS será bom refletirmos sobre o que sucedeu. Um líder eleito em congresso - António José Seguro - com duas vitórias eleitorais - nas autárquicas e nas europeias, a primeira com resultados que nunca tinham sido atingidos por ninguém - é posto em causa pelo seu camarada de partido António Costa. (E não pretendo fazer nenhum juízo de valor nesta guerra dos António's sobre quem seria melhor para o PS, se Seguro ou Costa, afinal as diferenças não eram praticamente nenhumas). E aqui começam as questões a aparecer. António Costa poderia ter tomado conta do partido por duas vezes e não o fez, dizendo que tinha um mandato para cumprir como presidente da Câmara de Lisboa. Quando as legislativas se aproximam e a vitória do PS é dada como certa, apenas ficando no ar a sua expressão, eis que o autarca lisboeta aparece e já não se importa de deixar a Câmara de Lisboa. Depois foram as primárias. (As primárias tão atacadas por Costa e seus sequazes e ontem, depois da vitória de Costa, afinal passaram a ser um grande avanço na forma de fazer política em Portugal!) Marca a que António José Seguro ficará sempre ligado, - quer queiram quer não -, e que a sua aceitação por parte das populações afetas ao PS coloca uma questão embaraçosa aos outros partidos - os chamados do arco da governação essencialmente - que não podem ignorar o que se passou. Foi algo de novo dentro da política em Portugal. Seguiram-se os debates. Ora estando melhor um e depois outro, nesse alternar de momentos que estes figurinos encerram, mas onde se falou muito da fratura do PS. É certo que ainda é cedo para se saber o que irá acontecer daqui para a frente, mas quando essas afirmações vêm de pessoas como Mário Soares ou Jorge Sampaio - gente ilustre a quem a democracia muito deve - deixa-me perplexo. Será que Mário Soares já se esqueceu do violento conflito que travou com o Secretariado Nacional há uns anos atrás que deixou feridas que muito levou a sarar? Será que Jorge Sampaio já se esqueceu da luta travada com António Guterres, quando foi desafiado por este, cujas sequelas ainda hoje perduram? Daqui se infere que não é legítimo acusar Seguro de contribuir para a fraturação do PS, porque a haver um prevaricador seria Costa. O mesmo Costa que levou à sua volta gente que por ambição pessoal deixou o partido para se candidatar, por exemplo a câmaras municipais, e que depois de o renegarem apareceram ao lado de Costa na campanha. Isto para já não falar num grupo mais ou menos parasitário que andou em torno de Sócrates - os grandes líderes geram sempre esta geração de pigméus - que se colaram a Costa na tentativa de buscarem privilégios passados. Já para não falar de alguns ex-deputados europeus que foram preteridos por Seguro que se apressaram a alinhar com Costa na tentativa de colher mais à frente a visibilidade perdida, um certo desagravo digamos assim. Resumindo, o chamado aparelho de funcionários que fazem da política a sua profissão porque outra não têm, percebendo que Seguro afrontava os poderes instalados e nem sempre evidentes e visíveis, apressou-se a juntar-se a Costa que, qual pára-raios aí estava para os acolher numa legião de "afrontados". Alguns até teriam eventualmente medo quando Seguro falava em trazer seriedade à política, porque eles representam o seu contrário, sentindo estas palavras como chicotadas nas suas ambições pessoais. Quando Seguro falava em separar negócios da política quantos tremeriam de aflição. E quando falou em reduzir o número de deputados aqui foi demais. Todos saíram das tocas onde se tinham acolhido porque isso era o fim das suas carreiras, pelo menos para alguns. Assim, o que se passou no PS é um pouco aquilo que existe em Portugal. O salve-se quem puder, onde é mais importante salvar a sua posição pessoal do que o país. Quando se pretende ser sério, quando se pretende trazer algumas regras para a política não se é popular porque haverá sempre alguém que se sentirá atingido. Os aparelhos dominam os partidos. Quebrar essas regras é arriscar muito. Seguro tentou-o e perdeu. Mas o gesto ficará. Espero que germine para bem do próprio regime. Porque o "status quo" apenas serve para premiar quem trai, quem crava facas nas costas de camaradas de partido, rasgando acordos firmados, numa ambição desmedida pelo poder. Se estivesse a pensar votar PS, abandonaria a ideia. Nunca votaria no PS enquanto Costa fosse líder porque me sentiria a avalizar gente que trai, sem ética, apenas almejando a sua ambição pessoal e mesquinha de ser primeiro-ministro, quiçá, já a pensar em Belém. Julgo que o PS irá passar momentos menos bons, não no imediato mas num futuro próximo. (Para já, o que ressalta foram as democráticas felicitações de Seguro a Costa que não tiveram reciprocidade por parte deste último, onde o nome de Seguro nem sequer foi pronunciado. E nem uma palavra ao terço de militantes que não votaram nele mas que pertencem ao seu partido. E diz bem ao que Costa vem. Afinal, os que traem são premiados). Porque estas coisas deixam marcas por mais que se tente varrer para debaixo do tapete os estilhaços. Porque um partido que traí um líder democraticamente eleito, um partido que permite que alguém crave uma faca nas costas do líder e depois o vai eleger, é seguramente um partido doente, com má consciência. Essa má consciência há-de aparecer mais cedo ou mais tarde. Não apoiei nenhum dos candidatos, - não avalizo lutas fratricidas - mas estive e estarei sempre ao lado daqueles que pretendem trazer alguma moral, alguma ética, para a política que tão carente dela anda. Num país onde a ética já se perdeu, os partidos são bem o espelho dessa situação. Uma democracia doente, com partidos doentes, num país doente.
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