Caridade cristã
Era um domingo solarengo como tantos outros em pleno verão. 8,30 horas da manhã e já o sol brilhava intenso a indiciar um dia de muito calor. Ao dobrar uma esquina vi um homem que, sentado no chão, pedia esmola. Tez escura, olhar vazio, perdido no tempo e no espaço. Percebi que não era português. Não consegui ficar indiferente. Fui ter com ele e deixei-lhe uma moeda. Mas para surpresa minha, não era tanto a moeda que ele pretendia, embora aquela fosse a primeira que recebia. Ele pedia roupa. Algum calçado porque andava descalço, uma camisola ou casaco para o abrigar do frio da noite porque, segundo ele, dormia ao relento. Vi que não era português pelo arrastar da linguagem quase impercetível. Consegui saber que era búlgaro, de Sofia. Tentei aprofundar mais a sua situação. Falei em várias línguas com ele, mas nada. Apenas falava russo para além da sua língua natal e um português quase irreconhecível. Confesso que nenhuma dessas línguas eslavas sei mas, mesmo assim, consegui perceber o essencial do que pretendia. Nunca o tinha visto por estas paragens, caso bem diferente de outros que por lá andam, e se juntam à porta da Igreja na expectativa de receberem algumas moedas. No fim da cerimónia ele também lá estava com outros. Já por diversas vezes, o pároco dessa Igreja vem alertando as pessoas para alguns pedintes que por ali param, afirmando que, através de algumas instituições da paróquia tem tentado ajudar alguns mas sem êxito porque, segundo ele, apenas querem dinheiro por vezes sem a necessidade que pretendem mostrar. Sempre me sinto desconfortável quando o ouço dizer isto porque acho que a caridade deve ser feita sem olhar a quem. Se são falsos pobres, quero crer que um dia terão que prestar contas disso. Mas acho que a ajuda deve ser dada mesmo assim. (Mal vão as coisas quando para dar uma esmola, quase que exigimos o IRS do pedinte). Este é meio caminho andado para a caridade cristã ir pelo esgoto abaixo. Porque estes também são pobres à sua maneira. Não serão pobres materiais talvez, mas são-no moralmente, e isso também é uma forma de pobreza. Alertei uma das instituições vocacionadas para ajudar estas situações. Não sei o que daí resultou, vou tentar saber. Mas sei que uma das pessoas que contactei, - e que afinal não pertencia a essa organização embora eu pensasse que sim -, logo me veio dizer que ele tinha sapatos e que estava sentado em cima deles, com aquela pequenez de rato de sacristia. Seja como for esta atitude é mais mesquinha do que o mendigo que até pode ser um falso pedinte. Isto de ir à Igreja como um ritual, bater no peito e fazer muitos atos de contrição, será com certeza importante, mas a ação no terreno é-o bem melhor. Repito, não sei se este mendigo o era de verdade, mas sei que me tocou e muito. A tal manhã de domingo solarenga de verão a anunciar canícula já não foi a mesma. Porque ali estava um ser que mendigava e não tanto por dinheiro, mas roupa. Soube depois que um dos estabelecimentos junto do local onde ele estava, já lhe tinha dado de comer. Essa sim é a caridade cristã. Mas este domingo ficou marcado por isto. Porque ali estava um meu irmão, meu semelhante, que palmilhou milhares de quilómetros em busca duma vida melhor e acabou a mendigar. Quem lhe falou do 'El dorado' enganou-o seguramente. Só espero que a sua situação melhore. Que não tenha de continuar a viver da caridade alheia. Que a sorte e a dignidade o toquem e o retirem do chão.
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