Impressionismo ou interrogações sobre a vida
Pouco passava das 5,30 horas da manhã quando me fiz à estrada para o meu habitual exercício matutino. (Já por diversas vezes fiz referência a este meu gosto andarilho de caminhar madrugada adentro). Uma fina neblina estava no exterior cobrindo tudo. Um manto húmido colava-se aos carros estacionados. Um fresco matutino fazia-se sentir - como pré anúncio dum outono que ainda está longínquo, - um cheiro a maresia andava no ar - aquele cheiro tão típico da beira mar embora viva ainda a uma considerável distância. Este impressionismo estava bem ajustado às pinceladas leves dum quadro de Claude Monet. Comecei a minha caminhada habitual que sempre aproveito para por em ordem algumas ideias. Algumas poucas pessoas - apesar da hora - já corriam atarefadas sabe-se lá bem para onde. As 't-shirts' de manga curta já eram cobertas por algo mais aconchegante. Alguns gatos vadios estavam nos passeios como se estivessem em conversa sussurrada uns com os outros, passaram a olhar atentamente para mim, talvez interrogando-se do que eu fazia ali à hora que é mais de gatos do que de humanos. E os quilómetros foram-se desfiando sob os meus pés. E voltei a algo que me ocupa o intelecto vai para um par de anos, sobre o significado da vida. Da vida de todos os seres e não só da nossa. De todos aqueles que, como nós, foram tocados pelo seu mistério grandioso e divino, para o qual as respostas faltam às muitas perguntas que colocamos. Porque a vida que é um dom, conseguimos transformá-la num inferno. (A nossa e a dos outros seres viventes). Porque o ter se foi sobrepondo ao ser. E cada vez somos mais aquilo que temos e menos aquilo que somos. E não percebemos que estamos a destruir esse dom celestial da vida e que só no fim temos a perceção de que tudo faríamos diferente se tivéssemos uma segunda chance - e com isto nos enganamos de novo - porque se a tivéssemos faríamos tudo igual porque somos formatados assim desde que aqui chegamos, primeiro nas nossas famílias, depois nas escolas e, mais tarde, na atividade profissional onde a competição contra o outro é estimulada. E assim se vai escoando este dom da vida, vida que achamos infinita à medida que vemos os outros partirem e nós ficamos. Essa estúpida sensação de imortalidade faz com que não apreciemos este dom porque achamos que temos sempre tempo - afinal somos imortais!!! À medida que caminhava, as ruas que estavam quase desertas começaram-se a encher, primeiro de automóveis, depois de gente. Despertei para este óbvio quando me apercebi dum carro com uma música estridente, de batida forte, com o volume elevado que, por trás, se aproximava de mim. Quando ele passou vi, surpreendido, que era um carro patrulha da polícia. Apenas um agente ao volante, vidros abertos, talvez fim de dia de trabalho quando outros começavam o seu. (Não sabia que os carros da polícia tinham tão boa aparelhagem de som). Era a 'street music' no seu melhor, e o agente estava deleitado. À medida que se foi lentamente afastando, o som foi-se tornando mais ténue até desaparecer. Mas outros sons vieram engolir o silêncio que aos poucos se esvaia. Eram os motores de alguns carros que começavam a circular. Entretanto, e indiferente a tudo, a neblina ia sendo empurrada para o mar, embora a custo facilitando que o dia ficasse adormecido mais algum tempo, sonolento sem se querer levantar. Os gritos estridentes das gaivotas faziam-se sentir. (Até estas parece que trocaram o mar pela terra firme). As gaivotas como algumas pombas que picavam o chão em busca da sua refeição matinal, levantavam voo à minha passagem, logo descendo para continuar o repasto. E a pergunta sobre a vida continuava a ocupar o meu pensamento. Vejo um caracol que tenta atravessar a estrada numa viagem que, para ele, será uma odisseia rodeada de muitos perigos, sem saber se chega ao seu destino com vida. Debrucei-me sobre ele, tomei-o e ajudei-o a fazer a viagem duma forma mais rápida e segura. Talvez nem ele tenha percebido o que lhe estava a acontecer. Teria tido a sua interrogação existencial. (Afinal ele também é vida, tal como a minha e a vossa). É nas coisas mais pequenas, logo, mais resilientes, que o segredo da vida é mais vincado. Da pequenez relativa dum ser qualquer face a um humano, como dum humano face ao cosmos. (Nunca devemos esquecer isto que tão arrogantemente atiramos para trás das costas). A estrada continuava a fugir-me debaixo dos pés. Consoante me ia aproximando do términos o dia ia ficando cada vez mais claro. O cheiro a maresia ia sendo substituído pelo dos combustíveis dos automóveis. Cada vez mais gente ia enchendo as ruas. Vida em movimento, que a busca desenfreada da subsistência, quanto a busca do acumular para ser diferente - afinal és o que tens e não o que és - fazia com que esta gente não parasse para refletir. Afinal para quê? Era assim, sempre tinha sido assim! (Enganam-se porque nem sempre foi assim). E já no final de mais uma jornada a pergunta sobre este mistério supremo da vida continuava a carecer de resposta - qual aluno cábula - que não é capaz de encontrar soluções para as suas próprias interrogações. Questão filosófica que noutros tempos mais ancestrais eram apanágio dos filósofos contemplativos, - os 'ociosos' como lhes chamavam. Eles também sem resposta obtida. Enquanto isto se desenrolava no meu pensamento e indiferente a tudo, o calhau onde andamos todos agarrados, continuava a vaguear no universo, na sua habitual viagem. E o mistério da vida adensa-se porque é neste calhau que vemos azulado do espaço sideral que se desenvolveu um dos maiores mistérios, a vida. Aquela mesma vida para a qual ainda não encontrei resposta mas que busco com denodo e firmeza como se dum 'Graal' se tratasse.
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