Ainda em torno dum amigo que se foi
Confesso que ainda me sinto aturdido com a notícia da morte do meu amigo Artur Teles. Sabia da doença grave que o apoquentava mas estaria longe de pensar num desfecho destes tão rapidamente. E quando temos algo que nos agita desta maneira, é usual pensarmos em laudas ao defunto. Não penso ir por aí. Queria dar aqui um testemunho dum homem que era um excelente profissional, muito conhecedor do seu trabalho, e que teve uma importância muito grande no tempo em que foi meu adjunto no Grupo Vista Alegre. Claro que, como disse no escrito que fiz ontem, nem tudo foram rosas. Nem sempre fomos consensuais no trabalho o que até é importante porque promove leituras diversas da mesma questão e como tal enriquecedoras. Mas quero recordar também o outro lado, o homem que muitas vezes me acompanhou em viagem, sempre com aquela distinção que o caracterizava, nos muitos negócios que fizemos juntos, nos muitos 'fait-divers' porque passamos, porque a vida é feita disto tudo. Assim vou aqui recordar uma situação extrema que vivemos juntos e que nunca esqueci. Tínhamos um voo marcado de Lisboa para o Porto, na então companhia LAR. Um outro colega consegui mudar o voo para um outro avião da TAP que vinha de Frankfurt, para chegarmos mais cedo. Depois de se ter conseguido esse objetivo, fomos para o embarque, mas este nunca mais acontecia, o que era estranho. Era noite cerrada e na madrugada anterior tinha havido um forte temporal. Perante a nossa apreensão, - talvez até arrependidos de mudar o voo -, o Teles sempre bem disposto dizia: 'Nunca mais enchem os depósitos para irmos embora'. Depois de algum tempo, lá conseguimos embarcar. Do lado esquerdo do avião, (onde íamos), havia filas de três lugares. Um outro nosso colega ia à janela, eu no meio e o Teles junto ao corredor. Do outro lado a fila era de dois lugares. Entrou então um casal cheio de flores que ocupou tudo em volta. (Felizmente o avião não ia cheio). Esse casal já vinha desavindo, em discussão constante. À nossa frente vinha um grupo de senhoras alemãs em alegre cavaqueira que só pediam champanhe. O avião fez-se à pista e cerca de dois minutos depois tem uma falha no motor direito. O avião inclinou-se e começou a descer. O pânico a bordo foi total. O marido da senhora que trazia as flores, atirou-se pelo corredor e agarrou-se com toda a força ao braço do Teles. Segundos depois entrou o motor de reserva e tudo se normalizou. O senhor ficou sem jeito a olhar para o Teles e este, com a sua habitual diplomacia, sorriu-lhe sem fazer comentários. (No dia seguinte foi um fartar de rir desta situação). À nossa frente as alemãs já só pediam copos de água. A viagem foi tumultuosa. Apanhamos muitos poços de ar, especialmente na zona de Coimbra, - o que já é habitual -, mas depois do que se tinha passado antes já ninguém estava sossegado. O silêncio a bordo era total. Entretanto chegamos ao Porto e o colega que ia do lado da janela informou-nos que já se via o terminal de combustíveis e tudo estava bem. Mas não estava. O avião fez-se à pista e quase a tocar o solo voltou a subir. A preocupação de todos ia aumentando. O Teles não reagia. Depois de darmos uma volta pela cidade lá voltamos ao aeroporto e desta vez aterramos. Uma aterragem forte e brusca como nunca tinha visto. Quando saímos filas de bombeiros estavam na pista de prevenção. Só no dia seguinte viemos a saber que o avião vinha com problemas por uma notícia que tinha saído nos jornais. O Teles brincava com tudo isso perante o nosso dramatismo. Este era o outro lado do Teles. Uma enorme compostura, uma calma - mesmo que aparente - que impressionava e no fim ainda havia espaço para se trocar uns dichotes. Hoje lembrei-me de muitas coisas que passei em conjunto com o Teles durante os muitos anos que trabalhamos juntos. Esta foi, certamente, a situação mais extrema. Mas por muitas outras estórias passamos. Talvez um dia as traga a lume. Por agora apenas quero homenagear este homem, que passou a ser um amigo até ao fim dos seus dias, e mostrar aquele outro lado que até pode ter passado despercebido mesmo para aqueles que com ele trabalharam. Ele era muito discreto, dum humor muito 'non-sense' ao qual tínhamos que estar atentos. Situações com muitos anos que me lembrei de partilhar. Ao fim e ao cabo, é uma maneira de também eternizar a memória deste amigo que entretanto partiu. Lá onde estiveres, Artur Teles, que estejas em paz!
0 Comments:
Post a Comment
<< Home