Da ditadura à democracia: Uma sequência de improváveis
Quantas vitórias e derrotas, quantas ilusões e quantas deceções, quantas alegrias e tristezas, quantas estórias, contadas e por contar, dentro da própria História. Quantos momentos pessoais aconteceram nestes 46 anos, a começar nessa manhã dum qualquer mês de abril no longínquo ano de 1974 do século passado. Se me pusesse aqui a contar tantas estórias de que fui protagonista não caberia este espaço e vocês não teriam paciência para as ler. Com certeza que todos vós terão situações idênticas, mas nestas datas que nos marcam mais, acabamos por mergulhar numa espécie de cápsula do tempo e viajarmos até ao passado. E mergulhamos no nosso baú de recordações intermináveis de estórias rocambolescas, outras nem tanto, mas todas eram o símbolo duma juventude cheia de ideais com vontade de abraçar o mundo que teimava em nos fugir entre os dedos. Só quem passou pelos tempos negros da ditadura é capaz de perceber isto. A mudança no país que se verificou desde então, deixando de ser aquela aldeia bonitinha onde a miséria aparecia por mais que se tentasse escondê-la, para o país desenvolvido que somos. Da mesquinhez dos costumes à liberalidade da nossa sociedade atual. Tudo abril proporcionou. Como me recordo da pequenez do Portugal de então. Deixem-me contar-vos aqui uma pequena estória pessoal. Desde muito jovem sempre tive um particular gosto pela música. Estava na moda no final dos anos 60, as chamadas 'operas rock' como 'Jesus Christ Supertstar', 'Hair' e tantas outras. Nessa altura, apesar da minha juventude, tinha contactos com uma empresa discográfica inglesa de nome Tandy's Records, e era a maneira como fintava os poderes de então, obtendo discos que seriam editados aqui muito tarde, ou até nem o seriam. Dos vários discos que comprei, um belo dia veio a famosa peça 'Hair' um libelo sobre a guerra do Vietnam. Esse disco foi logo apreendido na alfândega e logo fui questionado. Como ainda era menor, foram os meus pais chamados a terreiro, e lembro-me bem quando tiveram que ir à sede da Pide/DGS que era a polícia política do regime, para justificar o sucedido. Ainda me lembro do terror que eles sentiram e da reprimenda que recebi em casa. Mas o disco veio e conservo-o com muito carinho, através de amigos que tínhamos que ajudaram a resolver o caso. Nunca me esqueci deste episódio dum Portugal pequeno, um Portugal menor, que tínhamos vergonha de evocar quando viajávamos para o estrangeiro. Por tudo isso e não só, valeu a pena essa madrugada redentora de abril que devolveu dignidade a um país e às suas gentes. Só quem passou por esses tempos pode perceber. Os mais jovens até têm dificuldade em acreditar. Mas foi assim. Sempre fomos um país de improváveis: improvável como nação emergente, improvável como descobridora do novo mundo, improvável como protagonista do liberalismo, improvável da democracia. Mas as nações são feitas de improváveis. A História não segue um guião pré-escrito. A História escreve as suas páginas momento a momento. O 25 de abril de 74 foi um desses momentos. Viva o 25 de abril!
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