Equivocos da democracia portuguesa - 99
De acordo com uma das leis da física, a seguir ao caos (político) há-de vir uma outra coisa qualquer. E essa coisa, pode não ser tão simpática assim. A SEDES apresentou, esta semana, uma análise à situação política em Portugal e concluiu que é idêntica à que existia na primeira República e que conduziu à ditadura. De facto, temos vindo a assistir a um cortejo de irresponsabilidade (política) que é, no mínimo, confrangedor. O líder do PSD tem vindo a afirmar nos últimos dias, que mesmo que tenha uma maioria com o CDS/PP mas não fique em primeiro não será primeiro-ministro(!). Temos vindo a assistir a um degradar da imagem e das palavras de Passos Coelho, mas afirmações deste tipo são verdadeiramente irresponsáveis. Paulo Portas já veio dizer que é melhor que Passos Coelho pense bem no que anda a dizer e Francisco Assis vem-no alertando para não usar uma linguagem crispada que inviabilize acordos futuros. Como já aqui referimos por várias vezes, tínhamos simpatia por Passos Coelho, simpatia que se vai esvanecendo à medida que o tempo vai passando. É nítida a impreparação política deste, e isso é preocupante, sobretudo, num momento em que Portugal está sujeito às mais variadas e fortes pressões por parte do exterior, necessitando assim, dum primeiro-ministro firme e decidido. Hoje, temos dúvidas de que Passos Coelho seja essa pessoa que Portugal necessita neste momento. Contrariamente a Paulo Portas que, desde que assumiu a postura de candidato a PM, tem vindo a assumir uma prudência e uma sensatez que não é comum na política portuguesa. E neste momento difícil para Portugal temos que ter isso em conta, a sensatez, a capacidade de diálogo, a capacidade de entendimento são fundamentais. Como ontem foi afirmado pelo Banco de Portugal, a situação será muito difícil para os portugueses, sobretudo, para aqueles com menores posses, daí o convite a poupar. Mas poupar como? Em primeiro lugar os portugueses - a sua maioria - não têm capacidade de poupança, visto nada lhes sobrar ao fim do mês, faltando até, - na maioria dos casos - orçamento para os trinta dias. Depois, porque esta ideia - embora sensata - conduz a um ciclo de empobrecimento ainda maior. Porque se poupar-mos, iremos afectar o consumo que também diminuirá, logo as empresas perderão mercado - e muitas delas fecharão - aumentando, assim, o desemprego. E este, é o verdadeiro "calcanhar de Aquiles" para o nosso país. Só na Madeira o desemprego atingiu já os 14% - muitos não têm a noção disso - e no Algarve, por exemplo, já atingiu os 18% - a que a sazonalidade não é estranha. E é preciso não esquecer que 84% das PME's em Portugal têm menos de dez trabalhadores, o que só por si, dá a ideia da sua fragilidade e vulnerabilidade. As pensões são baixíssimas, colocando um franja significativa dos portugueses no limiar da pobreza. (Só para termos uma ideia, as pensões mais baixas representam um milhão de portugueses)! Mas isso, não quer dizer que estejamos de acordo com a ideia peregrina de Paulo Portas de querer distribuir, aos mais pobres, vales para a compra de alimentos. Isto reprensentaria um estígma social enorme que geraria mais revolta. Se Paulo Portas estivesse, por ventura, nessa situação, com certeza que, não gostaria que lhe fizessem isso. É certo que a transformação do rendimento mínimo - que foi criado por Ferro Rodrigues -, e que veio a ser transformado posteriormente - por Bagão Félix -, quando criou o rendimento de inserção, nunca foi tão longe. Esta ideia é semelhante com a que foi importada do Brasil de Fernando Henrique Cardoso - "Pobreza não" - e, depois foi adaptado por Lula da Silva - com o famoso cartão "Fome zero". É curioso como a geometria política por vezes dá saltos epistemológicos consoante se esteja num continente ou noutro. Já aqui, o tínhamos referido, este é o seu melhor exemplo. Esta ideia da esquerda brasileira é recuperada pela direita portuguesa mas, - e é importante notar isto -, num contexto bem diferente e num continente que nada tem a ver com a América Latina. Esta é a situação em que nos encontramos, e em que a UE - nossos parceiros - não têm tido em atenção. Desde logo, pelos juros incomportáveis que nos impõem para a "ajuda externa" - que nos irão delapidar os recursos ainda mais, talvez, como vai acontecer com a Grécia, a reestruturar a dívida -, que seria o que pior nos poderia acontecer, mas que não estamos certos de que nos livraremos disso. Entretanto, Angela Merkel - sempre ela - arvorando-se na "dona da Europa" vem dizer aos portugueses, gregos e espanhóis que deveriam trabalhar mais e ter menos férias. (Asserção logo defendida pelos nossos empresários sempre ávidos de explorar tudo e todos com aquela postura de patrões do terceiro mundo muito típica entre nós. Posição mais séria e correcta teve a CIP quando veio a terreiro dizer que "Merkel está enganada sobre a realidade portuguesa". Ainda bem que, na esfera dos patrões ainda existem pessoas com bom-senso). Ela não sabe, ou não quer saber, aquilo que diz. Será que Merkel desconhece que existem empresas alemãs que dão mais férias aos seus trabalhadores do que as portuguesas? Será que ela não sabe que em Portugal se trabalham mais horas do que na Alemanha? Assim, não vamos lá, assim o projecto europeu vai desmoronar-se rapidamente. Porque é que a sempre activa Merkel ainda não pensou na criação de vários níveis dentro da zona euro? Porque se qualquer país sair da zona euro - seja lá ele qual for - o euro poderá estar em causa e, por maioria de razão, a própria UE. Não é possível que economias mais débeis como a nossa, a grega, e mesmo, a espanhola estejam dependentes dum euro forte, com economias tão débeis como as destes países. Já para não falar da Bélgica e da Itália. Todos sabemos que Merkel de economia não sabe nada, mas é estranho que, não tenha assessores que lhe dêem algumas ideias para ver se ela deixa de dizer disparates sempre que fala. Para terminar, apenas uma palavra sobre as "Parceiras Público-Privadas" (PPP's), que tão diabolizadas têm sido nos últimos tempos. Todos sabemos que existe muita coisa para corrigir, mas não estamos ao lado daqueles que acham que elas são o mal em Portugal. Para os que não sabem, as PPP's foram criadas no tempo de Cavaco Silva, quando foi PM, e foi com elas que se conseguiu construir a nova ponte sobre o Tejo (a ponte Vasco da Gama) ou o CCB - obra emblemática de Cavaco - a que hoje chamariam "faroónica". Mas sem elas, o país não teria desenvolvido tanto assim, pelos simples facto de que, o Estado não tinha capacidade financeira para levar a cabo estas obras. Portugal muito deve às PPP's embora não escondamos que necessitam de maior controle e rigor. E desenganem-se aqueles que pensam que se vão discutir as PPP's numa reunião e fica tudo resolvido. Esta situação levará ainda muitos anos a ser resolvida e se elas acabarem em tribunal, estamos convencidos que nem numa legislatura o assunto esteja terminado. À que falar sério às populações e não embrulhar tudo em papel dourado. Sabemos que em campanha eleitoral tudo vale (infelizmente) mas não pode haver espaço para a irresponsabilidade e para a ilusão, sobretudo, em momento tão difícil para o nosso país.
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