Turma Formadores Certform 66

Wednesday, April 25, 2012

A liberdade rasgada.

"Que bonita foi a festa, pá!" dizia o refrão duma canção de Chico Buarque. E ele é apropriado quando passam trinta e oito anos sobre essa manhã libertadora de 25 de Abril de 1974. Quantas esperanças, anseios, expectativas, medos, foram criadas nessa madrugada brumosa de Abril. Muitos de nós viram os primeiros sinais quando iam para os empregos ou para as aulas, como foi o meu caso. Não sabíamos o que isso significava, apenas que algo estava a acontecer. Depois da incerteza, a certeza de que, finalmente, algo estava em mudança neste país amordaçado, marginalizado pela comunidade internacional, mas também pela História. Depois foi a celebração nas ruas, numa comunhão de população e militares, depois foi a inesquecível e irrepetível unidade na festa do trabalhador, no 1º primeiro de Maio depois da liberdade alcançada. A seguir a descolonização, com avanços e recuos, com erros e acervos, mas a História não se testa em laboratório e a voracidade do tempo que então se vivia não permitia, - não permitiu -, fazer diferente, fazer melhor. A seguir a expectativa dos novos dias, do raiar de novas esperanças, da reivindicação de tudo, e a propósito de tudo, na ânsia de viver rapidamente tudo o que até aí nos tinham negado. A Constituição fez-se como símbolo dos anseios dum povo. A liberdade apareceu como quem tem a cabeça debaixo de água por demasiado tempo, e então, tenta respirar rapidamente até que o ar assuma a plenitude e tudo volta ao equilíbrio. Mas até que isso acontecesse, muitos sonhos foram riscados nas paredes e nas calçadas, muitas esperanças foram sonhadas, já não no silêncio recatado da casa, mas na rua, era a partilha de tudo, sem reservas e sem freios. Era a tentativa de viver o que não se viveu durante gerações, era a busca da identidade perdida e negada, atolada numa aldeia à margem de tudo e de todos, simbolizada no epíteto dum regime que bramava que estávamos "orgulhosamente sós"! Sós sim, porque ninguém nos queria por companhia nas andanças da História; orgulhosamente, era a maneira de injectar uma carga de patriotismo que se estava a perder entre as novas gerações que tinham outros anseios, desejos e sonhos, que se foram espalhando pelas escolas, pelos quartéis, pela sociedade, e que foram a semente que foi germinando e que levou ao 25 de Abril! Quão distante vai essa data, quanto caminho percorrido, quantos altos e baixos vivemos neste país. Depois de tantos anseios, de tantas esperanças, do imenso percurso que fizemos que nos tornou um país de nível europeu, um país desenvolvido, eis que mergulhamos numa nova noite. Não duma qualquer ditadura - por enquanto! - mas dum desencanto, dum retrocesso a níveis de vida que já tínhamos esquecido. Vítimas duma crise importada, duma gestão nem sempre rigorosa, a  noite voltou, a miséria campeia neste país, a fome já se faz sentir. Problema derivado de políticos, dirão uns, talvez seja um problema de nós todos que lá colocamos alguns. Sempre na esperança e na ânsia de viver melhor, este país tem sido arrastado para situações impensáveis, embora diariamente nos prometam o oásis, com o leite e o mel a escorrer pelas paredes, miríades de riquezas nunca vistas, num engano que empobrece o país, nos destrói como povo, nos tolhe a vontade, nos afecta o amor-próprio. Este país voltou a ser um país de emigrantes, antes eram os desqualificados e analfabetos, mais alguns mais esclarecidos que se recusavam servir de carne para canhão nos solos tórridos de África; agora, são os jovens qualificados, gente que tanta falta faz (fará) ao país que se vê atirada para a aventura de procurar outros destinos fora da sua terra, por falta de oportunidades, por incapacidade de alguns que até incentivam este caminho, não percebendo que com essas atitudes estão a mostrar o falhanço das suas políticas, e a empobecer, duma forma irreversível, este país. Trinta e oito anos depois, a noite parece ter voltado, mas com ela, também voltou a vontade de novas lutas, de novos desafios, de novas ânsias e esperanças, de novas expectativas. Afinal, à noite segue-se sempre uma alvorada! A vida é isso mesmo, a luta cotidiana por algo melhor, a esperança que no fim da linha, venceremos! E quanto mais difícil a luta mais saborosa a vitória! Afinal esse é o espírito de Abril, não do Abril amordaçado, mas do Abril radioso, contra tiranos e incompetentes, contra mistificadores e corruptos, contra manipuladores e retrógrados que ainda sonham com o passado longínquo, da noite escura em que vivemos! Por tudo isto temos que estar alerta, sem deixarmos que nos embalem com melodias de sereia. Não deixemos que estilhassem a liberdade tão duramente alcançada. Tenhamos como referência essa senda de jovens capitães que sonharam, que ousaram, que venceram. "Que bonita foi a festa, pá!".

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