Equívocos da democracia portuguesa - 247
“Que insensato é ter as coisas incertas por certas, e as falsas por verdadeiras!” Nestes tempos de ira e inquietação que vivemos vêm-nos à memória as palavras de Cícero. O confundir o certo com o incerto, o falso com o verdadeiro, tem sido a argumentária de políticos que todos os dias nos vendem um punhado de ilusões. Quando se fala em renegociação das maturidades para evitar dizer a incómoda expressão de renegociar a dívida; quando se usa a austeridade punitiva - culpando disso o Tribunal Constitucional - quando a razão maior é o querer ir mais além da "troika"; quando se diz por meias palavras que se pretende alinhar o público pelo privado, numa diferença aberrante que não tem paralelo na Europa, onde parece haver portugueses de primeira e de segunda; quando o líder do CDS/PP não está presente na tomada de posse dos novos ministros escudando-se numa qualquer ação que tinha que fazer escondendo assim que exige uma verdadeira remodelação; quando se fala em taxas de desemprego vindo a terreiro cantar laudas quando baixa uma décima esquecendo que para um desempregado a taxa é sempre de 100%, quando se pretende controlá-la com cursos de formação (com efeito nas estatísticas) ou com colocações precárias e muitas das vezes degrandantes; quando se fala em crédito às empresas que a banca nega esquecendo que as pessoas e as empresas não o pedem porque já não acreditam no futuro, lembramo-nos das palavras acutilantes de Miguel Torga em 1985 quando afirmou: "Ninguém me encomendou o sermão, mas precisava desabafar politicamente. Não posso mais com tanta lição de economia, tanta megalomania, tão curta visão do que somos, podemos e devemos ser ainda e tanta subserviência às mãos de uma Europa sem valores." Nestes tempo de inquietude e incerteza, a Europa social deu lugar à Europa liberal. A Europa dos estadistas deu lugar à Europa dos funcionários. A Europa das pessoas deu lugar à Europa da folha de cálculo. E com esta atitude a Europa está a abrir espaço para o aparecimento de velhos fantasmas que todos pensavamos já exorcizados. A solidariedade que deriva dos tratados europeus e que serviu para pacificar uma Europa que sempre viveu em conflito estão definitivamente postos na gaveta. O afastamento dos países do norte em relação aos do sul é cada vez mais evidente. E não citem Júlio César que há mais de dois mil anos afirmava que "aqueles povos da Ibéria são aguerridos e incapazes de se governarem". Não negamos que há um fundo de verdade nisso, mas não usem o argumento para esmagar um povo e uma nação usando do vosso poder e dum ministro estrangeirado que nos governa de facto pensando mais no seu futuro nos corredores de Bruxelas do que na nação que o viu nascer. Mais uma vez nos parecem adequadas as palavras de Miguel Torga quando afirmava : "Não posso ter outro partido senão o da LIBERDADE. O meu partido é o mapa de Portugal." Simples, acutilante e retumbante. Palavras que o nosso governo e os nossos políticos parecem já ter esquecido à muito na vendetta do bem-estar pessoal face ao bem-estar dum povo que devem servir de acordo com o juramento que fazem e que não pode ser letra morta. Neste dia, recorremos ao caminho sempre fácil das citações, e como não há duas sem três, aqui deixamos outra. Agora de Virgílio Ferreira quando afirmou: "Escrever um livro é falar com o outro que está dentro de nós". E o outro que está dentro de nós, está triste, desiludido, desesperançado, vencido por ver o seu país cada vez mais amordaçado - sim, porque as mordanças andam por aí embora sob outra forma - que vai definhando já sem o orgulho de nação com quase 900 anos de História. Triste sina esta, embora como diz o povo "cada um tem o que merece" e nunca se esqueçam que "vox populi, vox Dei".
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