Equivocos da democracia portuguesa - 308
E a crise continua apesar da "festa" governamental quando aparecem algumas décimas de sentido positivo. É um pouco como o pedinte que, não tendo nada, acha muito à pequena moeda que se lhe dá. Mas para além disso, das tais tão propaladas "melhorias", o certo é que a vida dos portugueses não dá sinais no mesmo sentido. E a razão é simples. "Quatro caminhos para se sair de uma crise financeira - inflacionar, deflacionar, desvalorizar e incumprir. Pode-se ainda acrescentar outro, a repressão financeira." - Mark Blyth in "Austeridade", pág. 272. Como afirma Mark Blyth na frase acima, dos quatro caminhos sugeridos nenhum parece ser o aplicável. Inflacionar é interdito pelo BCE que mantém um férreo controle da inflação na zona euro. Deflacionar é algo a que estamos a assistir mas ao estado que as coisas chegaram apenas está a agravar a nossa situação, sobretudo, pelo forçar o abaixamento dos salários. Desvalorizar não é possível porque não temos moeda própria. Incumprir tem sido o fantasma que o governo tem afastado afirmando o seu contrário. Quanto à repressão financeira ela está a existir mas apenas está a servir para definhar ainda mais a economia. O que significa que a austeridade só por si não funciona por mais que nela insistamos. Chegados aqui, mais uma vez citamos Blyth :"A austeridade não funciona, pura e simplesmente, independentemente da quantidade de vezes que se praticar" - Mark Blyth in "Austeridade", pág.274. Uma evidência Lapaliciana que já foi testada com os mesmos péssimos resultados ao longo da História, sobretudo, a quando dos problemas inerentes ao padrão-ouro que derivou do pós-guerra. E aqui levanta-se-nos uma enorme interrogação. Quando Christine Lagarde - a diretora-geral do FMI - afirma que os países sobre resgate precisam de mais tempo para fazer os seus ajustamentos porque será que os seus "escriturários" que por aí andam não seguem a mesma bitola? E só duas respostas são admissíveis: os tais "escriturários" não percebem o que a senhora diz; ou então, ela é apenas um "verbo de encher" político a quem ninguém dá importância. Porque ninguém percebe as afirmações a duas vozes vindas do FMI. É certo que para além do FMI existem as outras componentes europeias daquilo a que se convencionou chamar de "troika" e isso é que é um grande problema. Porque a influência alemã é enorme e parece que ninguém a consegue contrariar, mesmo este acordo da CDU de Merkel com o SPD acaba por não ser benéfico para os países sobre resgate. Porque não se vê uma alteração substancial no rumo traçado. Afinal foi o SPD que começou com esta saga quando foi governo. A Alemanha impôs o BCE para controlar a inflação e descaracterizar os bancos centrais nacionais - já disso demos conta numa outra altura - e com o euro (que a Alemanha transformou numa espécie de Deustche Mark a que todas as outras moedas tiveram que ajustar as paridades das suas antigas moedas nacionais) fez o resto sem que se tivesse em conta as especificidades de cada um dos países a ele aderentes. Ao impor um enorme controle da inflação, evita que os países devedores sintam as suas dívidas mais pesadas, aliás, indo ao arrepio daquilo que fez a própria Alemanha no pós-guerra. Para consolidar esta ideia nada melhor do que ver o que escreveu Albercht Ritschl: "A inflação mostrou ser um arma formidável contra credores de indemnizações, pelo menos a curto prazo. Ajudou a isolar a Alemanha da recessão internacional de 1920-1921, melhorando a sua posição exportadora e estimulando a procura interna (...) Também explorou os restantes credores estrangeiros da Alemanha, em grande medida países neutrais, depreciando as reservas de marcos de papel que tinham acumulado durante o período de estabilização (...) Acima de tudo, paralisou o sistema financeiro que teria sido necessário para organizar uma transferência ordenada das indemnizações" - Albercht Ritschl: "The German Transfer Problem", pág. 7. Foi assim, utilizando a arma da inflação que Alemanha viria a ultrapassar as mazelas da I guerra mundial, criando artificialmente uma hiperinflação que viria a fazer com que esta país não pagasse a dívida. O mesmo sucederia aquando, anos depois, se verificou a II guerra mundial em que a Alemanha voltou a não pagar aos credores criando problemas a muitos deles, especialmente a França cujas sequelas na economia ainda hoje são visíveis. Assim, este país nega aos outros aquilo a que recorreu impondo um euro forte como mecanismo de ajustamento. Mais uma vez recorremos a Mark Blyth: "Hoje o euro exige deflação e austeridade, na medida em que continua a ser o principal mecanismo de ajustamento da zona euro" - Mark Blyth in "Austeridade", pág. 273. Claro como água cristalina. Podemos dar a ideia de que somos favoráveis à saída de Portugal da zona euro. Coisa mais errada. Esse não é o caminho - até porque não se conhecem as consequências que daí adviriam mas que seguramente não seriam as melhores - o que achamos é que a manutenção da paridade do euro e fazer dele o principal motor de ajustamento levará a que os países com economias mais débeis vejam a austeridade perpetuar-se "sine die". E quando o governo diz que só faltam seis meses para a saída da "troika", isso só é verdade pelo aspeto físico da questão, porque quanto à manutenção da austeridade e do esmagamento das classes sociais, essa vai continuar. Desde logo, porque os membros componentes da "troika" ficarão de vigilância até 2030 (!), depois porque com o euro a servir de mecanismo de ajustamento, esta situação poderá eternizar-se por muito mais tempo, sem que se possa apontar uma data. Daí que o problema que hoje nos aflige é mais vasto do que a simples mudança dum qualquer governo, porque necessita de uma alteração de políticas não só dentro do país, mas sobretudo, vindas de Bruxelas. Coisa que ainda não vimos e que esta leva ultraliberal que se instalou na Europa não equaciona. Por isso, temos a firme convicção de que ainda temos um longo caminho a percorrer.
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