Turma Formadores Certform 66

Wednesday, December 04, 2013

Equivocos da democracia portuguesa - 307

Ontem, 3 de Dezembro, o governo fez uma troca de dívida, com vista a alargar as maturidades e facilitar o regresso aos mercados. Aparentemente seria uma boa notícia, mas se a analisarmos com mais cuidado talvez não seja tanto assim. Não só o governo empurrou com a barriga as obrigações para a frente - o que não deixa de ser curioso para quem dizia que não queria mais tempo! - mas, se de facto, como disse a ministra das finanças, tal não traduz um aumento da dívida, já o mesmo se não pode dizer do serviço da mesma que aumenta e duma forma elevada. A razão é simples. Se até agora se pagava de juros cerca de 2,5% este alargar dos prazos fez com que o juro subisse e passou a andar acima dos 5%. Bem longe dos 4,5% que era a bitola do governo e que Rui Machete deixou escapar há umas semanas atrás. Este "rollover" da dívida traduziu-se assim em duas componentes: desde logo, o aumento dos prazos - mais tempo -, depois o aumento dos juros - mais encargos. E o sucesso da operação foi aclamado por todos, desde logo, pelo governo e pelos seus defensores. Se tecnicamente a operação até faz sentido, já o mesmo se não poderá dizer da oportunidade. Quanto aos investidores devem estar satisfeitos. Afinal continuam com a expectativa no futuro que os vai alimentando e ainda por cima com juros que se situam agora quase no dobro dos anteriores. Isto vem mostrar à evidência que a margem do governo é cada vez mais estreita. Embora duma forma velada tem-se vindo a falar em deflação. Mas, de facto, isso já está entre nós há algum tempo, embora se fale pouco dela porque não há muito interesse em que isso seja evidente para o cidadão comum. Ora quando existe um cenário de deflação como vem acontecendo entre nós, conjugado com elevados défices que entram em recessão, a saída, para além de difícil, dificilmente será pela via do crescimento. Mais uma vez recorremos a Mark Blyth: "Os Estados com grandes défices comerciais ou orçamentais que entram numa recessão dão-se especialmente mal em situações dessas, porque se torna quase impossível sair do problema a crescer, na medida em que a recessão e a deflação se combinam. Pedir mais empréstimos e aceitar mais dívida para obter alívio temporário não ajudará a longo prazo, porque não se pode sair disso a crescer." - Mark Blyth , in "Austeridade", pág. 272. Num cenário destes, as coisas que aparentemente até podem dar a ilusão de estarem melhor, não passam disso mesmo, duma ilusão. Aqui entra a política que tem o papel de criar a verdadeira cortina de fumo. Como escreviam  Milton Friedman e Rose Friedman no seu livro "Capitalism and Freedom": "Desenvolver alternativas às políticas existentes, para as manter vivas e disponíveis até o politicamente impossível se tornar politicamente inevitável." É isso mesmo aquilo que temos vindo a assistir durante o período desta governação. A política arrasta as situações que criam o clima de inevitabilidade para as estratégias a implementar dentro da agenda política - nem sempre transparente - que o executivo deseja aplicar. E embora com a saída da recessão técnica, continuam a ser claras as palavras de Mark Blyth: "Num mundo destes, a recessão é o lugar perfeito para cortar, enquanto a despesa é sempre e em toda a parte a política errada." - Mark Blyth in "Austeridade" pág. 239. Este seguramente não é um problema só português, mas duma forma evidente dos países do sul, a quem os países do norte - liderados pela Alemanha - querem fazer com que espiem os seus pecados passados. Esquecendo que foi a mesma UE a que todos pertencemos que ofereceu dinheiro para que estes países destruíssem a sua frota pesqueira ou a sua agricultura, aniquilando assim o setor primário da economia. Coisa que a Espanha até recusou, mas que Portugal - na altura liderado por Cavaco Silva - abraçou como a sua redenção. E se isto é mau para os países mais vulneráveis, também o é, para a UE. E mais uma vez recorremos a Mark Blyth: "A continuação da aplicação da austeridade pode muito bem resultar na rotura final da zona euro e ter repercussões políticas a que é improvável que as fracas instituições da UE resistam." - Mark Blyth in "Austeridade", pág. 262. Assim, com clareza meridiana, Mark Blyth põe o dedo na ferida. A implosão da UE e do euro pode ser o resultado final de toda esta política de austeridade que está a esmagar os países do sul. A menos que seja isso que, sobretudo a Alemanha pretenda, aniquilar a UE como a conhecemos. O que até não deixa de ser estranho, quando foi a própria Alemanha que impulsionou a criação do BCE como entidade reguladora que retirou a força aos bancos centrais nacionais, bem como, foi a mesma Alemanha que criou as condições para o aparecimento do euro, que foi uma espécie de DEM disfarçado, em que todas os países se reveriam. Só que a força da antiga moeda nacional alemã era bem diferente dos restantes países, como o desenvolvimento económico também o era. A Alemanha continua a produzir produtos caros que todos querem comprar, com elevado valor acrescentado. Coisa bem diferente dos outros, desde logo, os países do sul, com economias mais baseadas nos serviços e no turismo. É neste emaranhado de confusões que hoje se inicia a 10ª avaliação da "troika" que virá, como é já do conhecimento público, com a mão pesada para esmagar ainda mais as populações, dentro dum quadro de mais austeridade que a anterior não chegou, como a nova não chegará. Este não é o caminho e todos sabemos isso.

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