Turma Formadores Certform 66

Tuesday, December 03, 2013

Pré-crónica de Natal (ou o Natal do meu descontentamento)

"Natal é quando um homem quiser", diz o poeta. Só que por vezes o homem não quer, ou embora querendo, o Natal não acontece. O Natal para mim é sempre um motivo de tristeza. Tristeza pelo silêncio ensurdecedor dos ausentes, tristeza porque nem sempre o espírito de Natal nos preenche. Agora, como no passado, os seus preparativos são aquilo que mais me atrai. Depois, à medida que a data se aproxima, vai crescendo uma angústia que não tem fim, até que desejo que a data passe depressa. É seguramente, um trauma que ficou do passado, de dias de descontentamento que não quero aqui recordar. Para a maioria das pessoas o Natal é a época de reunir a família, dum lauto repasto até não "caber mais" e, como não podia deixar de ser, para os mais pequenos uma época de folia e de brinquedos novos, embora esta mística dos brinquedos já não tenha o mesmo carisma doutros tempos, onde apenas no Natal se recebiam os ditos. Hoje os mais pequenos têm tudo em qualquer época, o que desvirtua esse sentido quase místico do Natal e da figura do Pai Natal, - também aqui uma distorção doutros tempos, onde a figura do Menino Jesus tinha um peso maior e a Ele se atribuía o favor dos brinquedos que eram sempre bem vindos. Mas para mim, nessa noite maior do nosso calendário, talvez não consiga ter a alegria do comum dos mortais. A alegria dos brinquedos, essa já passou há muito, a alegria da família, essa também já é só uma memória, embora com a chegada da minha afilhada Inês, tenha aqui que abrir uma exceção, bem como à sua família, que sempre tudo faz para que me sinta em família, - a nova família -, se assim posso dizer. (Que eles me perdoem a ousadia se calhar de lerem esta crónica!) Mas normalmente dedico este dia à reflexão, sobretudo, para aqueles que nada têm, ou que já tiveram muito e agora deixaram de o ter,  - porque nestes tempos de crise tudo é subvertido e aquilo que parecia adquirido afinal não o era assim - ou para aqueles que se sentem humilhados e ofendidos, mesmo no seio da sua família, - fazendo jus ao ditado popular de "casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão" - que é o sítio onde a expressão destes sentimentos é mais dolorosa. Quando se é humilhado, seja porque razão for, no seio da própria família, junto daqueles de quem se gosta, junto daqueles que vivem comumente debaixo do mesmo teto, é mais doloroso ainda.  Porque a dor é mais silenciosa, não extravasa as paredes da casa por puro pudor, mas ela lá está a corroer o mais íntimo do ser. E, contrariamente ao que se possa pensar, existem muitos destes casos, alguns de que tenho conhecimento direto. (E quando se está à mesa, quantas pessoas são capazes - ou têm sequer tempo! - de ter um pensamento para esta dolorosa realidade?) Mas para além das pessoas, que só por si já mereciam este ensombrar do Natal, existe ainda o sofrimento dos animais de que tanto gosto. Alguns a viverem em condições precárias, expostos aos elementos que nesta altura do ano são sempre mais agrestes, sem que ninguém se lembre deles e do que sofrem. Enquanto do aconchego das casas as pessoas se repastam cometendo o maior dos exageros, enquanto as crianças brincam com os recém-chegados brinquedos tão ansiosamente esperados, eles lá fora, expostos à inclemência do tempo, sofrem a dor do frio, do desconforto, por vezes, da fome e, sobretudo, do medo. Amarrados muitos, pelas correntes que o destino traçou, estes pobres irmãos nossos, sofrem sem que ninguém tenha um pensamento para eles. Depois há ainda aqueles que foram sacrificados, sempre com a brutalidade da morte anunciada e violenta, para serem servidos à mesa, num ritual que tem muito pouco de cristão, esse sentimento cristão que, afinal, se pretende celebrar. Enfim, as incongruências do ser humano são inúmeras e, por tudo isto, o Natal é sempre uma época que me trás momentos de muita tristeza. E até a natureza não escapa, onde muitos pinheiros são devastados para o seu efémero brilho na quadra natalícia. Este que se aproxima não será exceção porque quando assim vivemos esta vida que nos foi concedida é difícil que consigamos arrepiar caminho numa outra direção. E tudo isto povoa o meu imaginário enquanto vou olhando para as decorações natalícias que vão ocupando os espaços em casa, onde depois as tradicionais luzes vão alegrando o ambiente, (que não o meu coração), onde a música da época se faz ouvir. Assim, se vai fazendo esta caminhada em direção ao Natal e o ciclo retoma o seu trajeto num caminho sempre renovado ano após ano. Esta pré-crónica natalícia tem a ver com isso, talvez com a exorcização dos meus fantasmas, - ou a tentativa de o fazer, talvez sem sucesso -, para que tudo possa ser diferente. Não tenho a certeza de que isso aconteça. Talvez tenha a certeza de que isso não vai acontecer. Embora desde há dois anos, com a chegada da Inês à minha vida, tenha feito com que, pelo menos, me esforce por ver diferente, onde tudo é igual. Ela tem sido, e será seguramente, uma espécie de luz na minha vida sombria de Outono, onde cá chegados, as memórias passam a ocupar mais espaço na nossa mente do que as coisas novas e diferentes. Ela foi, desde que chegou, uma espécie de "exultate" na minha vida, uma redenção talvez para um condenado eterno, se não ao inferno, seguramente, às penas dum purgatório sem fim, dum crime que não conhece, dum desígnio insondável que não vislumbra. E assim se vai fazendo a caminhada para o Natal, o meu (triste) Natal...

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