Turma Formadores Certform 66

Thursday, December 05, 2013

"Contramão" - Pedro Abrunhosa e o Comité Caviar

«A tempestade há-de passar». É o primeiro verso de um álbum cheio de esperança inspirado pelo heroísmo de Bruce Springsteen. Um dia, Pedro Abrunhosa algemou-se ao Coliseu do Porto. Agora volta a vestir a capa de Zorro. Há três anos, Pedro Abrunhosa substituía os Bandemónio pelo Comité Caviar e assinava o melhor álbum pós-«Viagens». «Longe» viajava ao relento com Neil Young e Leonard Cohen numa estrada paralela à de Jorge Palma em «Voo Nocturno». Depois de uma década de baladas, assumia o rock adulto por inteiro com a mesma compleição que agora repete numa continuação heróica e mais atenta a questões sociais que muitos dos que fazem das redes sociais um mural de lamentações sem que a intervenção artística reflicta essa preocupação. Mas em vez da culpa, Abrunhosa acredita que há uma esperança. «A tempestade há-de passar» canta na primeira frase de «Toma Conta de Mim», canção mid-tempo opulenta com refrão vigoroso e um Hammond em crescendo. (Podem escutar esta canção e ler o poema aqui: https://www.youtube.com/watch?v=4d90q9PK77w ). É verdade que se segue um vaudeville certeiro em que o «todos» de «Todos lá para trás» é um apelo à revolta da «geração currículo» mas este é um olhar em frente em que o rock é cercado por gospelblues e uma reencarnação do funk de «Viagens». Em 2014, passam vinte anos sobre aquele que foi porventura o álbum mais transformador da música portuguesa no pós-25 de Abril mas o excesso de testosterona à Prince de «A Parte do Meio» não corre bem. É verdade que se traduzidas letras do r&b e hip-hop americano, o verbo libidinoso não é diferente mas os caçadores de erros de Abrunhosa vão ter com que se entreter. Onde «Longe» desafiava, «Contramão» é mais previsível. «Toma Conta de Mim», «Hoje é o Teu Dia», «Já Morremos Mil Vezes» e «Não Estamos Sós» herdam de Springsteen, «Todos Lá para Trás» de Tom Waits e «Voámos em Contramão» é a típica balada a que Abrunhosa habituou. Mas também há pérolas como o lindíssimo dueto com Camané em «Para os Braços da Minha Mãe» e o gospel não-ascético de «A M O R». Pedro Abrunhosa continua a ser capaz de fazer de cada canção um tom singular dentro de uma paleta variada. Num quadro sempre dele. Descobri Pedro Abrunhosa pela mão de um amigo já lá vão vinte anos, precisamente com o seu primeiro disco «Viagens». Desde aí, nunca mais o perdi de vista. Passou a estar entranhado em mim mesmo, dizendo coisas que eu gostaria de ter dito e não fui capaz, dando esperança onde eu não a vislumbro, indo mais além onde acho que só existe vazio. Pedro Abrunhosa é uma referência para a música portuguesa goste-se ou não. Aqui temos o seu último trabalho para devorar, para saborear, para esmiuçar. Mais um grande trabalho de Abrunhosa. Neste Natal que está aí á porta, porque não fazer de «Contramão» o seu presente de Natal. A ouvir sem mácula.

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