Turma Formadores Certform 66

Friday, September 19, 2014

No dia da homenagem a Frei Bento Domingues

Frei Bento Domingues sublinhou em Tomás de Aquino: “Se faço uma coisa porque está mandado, mesmo que seja por Deus, não sou livre, só sou livre quando faço, ou deixo de fazer, porque é mal ou é bem”. Quis ser um homem livre. Tinha pó a Salazar. Deu-se com Sá Carneiro ou Salgado Zenha. Acolheu membros das Brigadas Revolucionárias na clandestinidade. Vive num convento em Benfica. Nasceu em 1934 numa terra onde se “plantam carvalhadas”. Este é Frei Bento no tempo em que ainda não era Frei Bento. O que nasceu nas Terras de Bouro, creu em bodes e bruxas no cruzamento de caminhos, leu às ovelhas orações em latim. E este é Frei Bento que fez discursos considerados subversivos, que foi apontado como "persona non grata" nos anos 60, que andou por África e pela América Latina. Este é Frei Bento, com quem muitos se enfureceram porque defendeu a ordenação de mulheres, e que esteve de costas para um baile porque um padre não podia assistir a um baile. Um heterodoxo. Colunista do Público. Conversador fascinante. Espírito livre. Parece mais novo do que é. Fala com sofreguidão. Sem tabus. “Eu até achava que se alguém me chamasse pai me insultava!” Este é o homem que hoje vai ser homenageado na Fundação Gulbenkian. Homem atento ao mundo desalinhado em que vivemos. Homem desencantado pelo que vê no nosso (seu) país. "Quando a política diz que não há alternativas, os políticos deviam ir para casa, porque não estão a servir para nada". Como esta frase nos prende aos tempos de hoje, neste país desencantado onde nos vendem ideias definitivas que nos colocam cada vez mais na miséria, com a chancela da inevitabilidade. Homem que olha para o mundo e não vê apenas a desordem, mas a falta de vontade de o ordenar. Faz-me lembrar João Paulo I - que reinou apenas 33 dias no Vaticano - quando escrevia crónicas e afirmava, citando Tomás de Aquino uma rábula em que estava um sábio e um louco. O primeiro dizia: "Temos que começar a pensar em fazer a paz" ao que o louco ripostava: "E porque não fazê-la já agora?" Esta é a imagem de Frei Bento, que acha que "os problemas resolvem-se, quanto mais não seja, quando morremos, porque aí eles deixam de existir". Este é um homem dos seus dias, dos nossos dias, atento e nunca subserviente. Um homem que, por isso mesmo, é incómodo, mas uma luz de clarividência nestes nossos dias de raiva por que passamos. Acha-se indigno da homenagem, nem sequer a queria e diz "isto é como uma missa de defuntos", que ele não é e recusa-se a servir apenas de "bibelot" de galeria. Este é o homem que deveríamos ser todos.

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