Turma Formadores Certform 66

Sunday, February 20, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 73


Conforme prometido na crónica anterior, aqui voltamos para falar de alguns temas recorrentes que têm preenchido os nossos dias nos últimos tempos. Desde logo, o desemprego que cada vez mais se vai assumindo como o grande flagelo da nossa democracia. O governo tem demonstrado uma total incapacidade para criar novos postos de trabalho, embora por trás deste chavão, existem outras realidades que não se podem escamotear. A primeira das quais é a atitude dos empresários, que embora invocando a necessidade de condições para a existência de novos postos de trabalho, verdadeiramente têm aproveitado a situação para flexibilizar os despedimentos e cortar nos salários. Outros até foram mais longe, aproveitando a crise para proceder a despedimentos. A crise para alguns, é uma verdadeira oportunidade, menos para quem trabalha e vive do seu salário. Por isso vale a pena reflectir nas palavras de Mário Mendes, ex-director do SSI, que na semana passada, alertou para o facto de se estarem a criar bolsas de marginalidade e criminalidade muito semelhantes às favelas. Já em tempos ele tinha alertado para o facto, mas ninguém parece tê-lo levado a sério. Com o fim das prestações sociais, a situação tende a agravar-se, e veremos como vamos lidar com tudo isto. É certo que o Estado poderia criar os postos de trabalho, diriam alguns, (pensamos no TGV, por exemplo), mas com as restrições que neste momento existem, tal afigura-se impossível. Depois aparece a dificuldade de controlar a dívida pública. Esta já assumiu valores impensáveis, que muito irão dificultar os tempos futuros, quiçá, o hipotecar o futuro das novas gerações. É certo que muito de tudo isto, tem a ver com a crise internacional, mas sejamos realistas, ela também tem raízes internas. Problemas que se foram avolumando ao longo dos anos, vindo a tornar-se insustentável nesta altura. O mais grave de tudo isto, é que não se vêm medidas para obviar a que se encontre uma solução para tão amplo problema. Por fim, a recessão que está de volta. Já Carlos Costa, o novo governador do BP o afirmou, o que veio a criar um verdadeiro terramoto político na AR. Mas tal, não é mais do que uma hipocrisia, das muitas que encontramos em política. Desde que foi aprovado o OE que se viu que a recessão vinha de novo. Desde logo, pelo esforço hercúleo que se está a fazer para controlar o déficit. Há dias num canal televisivo, apareceu em rodapé uma notícia de "última hora", dizendo que o país ia entrar em recessão. Tal só serve para alarmar as pessoas ainda mais, porque como atrás afirmamos, era conhecido que tal ia acontecer pelo efeito da aplicação das medidas de controlo do déficit impostas por Bruxelas, e que aparecem duma maneira clara e transparente no OE, mesmo visíveis para não iniciados nestas coisas da economia. Assim, há que desmistificar a situação, nada se alterou de significativo, desde o passado recente, tudo o resto, são as costumeiras diatribes políticas a que já nos vamos habituando. Gostavamos de aproveitar para fazer uma referência à entrevista de Passos Coelho dada à RTP1 na passada quinta-feira. Já aqui afirmamos, por mais do que uma vez, que até simpatizamos com Passos Coelho, embora seja um liberal assumido, tem pelo seu lado, a juventude e a lufada de ar fresco que pode trazer à nossa vida política, cada vez mais cristalizada em líderes, partidos e políticas, que correm o risco de ficarem obsoletas face a uma nova realidade que o mundo nos trás. Contudo, foi para nós uma desilusão. Apenas vimos um Passos Coelho prudente - o que até se compreende -, mas sempre dizendo à entrevistadora que "não respondia", "ainda não era o tempo para falar desse assunto", etc., deixando no ar, mais do que a prudência - que até aceitamos -, uma certa incapacidade, uma falta de ideias que é assustador para um candidato a primeiro-ministro. Talvez Passos Coelho tenha chegado demasiado cedo à liderança dum grande partido, mas se ele é assim, enquanto líder da oposição, que nos reservará como primeiro-ministro? Ficou de tudo isto, uma entrevista perturbadora e preocupante, porque vimos um homem que parece que não está preparado, para o cargo que lhe pode cair nos braços a qualquer momento, e desde logo, numa conjuntura tão adversa como esta em que vivemos. É semelhante à velha teoria da "propensão marginal ao consumo" que, descodificando, pode ser comparada com um copo de água que se bebe num determinado momento em que temos muita sede, e que à medida que vamos bebendo sucessivos copos de água, eles vão-nos satisfazendo menos do que o primeiro, até ao momento em que não temos qualquer prazer em continuar a beber. Em política isto acontece ciclicamente, porque um líder chega ao poder com muitas promessas e expectativas, e depois com o passar do tempo, começa o desencanto e até um sintoma de alguma frustação, o que leva a buscar uma solução alternativa. Mas isto, não é só entre nós que acontece. Acontece em todas as democracias, porque noutros regimes, as coisas são bem mais complicadas. Daí que, para além dos equívocos vivemos em democracia, onde estes e outros problemas podem vir a ser rectificados, ou pelo menos existe essa convicção, o que por vezes, não corresponde à necessidade, fruto mais da incapacidade dos políticos do que do regime em si mesmo.

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