Turma Formadores Certform 66

Tuesday, January 25, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 69


Conforme prometemos na anterior crónica, iremos fazer uma pequena e sucinta viagem pela nossa História para tentarmos perceber afinal, como fomos lidando com a bancarrota - que existiu várias vezes ao longo da nossa História, do déficit e da dívida soberana até para esclarecer um pouco esta novela dos mercados. Não cabe aqui o aprofundar com maior detalhe algumas das informações, mas os interessados poderão encontrar no mercado, variada literatura para estudarem este tema. Mas passemos à análise. No final da II Guerra Mundial, segundo os diplomatas britânicos em Portugal, o nosso país assemelhava-se a "um homem com os bolsos cheios e o estômago vazio". Os "bolsos cheios" eram a riqueza acumulada, sobretudo em forma de reservas - no Banco de Portugal - e, na riqueza acumulada por algumas pessoas - nomeadamente, fruto da especulação e de negócios poucos claros durante o período em que a guerra durou. O "estômago vazio" prendia-se, sobretudo, com a classe média que tinha sido o verdadeiro apoiante e almofada do Estado Novo durante os anos 30 e, que agora, sucumbia sobre o peso excessivo de impostos, - alguns cumulativos - e pela excessiva petulância dos serviços públicos sobre os mais desprotegidos. Aqui iria terminar a paz social que até então se tinha verificado, iriam começar a aparecer os primeiros conflitos e greves, não só dos assalariados mais pobres, mas também de alguns membros mais conotados com a classe média da época. O bancarrota é um problema que tem sido transversal a Portugal com raízes na própria monarquia e foi soberbamente retratada por Eça de Queiroz, n'Os Maias, quando se discutia a bancarrota, naturalizada como fatalidade natural pelo próprio banqueiro. Foi na segunda metade do século XIX que se reuniram as condições políticas para o avanço da economia. Criaram-se infra-estruturas indispensáveis à unificação do mercado, tendo com isto levado o capitalismo a entrar nos campos e nas fábricas. Mas isto, levou a que o capitalismo financeiro e comercial - normalmente parisitário - se tenha acomodado. A mão-de-obra não faltava e a dependência do exterior era uma mina de ouro e as políticas económicas foram definidas a jeito. Os donos do capital, eram avessos ao risco, não investindo no Brasil e nas restantes colónias de então, preferindo o risco menor de comprar dívida ao Estado. O ministro Ferreira Dias afirmou que peritos internacionais teriam aconselhado que "se atirassem ao mar os industriais para que se salvassem os que soubessem nadar". Ao que acrescentou que "o Governo não teria dúvidas em seguir o conselho se tivesse a certeza de que muitos se salvariam; mas, como está convencido do contrário, pretende ter o tempo bastante para que a maior parte aprenda a nadar". Já nessa altura, era essa a opinião que o Estado tinha dos seus industriais, estavamos então em 1945(!). Mas a saga nacional continuava. Voltemos a Ferreira Dias, que mostrava um desprezo enorme pela burguesia dizia que "eram portadores de um certo vírus que anda no sangue desta raça como o sal na água, daqui resultando uma economia de vão de escada em que muitas das nossas indústrias não são grandes, nem são médias, nem pequenas: formam um sistema abaixo de toda a crítica" (1945). Parece que muito pouco se alterou dessa essa altura até aos nossos dias. Mas não era só Ferreira Dias a ter esta opinião. O então ministro da economia Daniel Barbosa afirmava: "Um pardieiro, sórdido e infecto, é muitas vezes uma fábrica e, quantas vezes, muito boçal, analfabeto e bronco se sente industrial, senão um técnico" (1949). Em 1952, administradores do grupo CUF escreviam: "E logo apareceram candidatos a industriais, nova espécie de cauteleiros que prometem a sorte grande em bilhetes que outrém comprará e pagará". Trinta anos mais tarde, Marcelo Caetano, - o último ditador do Estado Novo -, diria "que estes industriais só sabem sobreviver amparados pela repressão que lhes garanta a imposição de salários baixos" (1974), - pouco antes do 25 de Abril. Convém dizer que a repressão a que Marcelo Caetano fazia referência era a mesma que ele próprio assegurava!!! É preciso esclarecer que durante o século XX os grandes grupos portugueses são de base bancária, com as excepções da CUF e Champalimaud, que são de base industrial, embora mais tarde, se venham a transformar também em grupos financeiros. Esta lógica de aplicação de capitais traduz a modernização conservadora porque não produz bens transaccionáveis e exportáveis e está por isso virada para o mercado nacional e colonial, ambos protegidos pela concorrência. Passamos a viver dos faustos passados em que os Descobrimentos ocupavam (ocupam) espaço importante. António Sérgio em 1926, escrevia: "A vontade de irmos reatar sob forma nova (para além de três séculos de um viver sem alma, no Reino Cavernoso da Estupidez) - a faina augusta dos Descobridores". Este tem sido sempre o nosso infortúnio. Clamava Antero de Quental que "a nossa fatalidade é a nossa história". À alvorada de Abril correspondeu um compasso crepuscular depois da crise revolucionária. A privatização das empresas nacionalizadas pela revolução de Abril, iniciada com o cavaquismo (1985 a 1995) e continuada no guterrismo (1995 a 2002) e governos seguintes, restabelece os grandes grupos económicos. Para termos a noção da dimensão desta questão, atentemos numa entrevista dada ao Expresso, pelo então administrador do BESCL (anterior ao actual BES), José Roquette, em 6 de Dezembro de 1997: "Tenho muito orgulho de, nesse ano, - 1974 - tanto eu como os restantes responsáveis do BES, começando pelo presidente do Conselho de Administração, o senhor Manuel Ricardo, temos dado um contributo para a luta e para a batalha que tínhamos que dar. Mas o que é absolutamente verdade e autêntico é que criei apoios financeiros indispensáveis para que o PSD pudesse sobreviver. Aliás, isso foi de alguma forma um acordo feito com Francisco Sá Carneiro". Ricardo Salgado em entrevista ao Diário de Notícias de 12 de Dezembro de 2010 afirmava: "O BES é um banco de todos os regimes". E assim, o círculo se fecha mais uma vez. Ao fim e ao cabo, é a saga dos mercados financeiros que hoje nos afectam, revisto à luz dum tempo diferente, mas em que a História se repete... do mesmo modo. Como vemos, o conceito de bancarrota já vem do tempo da Monarquia, começou com o Marquês de Pombal e nunca mais se separou de nós. A questão da dívida está associada a um certo capitalismo parasitário, que em vez de investir no sector produtivo, aposta no sector financeiro e especulativo, sem correr riscos e com lucro assegurado, sobretudo, quando passa a adquirir dívida publica. Isto não nos pode servir de consolo, sobretudo, para o futuro que temos pela frente. A promiscuidade entre a política e os negócios vai fazendo o resto. Só para dar um exemplo, muito se tem falado da influência política da Martifer junto do PS e do PSD, é nesta altura que o presidente da empresa se apressou a dar esclarecimentos. Afirmou: "Tenho pena que alguns membros do Governo não tenham a disponibilidade que Manuel Lencastre (Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico em 2004-2005, vice-presidente do PSD de Menezes, tornado sócio da Martifer) teve quando veio falar connosco. Disse-nos: "vou sair do Governo, saí do Governo, e tenho disponibilidade para apoiar a Martifer na abertura ao mercado internacional". Isto acontece em todo o mundo civilizado. Hoje, o melhor vendedor de Espanha é o antigo primeiro-ministro Aznar." (Público, 20.10.2008). É caso para se dizer que qualquer dia se colocará anúncios do género de "empresa do ramo X procura ex-governantes"... Mas é importante que este resumo histórico - muito sintético -, sirva para mostrar que não à homens providência que quando eleitos têm o condão - só por si -, de alterar o rumo das coisas. Cavaco Silva não é excepção, infelizmente para nós. Contudo, é bom esclarecer que a questão do déficit, dívida pública, apoio externo, não são figuras recentes no nosso expectro político-económico. Acresce ainda, que a especulação que Portugal tem sentido nos últimos tempos, mais do que uma especulação contra Portugal "tout court", é uma especulação contra a zona euro e o euro. Tem na sua génese algo mais abrangente e temível. Temos que ter a consciência de tudo isto, para que, não sejamos confrontados com alguns profetas e salvadores da pátria que, normalmente, encerram em si mesmo aspirações autoritárias. Não nos deixemos enganar pelo que se disse aqui e ali. Tentemos buscar conhecimento para ler-mos melhor a realidade envolvente. Vivemos na sociedade do conhecimento, pois busquê-mo-lo. Só o conhecimento nos liberta, só a cultura nos dá uma visão alargada do mundo. Uma sociedade é tão mais livre, quanto mais culta é, embora isso possa não interessar a todos, como se tentou demonstrar.

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