Equivocos da democracia portuguesa - 208
Depois das manifestações, depois do acordo dos partidos da coligação, depois do Conselho de Estado, nada ficará como dantes. As manifestações serviram para que os cidadãos, pela primeira vez, assumissem em pleno a cidadania, dizendo ao governo que assim não, já basta de serem sempre os mesmos a pagar a fatura. Quanto ao acordo dos partidos da coligação, temos mais dúvidas. Penso que mais tarde ou mais cedo acontecerá de novo estes desentendimentos. Os cacos que se colam, por mais valiosa que seja a peça, nunca mais fica igual. Este caso do desentendimento dos partidos da coligação - PSD e CDS/PP - parece que seguirá o mesmo caminho. Do Conselho de Estado, e como já tinhamos dito noutra ocasião, não saiu nada de significativo. O recuo sobre a TSU - que a "troika" insiste em dizer que desconhece o estudo - já estava traçado desde as manifestações de 15 de Setembro, embora o mais importante é saber o que virá para compensar esta perda de receita. Como se precisam de medidas com efeitos rápidos, não descartamos a hipótese de mais impostos, sob a forma de mais um corte total ou parcial de subsídios. Quando se precisa de efeitos imediatos são sempre estas medidas que se tomam sendo sempre a classe média - será que ela ainda existe? - a pagar a fatura. Quanto às gorduras do Estado lá continuam a servir de almofada a uns quantos a quem é necessário garantir emprego e proventos. Se não vejamos. Numa altura em que são pedidos sacrifícios em muitos países desta malfadada Europa, o BCE anuncia a construção dum novo edifício cuja edificação teve uma "derrapagem" de 40% (!) - até parece que foi construído em Portugal! - e que vai custar um milhão de euros!!! Não deixa de ser curioso que o BCE, orgão financeiro central da UE, invista estes montantes, quando alguns dos seus membros passam por tremendas dificuldades, para já não falar das derrapagens que tanto criticam aos outros, inclusivé, a Portugal. Isto servirá para que alguns venham dizer - agora duma forma ainda mais reforçada - que está na hora de sairmos da UE e do euro. Não somos dos que alinham por tal diapasão. A saída da UE teria consequências terríveis para Portugal e a saída do euro também. Se todos os países resolvessem sair do euro e esta saída fosse programada, como já algumas vozes defenderam, seria diferente. Agora um ou dois países tomarem esta iniciativa seria devastador. Para além disso, mesmo para aqueles que criticam a "troika", seria bom que explicassem onde é que Portugal iria buscar financiamento para continuar a cumprir com os seus deveres, como seja, os pagamentos na função pública, nos tribunais, nos agentes de segurança, nos hospitais. E quem estaria disposto, na atual situação, a emprestar-nos o dinheiro de que necessitamos. (Isto para além de defendermos outro caminho, porque ele existe, e bem diferente daquele ultraliberal que o atual governo nos está a impôr). É pois fundamental que estejamos atentos na necessidade de manter o país governável. Isso não significa que estejamos de acordo com o rumo que as coisas estão a tomar entre nós, sem fim à vista, onde a esperança que como se diz deve ser a última a morrer, e ela já morreu à muito para muitos portugueses. O padre Vítor Melícias afirmava à dias que: "não concorda com o assédio à dignidade dos pobres". Qualquer pessoa bem formada estará com certeza de acordo. Daí o ser necessário buscar mais medidas alternativas que incidam sobre aqueles a "quem a crise tem passado ao lado" para lembrar aqui as palavras de Cavaco Silva. O que não podemos é deixar que neste momento de dificuldade por que passamos nos deixemos encurralar ou ficar de fora das negociações mais importantes, como aconteceu na passada sexta-feira, quando Mario Monti fez uma reunião com os países em dificuldades, onde esteve presente a Irlanda, Espanha e Grécia, enquanto Portugal ficou de fora. Porquê? Não sabemos se Portugal foi ou não convidado. Concordamos que a semana passada foi difícil para o governo e, talvez, não existisse disponibilidade para isso, mas não deixa de ser sintomático que algo vai mal nesta nossa abordagem europeia. Do governo, pelo menos daquilo que sabemos, nem uma palavra. É neste quadro que já se anunciam novas manifestações para o próximo sábado. É certo que a população descobriu uma nova forma de atuação junto dos seus eleitos. Mas a banalização pode ser perigosa. Só nos resta esperar que esta decorra com o civismo das anteriores, embora aqui e ali sublinhada por alguns insultos e alguma violência que são dispensáveis, e que nunca aqui subscreveremos. Essas atitudes só servem para se virarem contra as populações. E, com certeza que ninguém quererá que Portugal se torne numa nova Grécia, com o cortejo de problemas que por lá se instalaram. A cidadania não pode significar aproveitamento por outras forças para gerarem a violência, com fins outros, aos dos problemas generalizados das populações. Compreendemos o desagrado de muitos, compreendemos o sofrimento de muitos mais, compreendemos o desespero generalizado, mas isso não pode significar que se sigam outros caminhos de fácil aproveitamento para se pôr em causa o próprio regime. Nas últimas sondagens será bom que, para além de saber quem vai à frente e com que percentagem, se atente no elevado número de pessoas que põe em causa o regime. Pela primeira vez desde que foi instaurada a democracia tal apareceu com grande evidência. Tiremos daí as necessárias ilações, e não nos deixemos iludir pelo canto de algumas sereias, que nos prometem o leite e o mel a escorrer pelas paredes, logo ali à frente. Normalmente o fim é bem diferente.
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