Turma Formadores Certform 66

Friday, December 21, 2012

Descansa em paz, Mourão! (Requiem por um Amigo)


Hoje foi um dia triste. Venho dum funeral dum Amigo, o Sr. Fernando Mourão. Era um homem que conhecia desde muito novo, atleta medalhado da meia-maratona. A guerra colonial fez dele um homem diferente. Um homem isolado, um homem por vezes revoltado, um homem que passou a afogar as suas tristezas no álcool e no tabaco. Estes foram-lhe, paulatinamente, destruindo a vida. Ele foi mais um traumatizado de guerra, que viveu os seus últimos anos numa quase absoluta pobreza. Vivia num bairro social com a sua companheira, e tinha uma grande paixão pelos animais. Essa sua paixão fez com que nos fossemos aproximando. Vi por diversas vezes, este homem que vivia praticamente da caridade alheia, a pegar no pouquíssimo dinheiro que tinha e comprar um pão para dar diariamente a um cão maltratado apesar de ter dono. Vi-o comprar comida para cães e gatos, ficando sem um cêntimo, para poder alimentar os muitos animais que ia protegendo. Ele passeava os animais de pessoas que já não o podiam fazer a troco de nada. O Mourão foi um homem pobre que morreu rico. Rico pelo grande coração que teve, onde todos cabiam, especialmente os animais, sobretudo os acossados como ele. Estes animais já há algum tempo que sentiam a falta dele porque a doença o foi minando, o foi destruindo. Ontem, aos 61 anos, cansou-se da vida e do sofrimento. Partiu. Hoje foi o seu funeral onde estive presente com muita mágoa. A última vez que estive com ele, há algum tempo atrás, ele disse-me que gostaria que eu fosse ao seu funeral. Achei estranho o pedido, mas disse que sim. Hoje cumpri a promessa. O Mourão foi para a sua última morada, cansado da vida, cansado dos homens, cansado do mundo, apenas os animais eram a sua razão de ser. Um homem pequeno na escala social mas enorme na escala de valores. Ontem quando a cortina da vida se fechou para ele, com certeza que o Mourão recebeu um fortíssimo aplauso, pelo que foi, pelo que fez, pelo muito que ajudou, ele que na vida nada tinha e era ajudado por outros. Há homens grandes na sua pequenez, homens que se agigantam face à mediocridade do mundo. Este era o caso. Lá onde estiveres deves estar em paz. Deves estar rodeado dos muitos animais que ajudaste e que agora são o teu testemunho. Hoje estás, certamente, na luz. Descansa em paz, Mourão!

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