Descansa em paz, Mourão! (Requiem por um Amigo)
Hoje foi um dia triste. Venho dum funeral dum Amigo, o Sr.
Fernando Mourão. Era um homem que conhecia desde muito novo, atleta medalhado
da meia-maratona. A guerra colonial fez dele um homem diferente. Um homem
isolado, um homem por vezes revoltado, um homem que passou a afogar as suas
tristezas no álcool e no tabaco. Estes foram-lhe, paulatinamente, destruindo a
vida. Ele foi mais um traumatizado de guerra, que viveu os seus últimos anos
numa quase absoluta pobreza. Vivia num bairro social com a sua companheira, e
tinha uma grande paixão pelos animais. Essa sua paixão fez com que nos fossemos
aproximando. Vi por diversas vezes, este homem que vivia praticamente da
caridade alheia, a pegar no pouquíssimo dinheiro que tinha e comprar um pão
para dar diariamente a um cão maltratado apesar de ter dono. Vi-o comprar
comida para cães e gatos, ficando sem um cêntimo, para poder alimentar os
muitos animais que ia protegendo. Ele passeava os animais de pessoas que já não
o podiam fazer a troco de nada. O Mourão foi um homem pobre que morreu rico.
Rico pelo grande coração que teve, onde todos cabiam, especialmente os animais,
sobretudo os acossados como ele. Estes animais já há algum tempo que sentiam a
falta dele porque a doença o foi minando, o foi destruindo. Ontem, aos 61 anos, cansou-se da
vida e do sofrimento. Partiu. Hoje foi o seu funeral onde estive presente com
muita mágoa. A última vez que estive com ele, há algum tempo atrás, ele
disse-me que gostaria que eu fosse ao seu funeral. Achei estranho o pedido, mas
disse que sim. Hoje cumpri a promessa. O Mourão foi para a sua última morada,
cansado da vida, cansado dos homens, cansado do mundo, apenas os animais eram a
sua razão de ser. Um homem pequeno na escala social mas enorme na escala de
valores. Ontem quando a cortina da vida se fechou para ele, com certeza que o
Mourão recebeu um fortíssimo aplauso, pelo que foi, pelo que fez, pelo muito
que ajudou, ele que na vida nada tinha e era ajudado por outros. Há homens
grandes na sua pequenez, homens que se agigantam face à mediocridade do mundo.
Este era o caso. Lá onde estiveres deves estar em paz. Deves estar rodeado dos
muitos animais que ajudaste e que agora são o teu testemunho. Hoje estás,
certamente, na luz. Descansa em paz, Mourão!
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