Turma Formadores Certform 66

Monday, November 01, 2010

À memória dos ausentes


Neste momento sinto-me só. As recordações são avassaladoras, o silêncio é cada vez mais caro, o tempo é cada vez mais curto – as novas tecnologias, nomeadamente, a internet, o fazem assim – o estar com um amigo é gratificante. Quando passamos os 50 anos temos a sensação de ter-mos nadado muito e estarmos já muito próximos da praia. Exeunt omnes (Que saiam todos de cena), como diziam os encenadores pré-elizabetianos, e é nessa altura que estamos mais sós no palco da vida, embora a solidão possa ser compensada pelas vozes que nos chegam dos nossos mortos e dos outros, os vivos, sobretudo, dos amigos. Alguém dizia que, podemos não ter dinheiro, não ter nada, mas se temos amigos nunca seremos verdadeiramente pobres. Neste dia em que os rios se soltam, os rios da nossa memória para com aqueles que preencheram o nosso imaginário passado, é sempre bom sentirmos essa alegria, essa coragem que faz com que continuemos a sobreviver. O passado já não existe, o presente é cada vez mais curto, o futuro é já aqui. Pareço nostálgico, mas compensado pelas boas memórias que povoam a minha mente; pareço infeliz mas sobretudo, só terrivelmente só num mar de adversidade, em que a ânsia de chegar à praia é cada vez maior. Dizia a minha avó de saudosa memória “que não havia mal que sempre durasse, nem bem que nunca se acabasse”, a realidade diz-me que o bem acabou à muito e o mal, esse vai perdurando sem fim à vista. Durkheim dizia que “o suicídio era o acto filosófico por excelência”. Aqui à dias discutiu-se no Porto o aumento de suicídios que existem entre nós, o que levou alguns oradores a comentarem que começa a haver um desrespeito pela vida, o que para outros, não era mais do que o perder do medo da morte, - daí o elevado número de cremações -, o desrespeito pela morte. A morte, a morte está aí, é uma realidade que hoje celebramos, com todo o cortejo de angústias que daí emanam mas temos que ter a convicção de que ela é apenas uma parte do ciclo da existência, ou seja, a única garantia que temos no dia em que nascemos. Até o acto de amor se alterou. Como dizia à dias António Lobo Antunes, “seria incapaz de fazer amor com um crucifixo no quarto, porque não queria que um crucificado visse o que eu estava a fazer”. Tudo muda na dimensão da vida, dimensão essa, que é prolongada pela morte. Este é um dia diferente, não sei se triste ou alegre, não sei se triste pela perda, pela ausência que ele encerra; não sei se alegre, porque nos dias que passam talvez tenhamos a necessidade de pensar numa outra dimensão onde, quero crer, se esteja melhor. Deus e o acto de amor são coisas privadas de que não gosto de falar na praça pública, talvez isso seja castrador, redutor até, mas não podemos renegar os tempos que já vivemos, condicionados pela educação que tivemos. Neste momento sinto-me só. Ou talvez, seja apenas a sensação limitada de não ser capaz de ver para além desta tridimensão que nos amarra e a que a física quântica – porque não a metafísica - procura dar resposta. Muitas vezes pensamos que estamos sós, mas isso não passa duma mera ilusão. Porque as vozes do passado vão preenchendo os espaços, onde os silêncios são necessários para as escutarmos. Neste momento estou só. Apenas os odores do espaço onde nasci, da felicidade que me rodeou, me trazem à memória recordações ternas da minha meninice e daqueles que me conduziram pela mão nesta escalada da vida. Sei que já passei mais de metade da minha existência, desta vida tal como a conhecemos, mas isso não me aflige. Apenas espero que o tempo me vá amadurecendo, me ajude a compreender tudo aquilo que ainda não alcancei, que me dê a sapiência que tanto almejo e tão arredia anda. Somos sábios na nossa ignorância, pretendendo saber tudo, sem que nada saibamos, deste vazio que nos corrói, na ânsia de saber os porquês, as razões daquilo que nos cerca, daquilo que somos, donde viemos e para onde vamos. Afinal nascemos sós e morremos sós. Enquanto a chuva lá fora, fustiga a vidraça, eu estou só, o violoncelo faz-se ouvir no seu som arrastado, é Bach que me veio visitar, um amigo de à muito tempo que também teve períodos da sua vida bem difíceis. Os meus cães dormem. Na sua simplicidade o mundo está em harmonia para eles – sobretudo, se pensarmos nos outros que por aí andam com fome (muitas vezes de amor) e frio. O frio de Novembro que começa a aparecer. E eu continuo só. Só com as memórias de tempos mais prósperos, tempos em que, tal como os meus cães, o universo estava em harmonia, assim pensava eu, embora para outros, a vida não fosse fácil. Dou comigo a olhar pela janela, a água da chuva escorre pela vidraça, Bach continua a fazer-se ouvir e eu estou só. De repente percebi que sou mortal…

0 Comments:

Post a Comment

<< Home