"O ano da morte de Ricardo Reis" ainda Saramago
Para além da política e da economia, que muito tem ocupado o nosso imaginário, diria mais, a nossa vida real e quotidiana, é tempo para fazer uma pausa e revisitar José Saramago, com um livro que acho brilhante, chama-se "O ano da morte de Ricardo Reis". Ricardo Reis é uma criação de Fernando Pessoa. Mais propriamente, é um dos seus heterónimos. Talvez deva esclarecer que Fernando Pessoa teve uma obra multifacetada, que intencionalmente dividiu em quatro conjuntos, criando um heterónimo para assumir cada uma das diferentes facetas do seu trabalho. Eu, pessoalmente, prefiro os poemas que assinou com o próprio nome. José Saramago ousou dar corpo a um desses personagens de ficção. Cria-lhe uma vida e fá-lo interagir com Fernando Pessoa (morto). Esta ligação dura aproximadamente nove meses. Saramago leva-nos através de uma ideia inovadora. Demoramos nove meses para chegar ao mundo, e demoramos o mesmo tempo a deixá-lo. É um processo de transição, durante o qual o morto vai esquecendo o que foi estar vivo, os caminhos percorridos, os sentimentos vividos. Descobre que nada importa. Nada do que vivemos importa. Chegado ao fim desse tempo, o morto está pronto para partir. No momento em que Pessoa vai despedir-se de Ricardo Reis, porque chegou a sua hora de deixar definitivamente o mundo, recebe uma resposta inesperada: “Vou consigo”. É um fim brilhante, para a história. Que bom seria se para cada um de nós, a morte se tornasse efectiva no instante da nossa escolha. Algo como, simplesmente, desligar-se da vida. O tema morte, aparece muitas vezes na obra de Saramago, daí o recomendar-se a leitura de “As Intermitências da Morte”. Um livro que sai um pouco fora daqueles que tradicionalmente ouvimos citar, nomeadamente após a atribuição do Prémio Nobel da Literatura. É um livro que prepassa os anos 30, em que o regime do Estado Novo imperava, com toda as suas contradições e alinhamentos, (nem sempre assumidos), com o nazismo alemão, o fascismo italiano e o emergir da ditadura espanhola. Dentro da nossa mesquinhez de povo que não tem mais que falar a não ser do seu semelhante, - caso dos velhos junto ao Tejo, ou do gerente do hotel Bragança - por opção ou porque o não deixavam falar de outras coisas, aqui fica o registo dum grande livro - mais um - de Saramago que merece a vossa atenção. A edição é da Caminho como habitualmente.
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