Turma Formadores Certform 66

Tuesday, November 16, 2010

"Sôbolos Rios Que Vão" o último de António Lobo Antunes


Ultimamente, tenho-vos falado muito sobre o tema da morte. Quando os anos vão passando sobre nós, quando as probabilidades de vida são cada vez menores, é normal que pensemos nela, ou porque a tememos ou porque a desejamos. Desde o Dia de Todos os Santos em que relembramos os ausentes, até ao desaparecimento da minha cadelinha Luca, - que muitas saudades deixou -, o tema da morte tem sido recorrente. E hoje, trago-vos de novo o tema da morte num livro muito interessante - o último publicado à apenas uns dias - de António Lobo Antunes, que tem por título "Sôbolos Rios Que Vão", em que o tema da morte também está muito presente desde o início até ao fim. O filósofo José Gil classificou o mais recente romance de António Lobo Antunes, 'Sôbolos Rios Que Vão', como «um grande livro, com muitos aspectos insólitos e inéditos na escrita do autor». «É uma obra torrencial e uma das mais belas de Lobo Antunes», disse José Gil, no Museu da Água, em Lisboa, na sessão de apresentação do livro, editado pela Dom Quixote, que contou com a presença do autor. O pensador começou por falar da «máquina literária de António Lobo Antunes», que tem como principais características «o tempo da escrita», composto por várias camadas de planos, dispostos em frases curtas e discurso directo, e o «entretecer desses planos sem que daí resulte uma narrativa linear», já que «a narrativa seria, afinal, a corrente de escrita ou o pensamento mesmo». Essa máquina literária «funciona em pleno em 'Sôbolos Rios Que Vão'», defendeu José Gil, já que «neste romance quase parece, às vezes, que se urde uma trama», da qual «a espera e não espera da morte será porventura o traço mais evidente». Trata-se do mais autobiográfico dos livros do escritor, cujo narrador - designado como 'Antoninho' e 'Senhor Antunes' - recupera, após uma operação a um tumor no intestino e num estado entre o torpor e a dor, fragmentos da sua vida, recordando pessoas que a atravessaram e conduzindo os leitores, como que por um rio, pelas humilhações da doença, numa reflexão sobre a vida e a morte. Porque «a doença paira sobre tudo o que se diz», José Gil caracterizou o livro de Lobo Antunes como «uma meditação sobre a morte» e «uma paródia de tal meditação», com «cenas de humor que atingem a desmesura». «É certamente um imenso romance, faz-nos entrar num tipo de experiência não comum (...) e é, mesmo que não pareça, um grande romance de micro-afectos abstractos», observou. António Lobo Antunes comoveu-se com as palavras de José Gil - a quem agradeceu o facto de o «ter lido de peito aberto, que é a única maneira de se ler» - e falou da infância, da vontade que já tinha de escrever, das coisas más que escrevia e queimava depois em «pequenos autos de fé» no quintal e de não saber ainda que com trabalho poderia melhorar. «A gente não escreve porque tem coisas para dizer, a gente escreve porque quer escrever. E comecei a perceber que o que se quer escrever é aquilo que se perdeu», sublinhou. O que queria era «que os livros fossem um diálogo permanente entre o texto e o público», porque, «muitas vezes, um livro é mais uma orelha do que uma voz», afirmou, citando, a propósito, Paul Celan, que escreveu: «Sou mais eu quando sou tu». Voltando a um tema recorrente, Lobo Antunes disse que sente «desde sempre, desde o princípio», que está «a negociar os livros com a morte». «Nunca vou ter tempo para escrever tudo o que queria (...). A sensação que tenho é que somos intermediários entre duas instâncias que nos excedem, que nos ultrapassam, que não entendemos. Eu sei que vou morrer, mas tenho de continuar a trabalhar, para que o meu trabalho fique e os meus livros continuem a interpelar as pessoas», frisou. Um romance sobre a vida e a morte, na escrita inconfundível de António Lobo Antunes. Este título, que recupera um dos belos poemas de Luis de Camões, representa uma súmula do ciclo da existência entre a vida e a morte. Resumidamente, a história do romance passa-se algures entre os últimos dias de Março e os primeiros de Abril de 2007, depois de uma operação grave, o narrador, entre as dores e a confusão provocada pela anestesia e pelos medicamentos, recupera fragmentos da sua vida e das pessoas que a atravessaram: os pais e os avós, a vila da sua infância, a natureza da serra os amores e desamores. Como um rio que corre, vamos vivendo com ele as humilhações da doença, a proximidade da morte, e o chamamento da vida. Este livro, tem a curiosidade de estar escrito em ne varietur, por expressa indicação do autor. Este é, porventura, um dos livros mais importantes dentre as obras de António Lobo Antunes. Um livro muito interessante que merece a pena ser descoberto. A chancela, como já atrás referimos, é da Dom Quixote. Aqui fica o registo para os interessados.

1 Comments:

At 9:31 PM, Blogger José Alexandre Ramos said...

Óptimo artigo. Só uma pequena mas importante correcção: não é só este livro que está com edição ne varietur. Todas as edições recentes da obra de António Lobo Antunes são edições ne varietur, ou seja, edições definitivas, com o texto fixo, que não permite variações.

 

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