Equivocos da democracia portuguesa - 89
Esta semana que findou foi marcada pelo "episódio" Fernando Nobre. Este ex-candidato à PR, sempre afirmando que nunca estaria disponível para integrar um partido, lá acabou por vir a fazer um acordo com o PSD. (Parece até que teria sido abordado por outros, mas talvez nenhum lhe tenha oferecido aquilo que ele pretendia - a presidência da AR). No domingo passado, na convenção do PSD para a aprovação das listas, Paula Teixeira da Cruz - uma das vice-presidentes -, afirmava que se estava perante um equívoco e que tudo seria esclarecido. Esta preocupação já tinha sido assumida por outros membros do PSD. No final Miguel Relvas veio afirmar que nada tinha sido prometido a Fernando Nobre, e que aguardavam dele um esclarecimento. Nessa mesma noite, na RTP1, Fernando Nobre veio esclarecer (!) este insólito imbróglio, afinal "quem lhe ofereceu o cargo teria sido Passos Coelho e ele, caso não seja eleito para esse lugar, equacionará o que fazer a seguir", inclusivé, a renúncia ao cargo de deputado. Afinal em que é que ficamos? O PSD diz que não lhe prometeu nada, Nobre diz que, foi o líder do PSD que acordou com ele o cargo. Porquê toda esta trapalhada, num emaranhado de equívocos que a ninguém serve, muito menos ao país que está a braços com uma crise imensa? Na crónica anterior, falavamos do segredo que existe na vida política portuguesa que descamba na suspeição, isto a propósito da reunião "secreta" de Sócrates com Passos Coelho. Sabemos que tem que haver recato em alguns assuntos de Estado, mas em coisas deste género não vemos motivo para isso, só servindo para afastar as pessoas da política criando-lhes uma suspeição que, quiçá, poderá não ter fundamento. Isto não significa que estejamos de acordo com Marinho Pinto - bastonário da Ordem dos Advogados - sobre a "greve de um dia à democracia, precisamente no dia das eleições", porque é do voto popular que se faz a democracia. Embora alguns políticos - quando viram posta em causa a legitimidade da sua classe política - vieram a terreiro contestar a afirmação, coisa que não vimos na maioria deles, quando Manuela Ferreira Leite veio propor a "suspensão da democracia por seis meses"! Enfim, de equívoco em equívoco, lá se vai fazendo a nossa democracia. E entretanto, o país continua a sofrer. A imagem que estamos a dar para o exterior - exterior esse que nos vai emprestar dinheiro - é verdadeiramente lamentável. O FMI já veio afirmar que é preciso que as forças políticas se entendam, coisa que achamos cada vez mais difícil, neste clima de irresponsabilidade em que se vive nos dias de hoje. E no entretanto, o país vai exaurindo as suas forças. O FMI que, curiosamente, aparece a oferecer um juro menor a Portugal face aquele que é defendido pela Comissão Europeia, levando Portugal a aproximar-se desta instituição. Não deixa de ser estranha esta situação, sobretudo, para aqueles que tanto medo têm do FMI. A Comissão Europeia ainda não percebeu que, com juros tão altos o país entrará em incumprimento (default) porque os não conseguirá pagar. Que presente envenenado é este que nos querem dar? A UE ainda não entendeu que assim está a por em causa a sua própria unidade? Ou a desagregação será o seu fim último e inconfessável? O recurso à ajuda externa tornou-se inevitável - como todos sabemos - pela irresponsabilidade da oposição, porque cada vez é mais claro que Sócrates tinha razão quando afirmava que Portugal seria o bastião para terminar a especulação contra o euro, e que isso, teria já sido acordado com Bruxelas. Será essa a razão porque a Comissão Europeia quer agravar os juros? Como uma espécie de punição? Porque na nossa opinião, esta ajuda externa é um tanto ou quanto polémica. Primeiro, pela especulação clara que Portugal sofreu, fenómeno a que as empresas de "rating" não são alheias (veja-se o que se está a passar nos EUA com estas mesmas empresas), segundo, porque não deixa de ser curioso que a principal dívida não é a do Estado, como se tem feito fazer crer, mas sim, a da banca, essa definitivamente preocupante. Assim, pode-se concluir que, no limite, Portugal pediu ajuda externa não tanto pela dívida soberana, mas sim, para salvar - uma vez mais - o sistema financeiro, leia-se, a banca. Não é por acaso que, os gestores dos principais bancos se uniram para dizer que não compravam mais dívida a Portugal - coisa curiosa quando até ganhavam, e muito, com o negócio - e alguns dos maiores empresários entraram no coro, uns porque precisam da banca, outros porque têm interesses nela. Neste emaranhado de confusões - que talvez um dia alguém faça história sobre isto, para que se saiba a verdade - o Cardeal Patriarca de Lisboa - D. José Policarpo - veio a público, e muito bem, alertar para a questão social que está a tomar contornos muito complicados para o nosso futuro colectivo. Já o presidente da Jerónimo Martins - Alexandre Soares dos Santos - vem alertando para o mesmo problema, dando como exemplo o que se passa na sua estrutura, nomeadamente, nos Hipermercados Pingo Doce, onde os fenómenos da fome começam a existir, onde a penhora de ordenados aumenta, onde os roubos (para buscar alimentos) crescem, temendo-se, segundo o próprio, uma grande convulsão social, de proporções inimagináveis. Acrescentando, "e como isso foi tão rápido". Esta questão já a fomos defendendo neste espaço. É ver algumas afirmações que têm vindo a lume, de responsáveis das forças armadas. Estamos enredados num emaranhado de confusões de onde, ao que parece, temos dificuldade em sair. Daí o não compreendermos estes episódios recambolescos que envolvem Fernando Nobre, nem compreendemos este "ping-pong" de mensagens que os partidos utilizam entre si - nomeadamente, o PS e o PSD - partidos com responsabilidades acrescidas e que deveriam ter em atenção a imagem que estão a dar aos portugueses, que tantos sacrifícios estão a passar, e até o que induzem no estrangeiro, de quem dependemos totalmente. Estejamos atentos aos novos fenómenos duma Europa em crise, onde alguns partidos de extrema-direita começam a ter votações expressivas. Já em tempos alertamos para o que estava a acontecer na Áustria, na França com a família Le Pen, e agora, vemos o que se está a passar na Finlândia, com a agravante de que, o centro das eleições se fixou em torno da ajuda a... Portugal!!! Estejamos atentos aos sinais, porque eles estão aí para quem os quiser ver, o que não devemos é ignorá-los, para mais tarde não nos virmos a lamentar. A crise que vivemos tem implicações um pouco por todo o mundo ocidental, como "fait-divers" deixem que vos diga que, no fim-de-semana passado, a orquestra de Filadélfia - uma das mais prestigiadas dos EUA - declarou falência!!! Mas com o mal dos outros podemos nós bem, o importante é que nos concentremos naquilo que somos, nos sacrifícios que estamos a passar, daqueles que nos esperam no futuro próximo, em nome deste país com mais de oito séculos de História, mas também no legado que vamos deixar às gerações futuras, que não será tão risonho quanto gostaríamos. Profundas alterações nos esperam, não sabemos se - como alguns dizem - estaremos ou não perante "o fim da democracia representativa", mas seguramente que, daqui para a frente, nada será como dantes.
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