Conversas comigo mesmo - XXII
Muitas vezes, tal como na política, olhamos para a religião como um clube. Quantos de nós, que até nos proclamamos cristãos, respeitamos os seus princípios? Quantos de nós, que até nos proclamamos cristãos, praticamos os seus ensinamentos? Quantos de nós, que até nos proclamamos cristãos, fazemos dela a nossa filosofia de vida? Vem isto a propósito duma afirmação que é comum fazer-se de que ser cristão é assumir um estilo de vida sempre inspirado no seu fundador, Jesus Cristo. Mas o estilo de Jesus, que a Bíblia nos transmite, é estar atento aos outros e sempre disponível para servir. Quantos de nós estamos atentos aos outros, ao nosso semelhante que por vezes, ao nosso lado, tanta ajuda precisa e nós ignorá-mo-lo, e contudo, até nos proclamamos cristãos. O Seu gesto fundamental - de Jesus - que nós devemos perpetuar a seu mandado é a "fracção do pão", isto é, o gesto que exprime uma vida que se entrega e se dá para que todos tenham vida e vida em abundância. Será que, de facto, perpetuamos no nosso dia-a-dia esse gesto? E, contudo, até nos proclamamos cristãos. O Evangelho lembra-nos amiúde, que temos de aprender a viver num estilo mais fraternal e solidário, mais atentos às necessidades do homem de hoje - seja ele quem for - e sempre dispostos a repartir o que somos e temos para darmos a resposta positiva às suas fomes mais prementes. E será que o estilo de vida dos nossos dias é compatível com isto? Será que estamos dispostos a abdicar de um pouco de nós e daquilo que possuímos, para partilhar mais fraternal e solidariamente com o outro? E, contudo, até nos proclamamos cristãos. A fraternidade de Jesus, a que Ele viveu e ensinou, é a resposta concreta e objectiva a todas as fomes que nos podem afligir: fome de pão e de cultura, fome de respeito e de confiança, fome de amor e de justiça, fome de liberdade e de paz, fome de Fé e de esperança, fome de saúde e de alegria, fome de dignidade e de compreensão, fome de sentido para a vida, fome de atenção, fome de Deus... Quantos de nós entendem esta filosofia? Quantos de nós fazem disto o seu paradigma? E, contudo, até nos dizemos cristãos. Muitas vezes me interrogo se hoje Jesus aparecesse entre nós com a mesma mensagem - embora adaptada aos nossos dias - se teria muitos seguidores. Quantos de nós, que até nos dizemos cristãos, seríamos capazes de abdicar de tudo, ou quase tudo, para o seguir, numa sociedade marcada pelo sentido de posse, pelo sentido do ter mais do que pelo sentido do partilhar? E o próprio Jesus, como cumpriria os seus dias? Como terminaria? Seria que lhe concederiam muitos anos de vida, ou lhe abreviriam estes - como à dois mil anos - invocando uma qualquer teoria da conspiração liderada por um qualquer interesse instalado? Estas são interrogações que temos, e devemos, colocar-nos quando afirmamos que somos cristãos, que até frequentamos a Eucaristica domingo após domingo, - talvez mais como um rito, do que pelo apelo da Fé -, que até tentamos seguir uma vida exemplar, embora aqui o "exemplar" seja entendido como aquilo que a sociedade entende como tal e não como o cristianismo a vê, que até pode ser algo bem diferente. Estas são questões que nos devemos colocar, quanto mais não seja para podermos decidir - em consciência - se, de facto, queremos ser ou não cristãos. É que em questões tão profundas, que condicionam a nossa vida, temos que ser como a mulher de César! Quantos de nós terão coragem para o fazer duma forma séria e comprometida? Quantos de nós, lhe passarão ao lado, porque estas questões são incómodas e podem até ser inconvenientes, expondo-nos a alguma idolatria que confundimos com religião e seus ensinamentos? E, contudo, até nos dizemos cristãos...
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