Equivocos da democracia portuguesa - 265
Depois deste amuo de 28 horas parece que os dois
líderes da coligação estão dispostos a encetar novo romance! Parece, mas
estamos convictos de que não será assim. Como dizia ontem Bagão Félix “depois do anunciado divórcio a tentativa de
reconciliação é sempre ténue”. Assim, e se tudo correr como muitos esperam,
teremos um governo ligado à máquina – coisa a que já estava à muito – mas desta
feita numa fase terminal. Ninguém de bom senso poderá levar a sério o que daqui
sair. Depois do discurso de Passos Coelho a dizer que não se demitia, veio o
CDS dizer que mandatava Portas para negociar! Coisa estranha esta a de mandar
um incendiário assumido ir para uma floresta com uma caixa de fósforos e um
barril de gasolina. Vem-nos à memória as palavras de Confúcio (Séc. V a.C.) : "Para conhecermos os amigos, é
necessário passar pelo sucesso e pela desgraça. No sucesso, verificamos a
quantidade e, na desgraça, a qualidade". Estes são os
maniqueísmos da política à portuguesa, onde o que importa são os interesses
mesquinhos de alguns políticos, os interesses paroquiais de alguns partidos,
onde o interesse do país e dos portugueses não tem sequer direito a menção.
Porque se não é assim, expliquei-nos o porquê destes senhores, afogados em
intrigas e desconfianças, terem provocado uma crise que levou ontem à maior
queda bolsista do mundo (!), que levou ontem a que os juros da dívida tivessem
superado de novo os 6% (!), que levou ontem, a que depois de contabilizado o
amuo, se tivesse chegado à conclusão que tinha custado mais um BPN (!), - que
todos mais uma vez teremos de pagar -, isto para quem durante dois anos tanto
acenou com o BPN não deixa de ser no mínimo estranho. Depois de 48 horas de embuste isto leva-nos a concluir
que "combate-se,
atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se" para usar a
feliz expressão de Eça de Queiroz. E ainda recorrendo a Eça que em 1867 escrevia
que "falta a aptidão e o engenho e o
bom senso e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento
político das nações. A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma
rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, inveja, intriga,
vaidade, frivolidade e interesse." É isso mesmo, só falta acrescentar
que quem paga afinal somos todos nós. Toda esta embrulha em que este grupo de incompetentes
mergulhou o país só vem criar mais dificuldades. Hoje sabemos que um segundo
resgate será inevitável, com o cortejo de mais austeridade, mas como dizia
Bagão Féliz, “o mais grave ainda está para
vir, que será ainda pior do que um segundo resgate”. Voltemos ao nosso Eça:
"estamos num estado comparável à
Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesmo abaixamento dos
caracteres, mesma ladroagem pública, mesma agiotagem, mesma decadência de
espírito, mesma administração grotesca de desleixo e de confusão".
Palavras que parecem ter sido escritas nas últimas horas mas que já levam mais
de um século! Afinal a caminhada que fizemos não foi capaz de nos ensinar coisa
nenhuma. Cometemos os mesmos erros, as mesmas infidelidades, as mesmas
confusões. Hoje estamos mais próximos
da Grécia pelos interesses mesquinhos de políticos menores, incompetentes,
impreparados. Neste dia em que riscamos o ecrã do computador – já não a folha
de papel fruto da modernidade – sabemos que ficamos mais pobres. Pobres do
ponto de vista económico e financeiro, motivado por atitudes de outros pobres –
estes de espírito – que povoam as cadeiras do poder. Mas ouçamos o Padre António Vieira (1608-1697): "Nunca tantas mercês se fizeram
em Portugal, como neste tempo; e são mais os queixosos, que os contentes.
Porquê? Porque cada um quer tudo. Nos outros reinos com uma mercê ganha-se um
homem; em Portugal com uma mercê, perdem-se muitos." E acrescenta ainda no seus Sermões: "Mais fácil era antigamente
conquistar dez reinos na Índia, que repartir duas comendas em Portugal. Isto
foi, e isto há-de ser sempre: e esta, na minha opinião, é a maior dificuldade
que tem o governo do nosso reino." Como é possível depois de
tudo isto manter o governo em funções? Como será possível que Portugal acredite
neste governo de oportunistas colado com fita-cola de qualidade duvidosa –
talvez comprada numa loja de chineses – que teremos um futuro, uma redenção?
Quando soubemos da demissão de Gaspar e Portas sentimos que tínhamos entrado
numa tragédia, depois de ouvirmos o primeiro-ministro e o porta-voz do CDS
sentimos que entramos numa farsa, se o Presidente da República achar que deve
optar por este governo remendado então, definitivamente, saberemos que estamos
perante uma ópera bufa. Mas não desesperem porque também aqui o nosso grande
Eça tinha resposta pronta e acutilante. “Ordinariamente todos os ministros são
inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a
faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver
crises. Não têm austeridade, nem conceção, nem instinto político, nem
experiência que faz o Estadista. É assim que, há muito tempo em Portugal, são
regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio,
política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por
interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de
camarilha, será possível conservar a sua independência?” Mais de 100 anos depois a atualidade das palavras de Eça
aí estão, assertivas e cortantes como o aço, e que bem fariam os nossos
governantes se o lessem! Pelo menos, quando quisessem prejudicar Portugal – com
tem acontecido nos últimos dias – talvez fossem um pouco mais imaginativos. Mas
será que seriam capazes de o ser? E terminamos como começamos, com Confúcio: "Se o povo não deposita confiança naqueles que o governam, está tudo acabado".
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