Equivocos da democracia portuguesa - 302
Quando desde à dois anos vimos falando em que esta crise e esta austeridade levará uma geração para se diluir, acabamos sempre por nos ver confrontados com rótulos de pessimistas ou pior. Numa conferência feita à cerca de um ano e meio numa instituição de ensino superior, acabamos confrontados - curiosamente por alguns professores - perante as afirmações proferidas que, segundo eles diziam, eram um sinal de desesperança e não de incentivo aos mais jovens. Na altura afirmamos que seria assim que as coisas se passariam e que não valia a pena estarmos a iludir as questões e esses mesmos jovens, alunos dessa instituição. Passado todo este tempo, a razão foi-nos dada pelo evoluir da situação. Austeridade sobre austeridade, num modelo desajustado da realidade, que nos colocou dentro duma espiral de empobrecimento donde dificilmente sairemos. (Aliás, quando o primeiro-ministro afirmava no início do seu mandato de que "Portugal e os portugueses tinham que empobrecer", ele estava a encarnar uma realidade trágica, talvez sem saber a dimensão daquilo que dizia). Depois de muitas vezes o fim da crise ter sido "decretado" por alguns iluminados, o certo é que ela, bem pelo contrário, se foi agravando. Todos sentimos isso no dia-a-dia. Agora tivemos acesso ao relatório do FMI sobre Portugal que ontem foi divulgado. E a receita que lá transparece é, nada mais nada menos, do que a já conhecida de continuação da austeridade - leia-se empobrecimento - do país e das suas gentes. Mas agora, já não é até Junho de 2014 - altura em que o programa da "troika" termina - mas vai por 2015 adentro e 2016 e assim por diante. Perante isto que dizer? Duas ilações são desde logo evidentes. A primeira é que a reestruturação da dívida tem que ser feita o mais rápido possível e a segunda é que o definhar desta terra lusa continuará por muitos e maus anos. Mas uma outra questão nos assalta o espírito que é a de não compreendermos esta insana contradição entre as palavras dos dirigentes políticos das instituições que neste momento nos tutelam - desde logo, o FMI - e a "praxis" daqueles que no terreno ditam e impõem uma estratégia contrária ao que afirmam os seus dirigentes. Contradição insana que todos pagamos com juros bem elevados, e aqui não nos estamos a referir só aos que derivam da dívida, mas a todo o cortejo de esmagamento de que a sociedade portuguesa tem vindo a ser alvo. Já em tempos idos, aqui trouxemos uma comparação desta situação com a altura em que o livro "Os Maias" de Eça de Queiroz foi escrito. Tempos difíceis também aqueles, em que estivemos, mais uma vez, sobre assistência, e cuja dívida demorou 99 anos a ser paga ao banco inglês nosso credor de então tendo terminado apenas em 2001! Daí o concluir-se que quando muita gente vinha falando na reestruturação da dívida e o governo desdizia, isso só demonstrou que este governo vem mentindo ao país desde que tomou posse. Aquilo que primeiro começou por ser uma agenda ideológica, depressa saiu do controle desta gente ultraliberal que nos esmaga, e passou a ser a cartilha que os nossos credores impõe. Já aqui falamos há dias das afirmações de Paul de Grauwe e escusamo-nos a repeti-las de novo. A austeridade sobre austeridade não resolveu - nem irá resolver - a situação. Não será pela via do empobrecimento, da perda de empregos e, sobretudo, dos baixos salários que Portugal - o crescimento deve ser feito pelo lado da procura e isso não está a acontecer - irá sair deste abismo em que, diariamente, para lá nos empurram. É preciso muito mais. Desde logo, a força negocial dum governo que este já demonstrou não ter. Não basta - não bastou - ser o "bom aluno". Quando o relatório do FMI afirma que "não deverão ocorrer outras crises políticas como a de Junho passado" está a dizer tudo. Culpa Portas e o seu grupo e ainda por cima dá um puxão de orelhas ao governo. Isto é inadmissível num país soberano. E não basta falar em "protetorado" como o faz Portas amiúde e depois provocar uma crise política apenas por ânsia de poder. É preciso um governo respeitável e que se faça respeitar. E seguramente esse governo não é aquele que hoje nos (des)governa. E não basta os pequenos passos que o governo transforma em grandes conquistas. Sabemos a importância de mobilizar as gentes, mas também sabemos que a descrença alastra cada vez mais. Hoje soube-se que saímos da recessão técnica. É importante mas não é suficiente. Primeiro há que saber se este crescimento do PIB é sustentado - apesar de terem passado três trimestres consecutivos com a mesma tendência -, depois é preciso reestruturar a dívida rapidamente porque não geramos riqueza nem para pagar o serviço da dívida muito menos amortizá-la. (E não esqueçamos que a economia não cresceu com este indicador, o que acontece é que está a cair a ritmo mais lento). Porque para além de tudo isto as gentes continuam a sentir que vivem mal. Como lembrava há dias um deputado da oposição "um português dirá que se tudo está tão bem como o governo diz porque será que vivo tão mal?" A frase é eloquente e encerra em si aquilo que os portugueses pensam. Tudo o resto são palavras que, como é suez dizer-se, o vento as leva. E como questionava ontem Bagão Félix na SIC Notícias: "O que o relatório encerra em si, é a austeridade necessária ou antes uma opção ideológica?" A pergunta aqui fica. Compete a cada um dar a resposta.
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