Porque é que a deflação é catastrófica para Portugal?
A surpresa da descida da taxa de juro de referência do Banco Central Europeu para novo mínimo histórico (0,25%) encontra na evolução da inflação na Zona Euro um importante justificação. Mesmo nas economias mais dinâmicas da zona euro, como a Alemanha, a evolução dos preços tem sido de forte desaceleração. Com as perspetivas de crescimento económico a serem revistas em baixa e com o risco de se entrar num processo de descida (e não de subida) de preços, ou seja, de deflação, o BCE terá antecipado este estímulo que visa dinamizar a atividade económica desincentivando a poupança e estimulando o consumo. Perguntar-se-á: Se os preços começarem a descer em vez de subir não é bom? Pois a resposta está precisamente no artigo com esse título que aqui publicámos já este ano quando se começaram a detetar os primeiros sinais de que o risco de deflação em Portugal é real. Recorde-se que, em 2009, já tivemos um ano em que ocorreu uma efetiva descida dos preços de 0,8%. Mas acrescentemos alguns detalhes. No caso português, país devedor, a inflação poderia contribuir para ir facilitando progressivamente o pagamento da dívida precisamente porque esta está contratada num valor fixo e, como tal, vai-se tornando menos árdua de pagar à medida que os preços (do que exportamos, por exemplo) forem subindo. Na prática, a inflação funciona como um imposto escondido sobre os credores pois erode a taxa de juro que cobram pelo que emprestaram e pode até erodir o próprio capital. Como? Vejamos um exemplo: Se alguém empresta 100 a uma taxa de 3% no período mas durante esse mesmo período do empréstimo a inflação for de 5%, isso significa que no final do prazo, para comprar o mesmo cabaz que comprava com 100 no início, precisará de 105 e, contudo, só receberá 103. Ou seja, os 100 que emprestou e os 3 de juro (esquecemos aqui os impostos para simplificar). Ao mesmo tempo, o devedor pode ter conseguido que aquilo que vendia a 100 possa ter passado a ser vendido a 105 e, consequentemente, terá libertado mais capital para pagar a dívida, os juros e ainda reter alguma coisa extra, tudo apenas por efeito da variação dos preços (esquecemos aqui também o retorno do investimento feito com o empréstimo para simplificar). Ora se em vez de inflação existir deflação, o efeito é precisamente o oposto, constituindo esta uma sobrecarga sobre o devedor que recebe cada vez menos pelo que produz e continua a ter uma dívida contratada num valor imutável e, em termos práticos, cada vez mais difícil de conseguir pagar. Um cenário de deflação ou mesmo de inflação baixa é particularmente dramático para um país, empresa ou família que esteja a tentar pagar a sua dívida. Vários economistas antecipavam este cenário como consequência do esforço unilateral de ajustamento feito pelos países do sul da Europa (esmagando salários e procura interna) combinado com a coincidência temporal de alguma austeridade em países do centro, mesmo entre os que registam excedentes sucessivos há vários anos. Do efeito contracionista conjunto sobre o consumo privado pode ter nascido esta evolução que levou os preços para crescimentos muito baixos, com risco de se tornarem negativos. A reação de há dias do BCE denota algum alarme com esta queda rápida dos preços de forma generalizada na Zona Euro. Bastará? Provavelmente, de forma isolada, não. Mas voltemos à deflação. Se um alemão lhe pode explicar quais os riscos da hiperinflação (recordando o que aconteceu há cerca de 100 anos no seu país), um japonês pode explicar-lhe os riscos de acreditar que amanhã o preço vai ser sempre mais baixo do que hoje, recordando-se do que se passou no Japão nos anos de 1990 até praticamente hoje. Em rigor, o Japão ainda está a tentar ultrapassar definitivamente o fantasma de um regresso à deflação que abandonaram marginalmente há alguns anos atrás. Mas o alerta aqui fica. Pela primeira vez desde pelo menos 1978, o deflator do PIB caiu em Portugal para valores negativos. Se o fenómeno se prolongar, o país pode arriscar-se a cair na armadilha da deflação e aí as coisas tornar-se-ão ainda mais difíceis para Portugal, bem mais difíceis do que o que temos sentido até agora. O risco de deflação existe e ameaça apresentar-se como o clímax inevitável da tragédia anunciada.
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