"Defensores da austeridade sofrem de amnésia" - Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart
Já há algum tempo trouxe a este espaço o magnífico livro de Mark Blyth, "Austeridade - A História de uma Ideia Perigosa", que recomendo vivamente a todos aqueles que se interessam por estas questões. Na mesma linha publico aqui, na íntegra, um artigo publicado no Expresso on-line de ontem sobre o mesmo tema. Porque vem na linha de Mark Blyth e também pela sua pertinência e atualidade aqui o transcrevo na sua totalidade.
"Em nenhum lado o estado de negação é mais agudo do que no caso da amnésia coletiva sobre as experiências anteriores de desalavancagem nas economias desenvolvidas - especialmente, mas não exclusivamente, antes da 2ª Guerra Mundial - que envolveram uma variedade de reestruturações de dívida soberana e privada, bancarrotas, conversões de dívida e repressão financeira", dizem Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, dois académicos especialistas em história das crises, num artigo publicado, esta semana, nos Working Papers do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Em estado de negação
Baseados na história das crises desde 1900, os dois autores apontam para cinco elementos de gestão das crises de sobre-endividamento que foram usados em separado ou em alguma combinação: crescimento económico; austeridade; reestruturação de dívida ou bancarrota; inflação inesperada; e repressão financeira com alguma dose de inflação. O crescimento económico como cura para o endividamento foi "relativamente raro". As restantes ferramentas implicam, sem dúvida, "uma dose de impopularidade ou de dificuldade prática", referem os autores.
Perdões de dívida
Apesar do discurso "moral" atual contra as mexidas na dívida soberana na Europa, dois acontecimentos recentes ilustram o seu papel: a reestruturação da dívida grega na mão de credores privados - o que foi designado pelo acrónimo em inglês PSI, para envolvimento do sector privado - concluída em abril de 2012, que ajudou a afastar o medo de saídas de membros do euro e a esfriar o sobreaquecimento no mercado secundário da dívida dos periféricos; e a operação de troca na Irlanda das notas promissórias no valor de 25 mil milhões de euros com uma maturidade de 10 anos por dívida de muito longo prazo com uma maturidade média de 34,5 anos e com juros mais baixos, o que permitiu ao governo de Dublin aligeirar o fardo anual da dívida no pós-troika.
Repressão financeira
O conceito de repressão financeira foi desenvolvido pelos académicos John Gurley e E. Shaw nos anos 1960 e por Ronald McKinnon duas décadas depois. Pretende caracterizar as políticas governamentais tendentes a reduzir a remuneração obtida por aforradores e canalizar recursos para os emissores de dívida (como os próprios Estados sobre-endividados); é uma forma de redistribuição de capital. Incluem, os empréstimos diretos ao Estado por parte de entidades domésticas (como os fundos de pensões), tetos explícitos ou implícitos nas taxas de juro, regulamentação de movimentos de capitais e, em geral, uma ligação estreita entre os governos e os bancos locais.
Depois deste artigo, como depois de se ter lido o livro de Mark Blyth, nada fica como dantes. Parece que cada vez mais pessoas tendem a mostram o enorme embuste que está a ser criado junto dos países periféricos europeus, sob resgate, e de economias mais frágeis. Como já aqui defendi por diversas vezes, quando se diz que não há alternativa, isso personifica uma enorme mentira, basta para isso consultar os manuais do Keynesianismo que qualquer estudante destas matérias conhece. Depois de ouvirmos pessoas com o peso que estas têm na cena internacional e do prestígio que gozam junto dos seus pares, é fácil concluir que para além da austeridade existe algo, que esta não é o fim em si, que ela esconde um projeto político e económico - ultraliberalismo - que nos estão a esconder. É tempo de pensarmos que nem tudo se resume a um punhado de cortes a esmo, que a situação pode evoluir favoravelmente com políticas menos agressivas para as economias nacionais e para os seus cidadãos. Um artigo importante que nos deve motivar (se possível, ainda mais) a pensar sobre estas questões que nos vêm afligindo nos últimos anos. Um bom tema de análise e reflexão para nos levar ao passo seguinte, o de abrir horizontes para outras estratégias, que as há.
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