Conversas comigo mesmo - VIII
"As nossas obras são a nossa assinatura". Eis a frase bem conseguida que uma empresa de construção encontrou para se apresentar e recomendar. Também nós, nesta caminhada pela Quaresma devemos reflectir naquilo que dizemos e fazemos. Por vezes, dizemo-nos cristãos só porque frequentamos a missa dominical. Mas será que as nossas palavras e exemplo - as nossas obras - são guiados por esse princípio? Devemos examinar bem os alicerces da nossa vida, não aconteça dizermo-nos cristãos e andarmos a construir a vida sobre outros fundamentos que não o da rocha, como diz o evangelista. Na verdade, reduzimos, com frequência, a Fé a um âmbito que chamamos religioso - o mundo das devoções, dos ritos, do culto, do milagroso - e separado das tarefas e das responsabilidades da vida quotidiana. Tudo isso nada vale se não nos levar a uma vida mais interveniente e construtiva, do ponto de vista da justiça e da fraternidade entre as pessoas, as famílias e os povos, ou seja, de um mundo mais conforme com o Divino, em que dizemos acreditar. Mas os equívocos por vezes prevalecem, sobretudo, num tempo que nos chama a uma profunda revisão de vida, face aos graves equívocos ou tentações que sempre nos espreitam e assaltam. O primeiro desses equívocos é pensar que a um ser humano basta proporcionar-lhe alimento e novas tecnologias para que ele se desenvolva harmoniosamente e alcance uma realização feliz. Daí o evangelista nos dizer "nem só de pão vive o homem", pois se há coisas necessárias à vida, o mais importante da vida não são as coisas. É fundamental abrir a nossa mente àqueles valores morais e espirituais que, embora tão depreciados hoje, são a luz e o sal que dão sentido e sabor à nossa vida. O segundo equívoco é pensar que o lugar que não damos ao espíritual fica vazio. Bem pelo contrário, o que acontece é que os ídolos de turno vêm rapidamente preenchê-los. Ídolos de todos os nomes que nos podem prender e absorvem, que nos desgastam e desumanizam. O terceiro equívoco é pensar que a Fé é uma espécie de "seguro contra todos os riscos" e que nos dá direito de O utilizar de modo egoísta ou mágico. Entender assim a religião é destruí-la. A verdadeira Fé não nos conduz nem à passividade nem à alienação, mas a uma entrega confiante com vontade de servir e de colaborar. Nem sempre se pensa assim, por isso, - como já por mais de uma vez afirmei -, o Homem tem separado aquilo que Deus quis uno, mesmo dentro das religiões instituídas, onde a palavra tolerância tem sido, ao longo dos tempos, uma palavra vã. Só nos lembramos de tudo isto, quando somos confrontados com grandes privações ou desastres, como aquele que ocorreu a semana passada no Japão. Um português que lá estava e que foi entrevistado para uma cadeia de televisão dizia que pensava que ia morrer e que só depois disso é que "começa a dar sentido à vida e a reflectir sobre ela". É pena que só em situações extremas pensemos nisso, embora a experiência nos diga que, após ter-mos superado as situações, rapidamente nos esquecemos e voltamos àquilo que éramos. Como dizia Oscar Wilde "quando Deus criou o Homem, sobrestimou a sua capacidade".
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