Conversas comigo mesmo - VII
Depois das folias do Carnaval, chegamos ao período da Quaresma - com esta quarta-feira de cinzas - que nos há-de conduzir à festa, a maior da litúrgia cristã, que é a Páscoa. Assim, iniciamos um período de reflexão e introspecção tão necessários nos nossos dias. Temos a capacidade e a responsabilidade de traçar, dia a dia, rumos diversos para os nossos passos e para a nossa vida. Rumos e passos que nos aproximam dessa entidade a que chamamos Deus; rumos e passos que nos aproximam ou nos afastam uns dos outros; rumos e passos que nos encaminham para a vida ou para a morte. Viver é escolher... e das escolhas que fazemos depende o valor e o destino da nossa vida. Ela é fonte da sabedoria que importa acolher, aprofundar, interiorizar e viver. Por isso, esse Mestre que foi Jesus - o Homem só de que aqui já falamos -, nos diz mais uma vez que não veio revogá-la mas sim ajudar-nos a compreendê-la profundamente e a vivê-la a partir do nosso íntimo. Mas diz-nos também, claramente, que é preciso não confundir "lei" com legalismo, nem "culto" com ritualismo para não cairmos na falsa "justiça" dos escribas e dos fariseus. É que eles pensavam que Deus se contenta com os nossos ritos e com a nossa fidelidade exterior e que se pode, por isso, separar a fé da vida, e a liturgia do esforço por um mundo mais justo e reconciliado. E não pode... Não basta dizer que somos cristãos. O ser cristão também implica responsabilidades, que por vezes esquecemos. Temos que ter um olhar fraternal com que nos aproximamos de cada ser humano, - e porque não dos animais tão sofredores neste mundo (veja-se o exemplo de S. Francisco de Assis) -, independentemente da sua cor, da sua idade, da sua condição, do seu credo político ou religioso; é o acolhimento solidário que sabe dispensar a todos os que o encontram ou procuram, sem descriminações de qualquer espécie; é, sobretudo, a capacidade de ultrapassar ofensas e ressentimentos e surpreender o que espera a vingança, castigo ou desdém, com uma atitude de compreensão, de confiança e de paz. Sim, a tentação é sempre reduzir o cristianismo a um assunto de administração ordinária, esquecendo que ele é, fundamentalmente, uma vida iluminada por um novo olhar, animada por um novo espírito. Num mundo materialista como este em que vivemos, o dinheiro assume um papel primordial nas nossas vidas. O dinheiro, como diz o dicionário, é um meio de troca convencional, uma porta de acesso a bens necessários, úteis ou agradáveis. Por isso, numa sociedade como a nossa, ele torna-se verdadeiramente indispensável e apetecível, dada a crescente variedade e qualidade da oferta. Mas o dinheiro pode ser o bom "servo" mas também o mau "senhor". Fundamentalmente, porque a relação que podemos estabelecer com ele e uns com os outros por causa dele, tem a ver também com o uso que dele fazemos e com o modo como o buscamos e adquirimos. É aí que está ou pode estar a sua "bondade" ou "maldade". Na verdade, o dinheiro pode adquirir-se com trabalho honesto ou negócios sujos, pode comprar o remédio que salva ou o veneno que mata, pode fomentar sociedades mais justas, mais equilibradas e solidárias ou sociedades opressoras, egoístas com desigualdades escandalosas. O dinheiro serve, essencialmente, para servir mas não para ser servido, porque servir o dinheiro é fazer dele o valor absoluto e determinante, ao qual tudo o mais se sacrifica ou pode sacrificar. Numa sociedade tão materialista como aquela em que vivemos, à que reflectir, sobre se somos escravos do dinheiro, ou se o usamos para buscar a plenitude da nossa vida. Nesta Quaresma, que agora se inicia, reflictamos sobre tudo isto, para não seguirmos caminhos que nos conduzem ao vazio, em vez da plenitude almejada.
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