Conversas comigo mesmo - XLIII
Iniciou-se o advento à duas semanas. Hoje é o segundo domingo dos quatro que nos conduzem ao Natal. O advento que agora principia é o tempo da esperança, fundada na certeza da fidelidade de Deus para connosco. Uma esperança activa que nos chama à vigilância e ao trabalho. Vigilância que é exercício de atenção e reflexão para não adormecermos nem nos afastarmos do rumo e do alvo que Deus quer ser para nós. Trabalho que é o agir de acordo com o que vamos descobrindo ser a vontade de Deus, pois, como nos diz o Evangelho, Ele não dispensa a nossa colaboração na construção e na vinda do seu reino cada um de nós tem a sua tarefa. Advento tempo para reconhecer e assumir... Mais uma vez recorro à Bíblia e ao profeta Isaías: "Vou enviar à tua frente o meu mensageiro, que preparará o teu caminho". E no Novo Testamento, ouvimos uma voz que clama no deserto: "Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas". Mais uma vez, Isaías e João Baptista, duas figuras luminosas do advento, proclamam o anúncio fundamental: O Senhor vem para nós! Vem como pastor, grita Isaías, pastor com uma só preocupação, a de dar vida às suas ovelhas, congregá-las e conduzi-las para a paz e o descanso do seu reino. Vem como espírito que nos quer habitar por dentro, anuncia João Baptista aos que o procuram no deserto. Espírito que nos faz dizer "meu Pai" diante de Deus e "meu irmão" diante de todo e qualquer ser humano. Mas ambos nos dizem também - e S. Paulo sintoniza com eles - que não se pode esperar o Senhor de braços cruzados ou adormecidos. É necessário preparar o caminho que nos proporciona o encontro com Ele. Mas para isso, não basta só olhar para o nosso semelhante - o nosso irmão -, mas também para a natureza que nos cerca e que é a manifestação d'Ele, dos animais que nos rodeiam que estão cá para mostrar aos seres humanos o que é a fidelidade, enfim, no planeta nossa casa comum que tão maltratamos diariamente. Alguns dirão que isto não passa duma certa ilusão. "A religião é o ópio do povo" proclamava Marx. Mas, para todos aqueles que tanto o têm criticado ao longo dos tempos, será pertinente perguntar: "E eu o que fiz para ser diferente?" Mas não pensem que só Marx questionou a religião. E Hegel que achava que tudo isto não passava duma ilusão para amenizar os sofrimento dos povos mais oprimidos, e o seu contemporâneo Schopenhauer, que alinhava pelo mesmo diapasão, onde a religião era apenas para distrair as pessoas de outras coisas mais essenciais, onde o Deus que criou o catolicismo foi um Deus vingativo semelhante ao que os judeus criaram, um Deus egocêntrico que impõe leis cruéis e fidelidades totais, onde o seu desvio leva a condenações eternas, e Nietzche que achava que Deus estava morto, que tinha sido assassinado "por ti e por mim"? E tantos outros, alguns nossos contemporâneos. Mas seja ou não uma ilusão, pois deixem que ela passe por nós. Com a proximidade do Natal parece que as pessoas se sentem melhores, mais solidárias, mais próximas, só por isso, a ser uma ilusão, ela só por si já seria benéfica. Afinal, estamos a lidar em terrenos da Fé, onde a crença de cada um é primordial. Onde a metafísica entra facilmente verificamos que esta não pode ser testada, é o determinismo daquilo em que acreditamos - e que muitas vezes nos foi inculcado na infância - determinará o nosso comportamento futuro. Nada tenho contra isso, desde que isso sirva para o ser humano ser melhor, ser mais solidário com o próximo, seu semelhante, ser mais amigo e tolerante com os animais, ser mais próximo da natureza, enfim, preserve a riqueza e a diversidade do mundo em que vivemos. Enquanto reflectimos sobre tudo isto, o mundo vai girando, o calendário vai fazendo passar os dias, o advento aproxima-se e o Natal aí está. Mas que seja um Natal solidário, não o Natal afogado nos exageros da mesa, nas prendas caras, nas futilidades que o mundo nos apresenta, mas sim, um Natal onde haja um pensamento - melhor é que houvesse uma acção - para aqueles que não o têm, os nossos semelhantes que passam por dificuldades, os animais que sofem, a natureza vilipendiada, o planeta maltratado. Se tivermos um pensamento, uma reflexão que seja - se tivermos uma acção será bem melhor - já poderemos dizer com propriedade que passamos um Natal diferente, um Natal mais próximo da condição humilde que a nossa crença judaico-cristã nos legou, em vez, daquela que o consumismo nos transmite diariamente, bem diferente, não solidário, mais egoísta. Onde a Fé não existe, é meramente decorativa, porque o deus-consumo é que reina e aquele que a Natividade anuncia perde-se na bruma dos tempos, nos mais de dois mil anos que leva de história. Esse não é o espírito do Natal, será duma outra coisa qualquer, mas nunca do Natal, daquele Natal que anualmente celebramos a 25 de Dezembro. Daquele Natal que se pretende simples, contido, onde reine o amor fraternal e não o egocentrismo de outras coisas que o dinheiro proporciona.
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