Conversas comigo mesmo - LXXVI
Hoje resolvi trazer-vos uma carta de Séneca do livro "Cartas a Lucílio", e reza assim: "Deixa o que seduz a multidão. Se nós nada fizermos senão de acordo com os ditames da razão, também nada evitaremos senão de acordo com os ditames da razão. Se quiseres escutar a razão, eis o que ela te dirá: deixa de uma vez por todas tudo quanto seduz a multidão! Deixa a riqueza, deixa os perigos e os fardos de ser rico; deixa os prazeres, do corpo e do espírito, que só servem para amolecer as energias; deixa a ambição que não passa de uma coisa artificialmente empolada, inútil, inconsciente, incapaz de reconhecer limites, tão interessada em não ter superiores como em evitar até os iguais, sempre torturada pela inveja, e uma inveja ainda por cima dupla. Vê como de facto é infeliz quem, objecto de inveja ele próprio, tem inveja por outros. Não estás a ver essas casas dos grandes senhores, as suas portas cheias de clientes que se atropelam na entrada? Para lá entrares, terias de sujeitar-te a inúmeras injúrias, mas mais ainda terias de suportar se entrasses. Passa frente às escadarias dos ricos senhores, aos seus átrios suspensos como terraços: se lá puseres os pés será como estares à beira de uma escarpa, e de uma escarpa prestes a ruir. Dirige antes os teus passos na via da sapiência, procura os seus domínios cheios de tranquilidade, mas também de horizontes ilimitados. Tudo quanto entre os homens é tomado como coisa eminente, muito embora de valor reduzido e só notável em comparação com as coisas mais rasteiras, mesmo assim só é acessível através de difíceis e duros atalhos. A via que conduz ao cume da dignidade é extremamente árdua; mas se te dispuseres a trepar até estas alturas sobre as quais a fortuna não tem poder, então poderás ver a teus pés tudo quanto a opinião vulgar considera eminentíssimo, e desse ponto em diante o teu caminho será plano até ao supremo bem." Lúcio Aneu Séneca (em latim, Lucius Annaeus Seneca) nasceu em Cordoba no ano 4 a.C. e morreu em Roma no ano 65 d.C. Foi um dos mais célebres advogados, escritores e intelectuais do Império Romano. Conhecido também por Séneca, o Moço, o Filósofo, ou ainda, o Jovem, a sua obra literária e filosófica, tida como modelo do pensador estóico durante o Renascimento, inspirou o desenvolvimento da tragédia na dramaturgia europeia renascentista. Atentem bem nestas palavras, da sua actualidade, e de como este grande pensado, quase duma maneira advinhatória, escreveu. Pensem e reflictam porque elas encerram algo de muito importante. Afinal os problemas do nosso tempo já eram os mesmo na Antiguidade. Apenas muda o cenário e o ajuste a outros tempos, mas no essencial, tudo se vai repetindo embora de maneira nem sempre igual.
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