Turma Formadores Certform 66

Thursday, September 12, 2013

"Cunhal, Brejnev e o 25 de Abril" - José Milhazes

Quando trouxe o tema do centenário de Álvaro Cunhal e da famosa fotobiografia disse na altura que voltaria a pisar estes terrenos quando fizesse aqui o comentário do mais recente livro de José Milhazes, "Cunhal, Brejnev e o 25 de Abril". Ou, como se diz na capa do mesmo, "como a União Soviética não quis a revolução socialista em Portugal". E como o prometido é devido, aqui estou de novo para cumprir a promessa. Todos sabemos que os partidos comunistas de então, tinham uma grande obediência a Moscovo, quanto mais não fosse, para obterem fundos do chamado "fundo revolucionário" que tinha sido criado por Lenine em 1917, e que se destinava a ser utilizado naquilo que chamavam a "revolução mundial". O PCP não era exceção a esta regra e dele recebeu avultadas quantias, sobretudo, quando na Europa a desobediência a Moscovo se tinha tornado regra, nomeadamente, na Espanha, França e Itália. Viviam-se então os tempos do chamado eurocomunismo. Mas voltemos ao 25 de Abril de 1974. A URSS ficou surpreendida com o golpe, tanto quanto o seu arqui-inimigo os EUA. Desde logo, se pensou por cá que era altura de lançar um assalto ao poder dentro daquilo que o modelo soviético tinha feito a quando da sua chegada ao poder na Rússia. Contudo, dois fatores levaram a um repensar da estratégia. O primeiro é que em Portugal não havia as divisões entre os democratas-cristãos, os sociais-democratas e socialistas como aconteceu na Rússia de 1917, e o resultado das eleições que se realizaram um ano depois tornaram isso claro. O PCP tinha tido pouco mais de 15% bem longe do PS e em que a soma de votos do PS com o então PPD (hoje PSD) davam uma clara ideia do rumo que as coisas iriam tomar em Portugal. Mas um segundo fator apareceu no horizonte que, a acreditar no autor, nem mesmo o PCP tinha a certeza, embora suspeitasse. Parece ter existido uma espécie de "Tratado de Tordesilhas" entre a URSS e os EUA, demarcando as suas zonas de influência. Se a URSS queria ficar com a então Checoslováquia, Portugal ficaria na órbita ocidental, isto é, na zona de influência dos EUA. Nas zonas cinzentas, como era o caso de África, viu-se o que aconteceu com guerras civis influenciadas e apoiadas por um lado e pelo outro, de que as populações e os próprios países foram os mais sacrificados. Escrito com base em entrevistas, este livro pretende responder às perguntas seguintes, o de saber que influência teve a União Soviética no 25 de Abril e se conspirou para a instauração duma revolução comunista em Portugal. Tenta também esclarecer qual foi o papel de Álvaro Cunhal e do PCP na complicada teia política do PREC e que tipo de relação mantiveram com o Komintern e a URSS de Brejnev. E no contexto de guerra fria que então se vivia, será que os comunistas portugueses ajudaram a combater o arqui-inimigo norte-americano? Estas e outras questões são abordadas neste livro baseado em entrevistas como atrás disse, mas também, alicerçado em forte documentação, dentro daquilo, que até agora, foi desclassificado em termos de arquivos para os historiadores. Um livro muito interessante que desconstrói muito daquilo que se vivenciou nesses anos de revolução que conduziram Portugal até à vereda duma guerra civil. Quanto ao autor, José Milhazes, é sobejamente conhecido como correspondente da SIC em Moscovo e um profundo conhecedor das relações luso-soviéticas. Esta obra lança assim, uma nova luz sobre um dos aspetos menos conhecidos da história de Portugal recente. A edição é da D. Quixote, empresa do grupo Leya. Um livro que recomendo vivamente para que se perceba melhor os acontecimentos que então se vivenciaram e de que muitos de nós foram testemunha.

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