Turma Formadores Certform 66

Wednesday, September 04, 2013

No centenário de Álvaro Cunhal - Do sectarismo militante ao homem de cultura

No centenário de Álvaro Cunhal que se celebrará a 10 de Novembro próximo, não queria deixar de aqui fazer algumas reflexões sobre este político que, tal como cada um de nós, tem duas faces muito vincadas tal como as faces duma qualquer moeda. Figura importante da luta antifascista, homem oriundo duma classe média abastada que tudo renegou em prol dos seus ideais políticos, - o que o torna ainda mais louvável a sua militância -, nunca foi um homem de consensos sempre partindo para a rutura como forma de fazer política. Foi assim nos tempos da ditadura às mãos de quem sofreu imenso nas várias vezes que esteve preso pela polícia política, até ao dealbar da democracia e, diria mais, até à sua morte. Nunca se libertando duma certa tendência estalinista, que nunca renegou, e que sempre impôs ao seu partido, o PCP. Disso foi exemplo o que aconteceu a quando do seu regresso depois de instauradas as liberdades em Portugal, e do muito que depois se viria a passar, ao ponto de Portugal ter estado à beira duma guerra civil. (Curiosamente à revelia duma certa visão do seu mentor a ex-URSS que sempre olhou para Portugal com algum cuidado não querendo por em causa o equilíbrio que exista no âmbito da guerra fria que então era paradigma. Sobre esta questão não deixar de ler o livro de José Milhazes, "Cunhal, Brejnev e o 25 de Abril" a que, numa outra altura analisarei neste espaço). A política do silêncio, do reescrever a História, sempre foi uma caraterística do PCP, então liderado por Álvaro Cunhal, em que a "morte política", o desaparecimento puro e simples duma pessoa, uma espécie de proscrito, tanto se aplicou a muita gente que andou próxima de Cunhal. Conheci Cunhal há muitos anos, ainda estudante da FEP, numa altura em que decorria nas instalações da faculdade um encontro ou congresso do PCP - já não me lembro bem - com um convidado especial e muito pouco conhecido entre nós na altura e que viria a deslumbrar o mundo, tratava-se de Mikhail Gorbachev. Se a sua tenacidade e determinação eram evidentes e contagiantes, também eram temerárias as suas decisões. Os vários "pogrom" que aconteceram sobre a sua liderança são disso um exemplo. Contudo, nesse homem enérgico e simultaneamente afável, viria a despontar uma veia de cultura que desde muito cedo se acentuaria. Os anos de prisão, se amargos e terríveis para quem os sofreu, são também ironicamente os anos em que Cunhal dá largas à sua criatividade, que vai desde a escrita de livros, passando pelo desenho e pela pintura. Na prisão iria dedicar-se também ao estudo que o levaria a licenciar-se em Direito. Reconhecido pelos seus contemporâneos, mesmo aqueles que lhe deram a prisão como Salazar e Caetano, como um homem de inteligência superior, por ele passariam ao longo da sua longa vida alguns dos mais conturbados momentos da História portuguesa e mundial. Mas se compreendo, apesar de tudo, esse sectarismo fruto dum tempo difícil em que viveu e até do muito que sofreu, já é com dificuldade que aceito que nos tempos de hoje, quase 40 anos de democracia volvidos, os seus seguidores continuem a tentar reescrever a História duma forma inimaginável. A recente fotobiografia de Cunhal é disso exemplo. Desde fotos manipuladas onde Mário Soares foi banido de algumas até àquelas em que Gorbachev nem sequer aparece. Se compreendo que os mais antigos militantes que muito sofreram não se tenham libertado dessa pecha sectária, tenho mais dificuldades em aceitar que as novas gerações se mantenham na mesma linha, ou se deixem manter nessa linha, típica dum outro tempo e dum outro espaço. Afinal o sectarismo continua apesar dum certo discurso brando e democrático que, depois disto, parece afinal falso e hipócrita. Contudo, e porque não sei ser sectário, queria aqui deixar lembrado o Cunhal homem de cultura - de muitas culturas e de muitos saberes - para além do político. A quem não se ficava indiferente quando o conhecíamos pessoalmente. Afinal quero com isto dizer que são mais importantes os laços que a cultura tece e as vontades que une, do que as ideias políticas que, quase sempre, dividem.

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