Turma Formadores Certform 66

Monday, April 28, 2014

Sobre a canonização de João XXIII e João Paulo II

Ontem assistimos a um momento inédito na história da Igreja. Algo que ao que julgo saber, nunca tinha acontecido em dois mil anos de Cristianismo. Uma cerimónia que uniria quatro Papas, dois vivos - Papa Francisco e o emérito Bento XVI - e dois já desaparecidos  - João XXIII e João Paulo II - que ontem foram canonizados no Vaticano em Roma. E se essa cerimónia só por si já era relevante e objeto de notícia, as canonizações tiveram para mim um interesse particular. João XXIII - o chamado "Papa bom" - ficará sempre associado ao Concílio Vaticano II que ainda hoje se faz sentir na Igreja. Mas João XXIII representa para o meu imaginário algo mais. Quando este Papa simples lançou uma verdadeira "revolução" no seio da Igreja era eu ainda menino. Lembro-me que vivia em casa dos meus avós maternos e vi-a o meu avô de ouvido encostado ao velho rádio de válvulas a escutar a emissão que vinha do Vaticano. Com ruídos imensos, com quebras constantes. A televisão ainda era o privilégio de alguns, (muito poucos), nessa época já longínqua. Não sabia o que se passava mas tinha a noção de que era algo importante. Não entendia mas sabia que pelo ar grave e sério do meu avô seria, seguramente, algo que iria perdurar na História. A quando do seu falecimento o mesmo ritual se passou e lembro com saudade as emoções que perpassaram na casa. Nem tinha bem a ideia do que representava tudo isso, sabia que o que se estava a passar seria de importância enorme. Só mais tarde vim a perceber o que representou essa "pedrada no charco" no seio da Igreja e as convulsões e até conflitos que veio criar no seio dum clero conservador, avesso à mudança, mesmo quando ela era imposta por um dos seus. As discussões em torno do Concílio Vaticano II foram intermináveis, - nem sempre muito pacíficas -, discussões que ainda hoje ecoam pelos corredores da Cúria. Foi ele que tirou a Igreja duma certa Idade Média que ainda a envolvia e a devolveu a uma certa modernidade com as reformas que implicava. Já João Paulo II tem um outro impacto. O "Papa da família" como é conhecido, teve um importante papel no redesenhar até - e porque não dizê-lo - das fronteiras da Europa. Duma Europa da "cortina de ferro" para uma Europa mais aberta. Com ele deu-se a queda do Muro de Berlim, e do comunismo soviético, vindo abrir novos horizontes de democracia na Europa. Infelizmente, nem sempre isso foi visto com esta transparência e o recente conflito na Ucrânia diz bem do que falo, com uma Rússia ainda nostálgica do seu passado recente e hegemónico. (Ao fim e ao cabo este país ainda é dirigido por figuras que pertenceram ao comunismo soviético e que se reciclaram rapidamente). Este tipo de atitudes é sempre controversa e deve gerar desconfiança, e o exemplo do que se está a passar na Ucrânia e do posicionamento da Rússia, são bem claros sobre isso. Mas acresce ainda que João Paulo II foi o único Papa que conheci pessoalmente quando por cá passou e visitou o Porto numa manifestação popular verdadeiramente impressionante. Salvo erro a 15 de Maio de 1982. Mais tarde tentei ir a uma sua audiência em Roma mas não tive oportunidade de me encontrar com ele. Cada um à sua maneira foram figuras que influenciaram o seu tempo, o tempo em que viveram. O mundo não permaneceu igual depois de estes dois homens terem exercido o seu ministério. A canonização é apenas o culminar, o reconhecimento, do que eles foram e representaram para o mundo. Não quero aqui falar sobre a sua condição de Santos. Não tenho conhecimentos nem argumentos para ir num sentido ou noutro. Mas julgo importante trazer à ribalta estas duas figuras enormes pela importância que tiveram para o mundo, cada um à sua maneira, com a sua visão do seu tempo e espaço que ocuparam quando viveram. Mas dar a conhecer, sobretudo aos mais jovens, estas figuras podem ser inspiradoras - e sê-lo-á seguramente - para quem não os conheceu, não vivenciou os acontecimentos no tempo adequado. Ontem foi um dia grande para a Igreja. Será seguramente um dia grande para os crentes ou não crentes que acabaram por buscar a inspiração nestas duas figuras seja qual for o seu credo, e até para aqueles que não o têm. Daí a sua grandeza. Daí a sua relevância. O resto será o tempo a ditar.

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