Conversas comigo mesmo - I
Chove muito dentro de nós. Sentimos que quem morre nos morre. Há "mas" e "porquês" que nos sacodem. Temos o coração ferido e nas feridas toca-se devagarinho. Nestes momentos, lidamos mal com as palavras; só ouvimos a desolação interior e as palavras que vêm de fora estão, muitas vezes, gastas. À força de as termos dito e ouvido, raramente nos chegam dentro. Falam-nos mais os gestos e a presença demorada. É assim, entregues às recordações e à infinita dor da nossa perda, ouvimos subtilmente a mensagem de que precisamos: "Não estás sozinho. Estou contigo". Sentimos a partida dos que nos morrem na medida em que os amámos. Dir-se-ia que precisamos deles para respirar, porque não se trata de um eu que chora e de um tu que morreu, mas de um nós; por isso os sentimos mais próximos do que um abraço. Mas é diferente. Perdemos a possibilidade de os ouvir, de lhes dizer o tanto que devia ainda ser dito. E as lágrimas são-nos necessárias para que a dor nos não sufoque. Precisamos de chorar. Temos razões para o fazer porque sofremos com a perda de um amor que cultivámos, cuidámos, construímos e é parte de nós. O outro que morre, quando amado, para quem o ama e, curiosamente, nenhuma experiência da vida o torna tão intensamente presente no íntimo de quem o ama como quando morre.
0 Comments:
Post a Comment
<< Home