Equivocos da democracia portuguesa - 84
A crise continua... Crise de valores, crise de ética, crise de seriedade. Depois da demissão do governo, a situação económica e financeira assistiu a um agravamento sem precedentes. Logo que se soube da resignação do PM, as agências de notação financeira baixaram o "rating" da República. Menos de uma semana depois, o "rating" sofre novo corte, aproximando-se daquilo a que os analistas chamam de "lixo". A razão é simples. "Crise política que torna incerto o futuro agravada pelo desconhecimento daquilo que as outras forças políticas irão apresentar", quem o diz é a Standard & Poor's. Não basta um processo de intenção, como tornou público o PR, de que "todas as forças políticas principais assumiram o compromisso de combater o déficit". Isso não chega e Cavaco Silva sabe-o bem. Mas, convenhamos, neste momento não pode fazer mais do que isso. Quando o pode fazer nada fez. A situação agravou-se rapidamente nestes últimos dias duma maneira assustadora. Depois do compromisso do PM - soube-se ontem - ter acordado com o BCE e com a UE que era Portugal que iria ser a barreira face aos especuladores, e que aqui iria terminar o contágio à Europa. A oposição - nomeadamente o PSD - deveriam ter entendido isto. Agora expõem o país a uma situação muito mais gravosa com a possibilidade - cada vez maior - de entrada de entidades estrangeira em Portugal. Isto não é um problema só de Portugal - daí a preocupação na cimeira europeia da semana passada - mas algo mais abrangente. É um problema para a Europa e para a zona euro. Já aqui tínhamos afirmado que o PEC 4 deveria ter sido aprovado, independentemente do governo continuar ou não, bem como, afirmamos que as medidas nele inscritas, apesar das críticas da oposição, não eram suficientes (E Passos Coelho veio-nos dar razão). Hoje, Passos Coelho num artigo de opinião publicado no World Street Journal afirma que "o PSD rejeitou o PEC porque ele não ia suficientemente longe"!!! Leram bem, é mesmo assim. O mesmo homem que achava que este PEC era demasiado gravoso, hoje diz que ele afinal, tinha que ser mais duro. Esta deriva, ora num sentido, ora noutro, não trás credibilidade à política portuguesa e, por extensão, aos mercados financeiros. No entretanto, os líderes partidários - nomeadamente o dos dois maiores partidos - enredam-se num triste espectáculo, do "ora acusas tu, ora acuso eu". Este emaranhado de equívocos arrasta-se à demasiado tempo num "espelho de posturas digno dum casal desavindo à beira de um divórcio" para utilizar a feliz expressão do filósofo João Gil. Mas o que não pode ser negado é que, a confusão no PSD é muita, já se tinha notado a quando do possível aumento do IVA proposto por Passos Coelho e prontamente desmentido. Ainda ontem, Carlos Moedas, conselheiro de Passos Coelho para os assuntos económicos, dizia que tal "só seria de ter em conta como situação extrema o que ainda não era o caso". Já antes o tinha dito Miguel Relvas. Depois veio mais uma proposta avulsa de privatizar parte da CGD, o que levantou um coro de protestos vindo dos homens da banca. Enfim, uma série de dados que nos fazem concluir que ninguém sabe bem para onde ir. Pelo sim pelo não, a reunião da comissão nacional do PSD de ontem à noite, aconselhou Passos Coelho que seja mais prudente. Este somatório de confusões e equívocos vêm consolidar a nossa posição, já antes referida, de que este não era o momento que o PSD e Passos Coelho queriam para abrir uma crise. Mas então porque se abriu? Talvez a ânsia de outros chegarem ao poder rapidamente tivesse determinado esta atitude, o que a ser verdade, só indicia que Passos Coelho não tem a liberdade e o poder que muitos pensavam que tinha. Várias figuras importantes do PSD, como José Júdice ou Marcelo Rebelo de Sousa, afirmaram que esta não era a altura para eleições, aliás, tinham já publicamente assumido que essa altura seria a discussão do OE para 2012, lá para meados de Outubro. Mas, repetimos, então o que levou a esta antecipação (precipitação) da crise? A sede pelo poder que atrás referimos, ou o medo de que o governo superasse a situação, o que tornaria a luta eleitoral mais difícil, ou ambas as coisas? No entretanto, Portugal vai-se depauperando, a vida dos portugueses está cada vez pior, e a possibilidade dum entendimento é cada vez mais estreita. E não é por falta de avisos de algumas figuras públicas prestigiadas, como foi o caso de Miguel Cadilhe, que referimos em nota anterior. Pensamos que neste momento de crispação e de crise profunda, todos nos devemos lembrar - especialmente os políticos - da célebre frase de Aristóteles "a política é a arte do possível" (In "A Política). Por isso, urge que todas as forças políticas - especialmente as que têm mais responsabilidades na governação - se unam para bem de Portugal. Não estamos aqui a fazer laudas ao governo, que todos sabemos das suas responsabilidades, mas não podemos ficar impávidos parante esta "guerrilha" que não indicia nada de bom para o nosso país que, entretanto, se vai degradando cada vez mais. Não somos dos que diabolizam o pedido de ajuda externa, mas pensamos que, deveríamos fazer tudo para a evitar. Porque se ela vier, as medidas serão, necessariamente, mais gravosas do que aquelas que estavam inscritas no PEC que conduziu à crise que todos estamos a sofrer. A ser assim, a vitória da oposição seria uma "vitória de pirro", a menos que, por trás, existam outros interesses inconfessáveis, para os quais já alertamos em escrito anterior. Esperemos, mais uma vez, que o bom-senso prevaleça, embora pensemos que - tal como outros portugueses - estamos a clamar no deserto.
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