Conversas comigo mesmo - XLIV
Faz frio lá fora. O Inverno vai-se fazendo anunciar. Dezembro vai continuando o seu percurso. O Natal está a dias. Contudo, costumo ficar muito eufórico com os preparativos de Natal, embora quando este chega entre em mim uma tristeza imensa. Porque as ausências doem, porque elas vão preenchendo os lugares à mesa, numa mesa que já teve muita gente à volta. Este ano, não sei porquê parece estar a verificar-se o contrário. Os preparativos de Natal já começaram e eu sinto-me triste, alheado de tudo, com a ânsia de que a data passe depressa, que a festa termine. Não sei como estarei a sentir-me no dia de Natal, mas até agora, parece que tudo se inverteu. A tristeza que por vezes transportamos dentro de nós, nem sempre é perceptível, embora a ausência daqueles que mais amamos - e duma forma irreversível - se faça sentir com força. Mas é também a tristeza do sofrimento que me rodeia que me trás nesta angústia. Tristeza pelo meu semelhante que passa dificuldades, que terá a sua mesa de Natal quase vazia - ou mesmo vazia! - que a voragem da crise assim determinou. É a solidão dos velhos - e porque não dos novos muitas vezes perdidos em ilusões fáceis - que se sentem excluídos, ou pelo peso dos anos, ou pela ausência de família, ou simplesmente porque estão à margem do mundo que lá fora continua a girar. Tristeza pelos animais que sofrem. Tenho tido muitos pedidos de ajuda para este pobres infelizes que, tal como nós, sofrem com o frio, com a intempérie e, sobretudo, com a incompreensão - para não dizer outra coisa - do ser humano. Os animais nossos amigos e companheiros de jornada, aqueles que nos apoiam incondicionalmente nos momentos difíceis - e sei bem do que falo -, animais que nunca nos viram as costas, não nos abandonam, sofrem connosco, nunca dizem mal de nós, e que nós - alguns de nós, felizmente - praticam o seu contrário contra eles. A bestialidade de algumas situações é de tal maneira profunda que nem tenho coragem de falar sobre elas, e que me leva a descrer - mais uma vez - na capacidade de redenção do ser humano. Ser humano que se acha superior aos animais e que, com o seu comportamento, desce ao nível da desqualificação. O ser humano que se julga o centro do Universo - a Igreja também tem ajudado a isso nunca pregando o equilíbrio que o ser humano devia ter com os animais e a natureza - e que no fundo é mais selvagem do que muitos animais, mesmo os mais ferozes, que nunca são capazes de se exterminar como acontece com os humanos, que caçam apenas para se alimentar, bem longe do "desporto" que muitos humanos praticam, que são solidários, coisa cada vez mais rara entre nós os humanos que nos achamos no centro do mundo. Como Galileu demonstrou que a Terra não era o centro do Universo, outro Galileu há-de aparecer para mostrar à evidência que o Homem não é o centro do Mundo e da Vida. Não é senhor da vida e da morte, qual deus desqualificado, menor em audácia, cobarde por natureza. Por tudo isto, o meu Natal é triste. Mas também pela natureza que diariamente subjugamos, destruímos, alterando o equilíbrio deste eco-sistema de vida que nos mantém a todos - natureza, animais, humanos - a caminhar sobre este planeta azul. Por mais que se alertem das terríveis consequências que daí advirão, parece que o ser humano se alheia disso tudo, porque se julga omnipotente, qual deus - ou concorrente com Ele -, determinando assim, o seu próprio futuro como espécie, e não pensando no mundo que vão delegar - se houver mundo para delegar! - às gerações vindouras. O ser humano em cuja redenção acredito cada vez menos, vai esmagando, vai trucidando, tudo aquilo que milhões de anos foram forjando para que hoje tivessemos um planeta como este, onde a vida é possível. Por tudo isto o meu Natal é triste. Porque tenho dificuldade em me sentar à mesa, com a parca família que me resta, e fazer de conta - mesmo que seja por uma noite - que tudo está bem, que o equilíbrio das esferas é uma realidade, que o mundo será melhor logo na manhã seguinte. Só que a manhã vem e tudo continua igual, senão pior, e constato que caí de novo na ilusão, no logro, na perfídia do mundo que habito. Com o avançar da idade vamos percebendo que as ilusões não passam disso mesmo, já sem a expectativa de que vamos mudar o mundo para melhor como o sentimos enquanto jovens, mas vamos percebendo que nesta batalha que travamos ao longo da vida, somos sempre os vencidos, os perdedores, mesmo que digamos o contrário. Por tudo isto o meu Natal é triste. Porque gostaria de fazer do mundo uma epifania e não o vale de lágrimas que é, perdido, sem rumo, afundado em crises, sejam elas económicas, financeiras, de valores, de esperança. Num mundo sem retorno, sem amanhã, que o passar dos dias, não passam disso mesmo, dum passar inexorável do tempo até que o nosso tempo se esgote. Por tudo isto, o meu Natal é triste, porque um Natal sem esperança, sem redenção. Entretanto lá fora, a madrugada continua fria, prenunciando o Inverno que se aproxima e o Natal está aí a chegar...
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