Turma Formadores Certform 66

Monday, February 22, 2010

Tempo de reflexão - Intermezzo

Por vezes os tempos mudam, aquilo que julgava-mos impensável e que só acontecia aos outros, acaba por nos bater à porta duma forma violenta. Porque perdemos seres que nos são queridos - mesmo que sejam animais que valem mais que muitos humanos, - quer porque a incompreensão dos homens se revela quando não a esperamos, quando a intolerância vem daqueles de que menos esperaríamos que viesse, numa descrença na vida que nos vai corroendo até aos ossos, quando pensamos que já não à amanhã. Por vezes, as palavras mais pungentes não dão a dimensão do que sentimos, por vezes, as ideias que temos, boas ou más, não dão a imagem do drama que vivemos. Muitas vezes passamos ao lado de alguém que tanto precisa dessa nossa ajuda, mas nós nem o vemos, sobretudo se estamos felizes e pensamos que o Universo está a nosso favor e que nunca desceremos a escada da vida. Dos menos afortunados, há os crentes e os não crentes, para os primeiros ainda há a esperança da redenção num Deus em que crêem de todo o coração e em quem confiam como num pai, para os não crentes há o vazio, o nada absoluto, a não-matéria cósmica, no final o próprio cosmos, que contemplamos como a um Deus, - para aqueles que não aceitam outro, - como diria Carl Sagan. Por vezes reconhecemos os nossos passos mal-andados e tentamos recomeçar de novo naquilo que pensamos ser o rumo certo. Outros, não sabem que caminho escolher, mesmo aquele que trilham aparentemente sem sucesso, nem sequer sabem se mais à frente desembocam numa estrada larga e soalheira se num beco escuro e sem saída. Por vezes tentamos descobrir e realizar aquilo que essa entidade suprema a que alguns chamam Deus espera de nós, utilizando os meios mais próximos para a sua realização, como a família, a igreja, o mundo, os que nos rodeiam. Outros estão no vazio, o vazio interior, mesmo que rodeados por multidões, mas mesmo assim, o vazio, o nada absoluto. Por vezes tentamos servir de coração aberto e generoso todas as causas e iniciativas por um mundo melhor no âmbito da justiça, da cultura, da convivência pacífica e fraternal. Outros já não conseguem abraçar causas, por que ninguém abraçou as suas - por vezes liminares - ou já não conseguem acreditar na redenção dum mundo e do ser que, todos os dias, tem um prazer sádico em se auto-destruir. Por vezes caminhamos conscientes na vida, sabendo que não somos donos absolutos do nosso tempo, dos nossos talentos e dos nossos bens. Outros, por seu turno, podem ou não caminhar conscientes na vida, mas rejeitam o seu tempo que não os aceitou ou compreendeu, sabendo que aquilo que fizeram foi ignorado e será seguramente esquecido, e que nem sequer bens têm para lhes dar a sensação de sentido de posse e com isso auto-estima. Os primeiros podem ter a noção de que são simples administradores daquilo que a vida lhe dá e tentam não perder de vista o seu bem e o bem de todos. Os segundos, não se sentem administradores de coisa nenhuma, mas sim, humildes servidores que nada têm para repartir, ignorados pelos restantes. Para os primeiros o encontro com o seu Deus, escutando a sua palavra de coração aberto, tentam encontrar a luz e a força de que precisam. Para os outros, apenas resta o niilismo, de coração vazio, trilhando a estrada escura onde sentem, a cada passo, o medo do passo seguinte e apenas cansaço em vez de força. O cansaço de quem já não tem forças para continuar. Os primeiros reúnem-se com os seus pares da comunidade para alimentar a fé e a crença no futuro num mundo melhor e mais próspero, aquele em que seguramente habitam. Os segundos, já não têm vontade de se reunirem com ninguém, nem ninguém está interessado em se reunir com eles. Os primeiros acreditam que o amanhã será melhor, os segundos acham que não à amanhã. Os primeiros ainda acreditam no mistério da vida, os segundos apenas no seu contrário. Um célebre filósofo e sociólogo francês, Émile Durkheim, no seu livro "O Suicídio" dizia que este, o suicídio, era o acto supremo, o auto filosófico por excelência. Para muitos será a saída possível, face à não-saída que a vida lhes proporciona, para outros não passará duma tontaria, porque a vida lhes deu tudo e, por enquanto, nada lhes retirou. Enfim, toda a medalha tem o seu reverso, o problema é quando se está do lado errado da face. Porque quem está do lado certo, nada tem a recear. Estamos em tempo de Quaresma, em tempo de intervalo (intermezzo), em tempo de reflexão. Possamos escolher o lado certo da vida - certo para o comum dos mortais - porque a diferença é castradora, redutora e estigmatizante, só sendo celebrada após a morte. Mas que este seja um tempo de reflexão e não de morte - que também pode significar ressurreição - , um tempo de busca e (re)encontro.

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