Este livro que trago aqui levou-me a viajar em duas direções comum e que se cruzam. Passo a explicar. Durante algum tempo da minha vida era frequente estar em Lisboa. Daí conheci muitos dos recantos que este livro nos mostra, com a diferença temporal que os separa como é óbvio. Mais tarde, quando ingressei no Grupo Vista Alegre, quis o destino que Lisboa voltasse a estar no meu caminho. Isto à custa da sede do Grupo ser então no Largo Barão de Quintella, que os lisboetas mais conhecem pelo Largo dos Bombeiros. Ali paredes meias com o cais das colinas, o Chiado e o Bairro Alto. À custa disso, percorri muitas vezes o esse mesmo bairro, almocei em muitos dos seus restaurantes, jantei em muitas das suas tasquinhas onde pela noite fora se ouvia fado. Já não era aquele fado vadio da Severa que o livro tão bem retrata, mas ainda, ainda tinha o seu quê de vadio e marginal, bem diferente do de hoje que, após se elevado à condição de Património Imaterial da Humanidade, fez com que muitos, mesmo os jovens, se voltassem para o fado que passou a ser moda. Isso foi importante para a canção nacional, mas talvez tenha descaraterizado um pouco aquele lado mais vadio e fascinante do fado. Por tudo isto, este livro, para além de celebrar a imagem dessa figura mítica que foi a Severa, também serviu para um reencontro com o meu passado já um tanto ou quanto distante da minha juventude. Coisas curiosas que um livro nos pode levar a pensar e, sobretudo, a encetar uma viagem de memórias. Mas voltemos ao livro. Na sinopse do mesmo pode ler-se: "Na Mouraria, cruzam-se dois mundos quando a noite cai. O dos marujos, dos rufiões, das mulheres de má vida, as tabernas enchem-se com os filhos enjeitados da cidade. À procura de consolo, de um regaço pago, de vinho e de fadistagem. Vão eles e os nobres, embuçados, em busca do fruto proibido. Longe do São Carlos, onde as damas e as joias são legítimas, dos palácios nas Laranjeiras, mergulham no mundo sórdido e apaixonante onde se canta e bate o fado. E ninguém o faz melhor do que Severa, filha de cigano e de meretriz. Do pai herda o tom de pele, o sangue quente; da mãe a profissão e as artes de prender os homens. São muitos os que a visitam, mas só um lhe deixa marca, o conde de Vimioso. É dele e da Severa esta história, nascida entre corridas de toiros, casas de má fama, recitais privados. É esse o amor proibido que Maria João Lopo de Carvalho tão bem evoca, num tom que nos remete para uma Lisboa feroz e verdadeira. Uma história onde brilham sempre a luz e as sombras dessa Lisboa e o indomável espírito de Severa: a cigana que inventou o fado, a mulher que vendeu o corpo - mas que nunca vendeu a alma". Sobre a autora, Maria João Lopo de Carvalho nasceu em 1962 e licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas pela Universidade Nova de Lisboa. Professora de Português e de Inglês no ensino público e privado, representante em Portugal dos colégios ingleses Pilgrims, fundou e dirigiu a Know How, Sociedade de Ensino de Línguas. Tem vários livros publicados dos quais saliento "Marquesa de Alorna" e "A Padeira de Aljubarrota". A edição é da Oficina dos Livros. Um livro muito interessante a merecer uma leitura atenta e cuidada. Um verdadeiro retrato duma 'Lisboa de outras eras' como diz a canção. A foto da capa é uma reprodução do 'Fado' da autoria de José Malhoa.