Turma Formadores Certform 66

Tuesday, January 28, 2014

Em memória do senhor António que era carpinteiro

Ontem foi um dia triste para mim. Porque tristes são os dias quando se perde um amigo. Ontem ao meio da tarde, tive conhecimento da morte dum amigo e vizinho. Conheci este homem simples ainda criança. Já lá vai meio século. Apesar da minha curta idade, quando cheguei a esta casa e o tive como vizinho, ele sempre me tratou como se fosse um homem crescido. E como isso me dava orgulho. Não era só ele. Existiam mais três ou quatro que assim faziam. A partir de ontem, todos eles já desapareceram. Numa altura em que uma criança era tratada com alguma indiferença, - até porque se era criança até bem tarde -, a maneira respeitosa como me tratou sempre nunca deixou de me impressionar. À medida que fui crescendo, esse respeito foi crescendo também, - como se ainda existisse espaço para ele crescer. Mais tarde, quando evolui fruto da minha formação académica, ele passou quase a venerar-me. Coisa de pessoa simples que olha para uma pessoa que teve a sorte de ter uma educação mais evoluída como se de um deus se tratasse. Às vezes até me sentia embaraçado. Nunca deixou de me saudar tirando o chapéu que regularmente usava, numa saudação que eu não queria. Porque não me achava diferente, muito menos superior, a este homem simples de instrução básica e princípios mínimos. E por isso, ontem fiquei triste quando ouvi alguém falar dele com algum desdém. Alguém que no fundo, não é nem será nunca mais do que ele. E não pensem que é por colecionarmos bens que tomamos de empréstimo na vida, que passamos a ser superiores a outras pessoas. Porque apesar de mais novos, e desta estúpida sensação de que a morte é para os outros e nós somos imortais - apenas por momentaneamente termos ficado ainda deste lado do espelho -, apesar dos filhos que um dia onde determinar o nosso futuro quando já não o podermos fazer e talvez nessa altura digam o mesmo para que a nossa partida seja ainda mais dolorosa. Não. Recuso-me a ir por aí. Porque este homem era simples mas rico de sentimentos e de gestos. Cumpriu uma vida longa de 85 anos. Sempre forte e robusto, até que a doença que a idade potencia, o aniquilou. Sofreu na morte como algumas vezes na vida. Afinal esta provação que é a vida tem destas coisas. São os ensinamentos para crescermos. Ontem fiquei triste porque perdi um amigo e um vizinho. Um homem que sempre fez sentir a criança que eu era num adulto. Tinha nome simples e comum entre nós. Chamava-se António. Tinha por arte a profissão bíblica de carpinteiro que ele adorava. (Ainda hoje parece que o ouço a trabalhar a sua madeira de que tanto gostava). Foi simples. Foi muito trabalhador. Não tinha muito amigos que, a sua surdez profunda e desde longa data, impedia  dada a dificuldade da comunicação. Vivia no seu mundo. Um mundo diferente. Um mundo sereno e de paz como sereno e pacífico sempre o conheci. Amanhã quando o seu funeral se realizar, quando a tampa do esquife se fechar pela última vez, encerrar-se-á o mundo que este homem conheceu. Mas a memória ficará. Ainda fui a tempo de o ver com vida no sábado passado. Ainda me reconheceu e me sorriu com um sorriso aberto e franco como era seu hábito. Ontem fiquei triste porque morreu um amigo e vizinho. Que me fez sentir gente bem antes do tempo. Descanse em paz, senhor António!

"Festa privada" - Artigo de Fernanda Mestrinho no jornal i

Pela sua importância, decidi aqui publicar o artigo de Fernanda Mestrinho, - jornalista e advogada -, no jornal i, do dia 25 de Janeiro de 2014. É um bom tema para reflexão:
 
"O governo e alguns comentadores estão eufóricos numa festa privada em verdadeira orgia sobre o empobrecimento de milhões portugueses. E solidarizam-se cinicamente com a frase: “Quando se habituarem sofrem menos na vida.” Vítor Gaspar vai para o FMI, a actual ministra das Finanças também será recompensada. Ambos dispensam o favor do voto dos eleitores. A adrenalina é tão grande que Passos Coelho brinca aos referendos e joga a dança das cadeiras nas presidenciais. Escovaram Marcelo? Realmente o PSD tem mais gente. Aqui deixo sugestões: Dias Loureiro, Oliveira e Costa, Duarte Lima, Miguel Relvas, Luís Arnault, Luís Filipe Meneses, Agostinho Branquinho, etc. Agora resolveram arrasar a investigação científica. Felizmente que Rui Costa recebeu um apoio internacional, dois milhões de euros, para estudar o cérebro humano. Com Pires de Lima era recambiado para uma fábrica para estudar mioleiras. O Presidente da República tem um país socialmente escavacado, o Tribunal Constitucional pode libertar-se da dolosa transitoriedade dos cortes e não lhes dar mais abébias. A espiral recessiva existe, e de que maneira, no bolso dos portugueses. Mesmo que tentem ganhar eleições (Sócrates aumentou os funcionários públicos e depois tirou) vai ser difícil, as pessoas estão mesmo revoltadas. Não deitem, pois, foguetes antes da festa popular… Mais, e como diz uma amiga minha, para fazer isto, até lá podem pôr o Pato Donald. Pela primeira vez estou de acordo…"
 
Agora só nos resta pensar e pensar bem. Para que no futuro não se voltem a cometer os mesmos erros que levaram esta gente ao poder e que têm vindo a destruir Portugal. Para memória futura!...
 

Monday, January 27, 2014

Wolfgang Amadeus Mozart no 258º aniversário do seu nascimento

Passam hoje 258 anos sobre o nascimento de Wolfgang Amadeus Mozart, o grande compositor austríaco do período clássico. Mozart foi muito prolífico na sua obra, tendo mostrado uma habilidade musical prodigiosa desse a sua infância. De menino prodígio, - há quem diga que foi fortemente explorado pelo seu pai, Leopold Mozart -, ao compositor consagrado que atravessa idades e gerações até aos nossos dias. Viajou por toda a Europa a encantar com a sua arte as mais importantes cortes do seu tempo. Foi o músico que fixou o período clássico, libertando-se dum certo barroco que imperava nessa época, (Bach é uma das maiores referências), criando novas sonoridades que até aí nunca tinham sido escutadas. Das sinfonias às óperas, dos divertimentos até à música sacra, Mozart fez um pouco de tudo, num incansável trabalho de composição até à exaustão que o levaria ao esgotamento e à morte prematura. Mozart esteve ligado à maçonaria do seu tempo, - escreveu inclusive música para os rituais mações -, e, segundo alguns, teria vindo a desvendar alguns dos rituais dessa sociedade secreta. A sua última ópera e, porventura a mais conhecida, "A Flauta Mágica", parece que foi o culminar da revelação desses segredos ancestrais. Segundo ainda alguns, teria sido isso que o levou à morte, quando alguém emboçado lhe encomendou um "Requiem", que Mozart interiorizou como sendo para si próprio. Não se sabe se esta estória é ou não verdadeira, mas o que se sabe é que o "Requiem" não foi terminado por Mozart, que entretanto morreu, mas por um seu amigo. Sobre este tema, recomendo a obra em três volumes "Mozart" de Christian Jacq. Duma forma romanceada Christian Jacq abre-nos pistas muito interessantes sobre este grande compositor e executante austríaco. Também queria aqui lembrar um grande filme sobre Mozart realizado por Milos Forman com o título "Amadeus". Da sua vasta obra, refiro aqui apenas, "Die Zauberflöte", Don Giovani, Requiem, Sinfonias nr. 40 e 41. Aquelas que normalmente são mais escutadas, porque para as enumerar todas teríamos uma longa lista. Para ilustrar a obra deste grande mestre proponho-vos aqui a audição do Allegro de "Eine kleine Nachtmusik" que podem escutar aqui: https://www.youtube.com/watch?v=Qb_jQBgzU-I . Mozart nasceu a 27 de Janeiro de 1756 em Salzburgo na Áustria e viria a morrer a 5 de Dezembro de 1791 em Viena, também na Áustria. A Áustria que o tratou tão mal, sobretudo, a sua cidade natal, Salzburgo, levando a Mozart dizer, quando de lá saiu, que nunca mais lá queria voltar. Apesar disso, a Áustria e, sobretudo, Salzburgo, tem um importante "merchandising" em torno do compositor. Coisas do comércio que não da arte. Foi sepultado no cemitério de São Marcos, ao que se pensa numa vala comum, dado que a peste assolava a Áustria nessa época, não se conhecendo ao certo o local da sua sepultura. Isso não impediu que a sua obra tivesse chegado até nós em todo o seu esplendor para nos deliciar. Um bom motivo para voltarmos à obra de Mozart muitas e muitas vezes.

Thursday, January 23, 2014

Equivocos da democracia portuguesa - 318

A mentira em que vivemos é cada vez mais despudorada. Prometem-nos oásis que não enxergamos, anunciam-nos milagres que não vemos, indicam-nos futuros em que não acreditamos. Mas mesmo que alguma melhoria exista, ela será sempre insuficiente para colmatar a destruição encetada nestes últimos anos, que nos colocou na miséria. E basta olhar para algumas atitudes que por aí vão fazendo escola. A saúde está como nunca esteve. As filas de espera dão o mote, os exames adiados até que não sejam mais necessários pela inevitabilidade do desfecho começa a ser cada vez mais frequente, o economicismo é cada vez mais prática corrente, onde até as luvas nos hospitais faltam para que as cirurgias se possam fazer. Mas, e quanto à cultura? Quanto à cultura nem é bom falar. Um governo que desde logo eliminou o ministério da cultura, substituindo-o por uma simples secretaria de estado, diz bem do desprezo com que esta é olhada pelo governo. O escândalo das bolsas dedicadas à investigação científica é apenas mais um episódio no longo rol de incongruências. Na sequência deste verdadeiro escândalo Beatriz Padilla apresentou ontem à FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) o seu pedido de demissão. A coordenadora do júri do painel de avaliação de Sociologia do concurso de bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento 2013 anunciou a sua demissão, apontando à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) a alteração dos resultados. O que se está a pensar diz bem da evolução futura de Portugal. Até agora temos vindo a ouvir como os investigadores portugueses têm dado cartas no mundo, fruto dum trabalho anterior, coisa que agora não se vê, bem pelo contrário, comprometendo o futuro científico entre nós por muitas décadas. Afinal nunca se conheceu nenhum ministro da ciência neste executivo e os que lá estão "não são da arte". Mas já que falamos de arte, olhemos para ela. E logo topamos com a venda de 85 quadros de Juan Miró que eram propriedade do BPN e que passaram para a posse do Estado. A Christie's, foi a escolhida pelo Estado para leiloar a coleção, que pertencera ao BPN, em Londres, no mês de Fevereiro, e que atribuiu à coleção um valor de 35,9 milhões. O leilão poderá render 80 milhões de euros. Trata-se de uma história que passa pelo Japão e em que 68 do total vieram de offshores com dívidas ao banco. Mas o mais grave é que estas obras vão ser leiloadas sem que se tenha procedido à sua inventariação e posterior avaliação como determina a lei. O importante é vender tudo e depressa, não importa a que preço. Saldar Portugal está na moda! Mas se olharmos para o mundo do trabalho, nele não vislumbramos nada de muito melhor. Pessoas desempregadas e com baixa escolaridade são o rosto da pobreza em Portugal num estudo feito sobre a matéria. O estudo refere também que a vivência da pobreza “é fortemente associada às carências e à falta de oportunidades, provocando a construção de um universo associativo de sentimentos”.  Os pobres em Portugal são maioritariamente mulheres, entre os 40 e os 59 anos, desempregadas, com baixa escolaridade e com rendimentos inferiores a 150 euros mensais, segundo o perfil traçado num estudo da AMI ontem divulgado. Esta é a miséria a que reduziram este país e que levará muitos anos a recuperar, se é que alguma vez o conseguiremos. Mas apesar disto, Portugal continua a ser o mais endividado da Europa por mais incrível que possa parecer. Apenas 12 dos 28 Estados membros têm uma dívida pública inferior a 60% do PIB. Portugal é o terceiro país da União Europeia com maior peso de dívida no PIB com um volume de dívida de 210.965 milhões de euros, o equivalente a 128,7%, segundo os números do Eurostat ontem divulgados. (Não esquecer que quando este governo entrou em funções o peso da dívida no PIB era de 96%). No entanto, Portugal destaca-se também com a maior queda trimestral no conjunto da União Europeia. A queda foi de 2,6% do PIB. Em primeiro lugar está a Grécia com uma dívida pública de 171,8% da riqueza anual e em segundo lugar entre os mais endividados está a Itália, com uma dívida de 132,9% do PIB. Os três países que menos devem são a Estónia, Bulgária e Luxemburgo. No final, apenas 12 dos 28 Estados membros têm uma dívida pública inferior a 60% do PIB, como fixado pelos tratados europeus. E até o abaixamento do défice que o governo vai anunciar, não resulta duma qualquer política estratégica, mas sim, do excedente de 400 milhões de euros da Segurança Social. Assim se mostra o verdadeiro embuste que foi feito ao país. Ontem, na manifestação dos reformados e pensionistas, vimos um homem que pensávamos que nunca veríamos nestas coisas. Trata-se do sociólogo Boaventura Sousa Santos. Segundo o próprio, participou no protesto, na medida em que considera que "os cortes que o Governo está a aplicar aos pensionistas são um crime organizado, cometido pelo Estado, um ato de terrorismo, contra o qual todos devemos lutar". Mais claro do que isto não poderia ter sido. Boaventura Sousa Santos encarnou aquilo que muitos portugueses acham deste executivo que vai paulatinamente destruindo o país, reduzindo-o a uma miséria que pensávamos erradicada à muito. Estes são os tempos da ira. Só nos resta agir em conformidade.  

Wednesday, January 22, 2014

À memória da minha avó 24 anos depois

Completam-se hoje - lá mais para o meio da tarde - 24 anos da morte da minha avó materna, Margarida de seu nome. Uma mulher simples do povo, detentora da instrução básica, mas com uma visão de futuro larga, nisso acompanhando o seu marido e meu avô, José. Eram meus padrinhos também. E minha avó nunca deixou de estar presente, nos momentos bons, mas sobretudo, nos momentos maus. As suas palavras de alento eram um bálsamo para quem a rodeava. Sempre corajosa e destemida, nunca deixava de dizer "para a frente é que é o caminho". Era a sua senha redentora e reparadora dos males que a vida, por vezes, nos causa. 24 anos depois aqui a recordo. Era uma tarde solarenga de Janeiro, estava a trabalhar, e no momento da notícia estava reunido no meu gabinete com um dos responsáveis da minha equipa e com um dos administradores. (Trabalhava então ligado ao Grupo Vista Alegre que ainda não era Atlantis). Parece que foi agora, e já 24 anos passaram, mas a notícia bateu de tal modo forte, que se gravou para sempre na minha memória. Porque a minha avó, tal como o meu avô, foram figuras tutelares na minha vida, na minha educação. Lembro-me bem de ainda menino ver a minha avó, em pleno Inverno, de manga curta. O frio parecia que lhe passava ao lado. Como não acreditava nestas "modernices" de máquinas de lavar, quase até ao fim dos seus dias, gostava de lavar a roupa à mão. Com chuva ou com sol, ela lá estava no seu posto, sempre alegre e prazenteira. Mulher doutros tempos, doutra geração ainda mais fustigada do que a nossa, nunca perdeu a sua força e coragem. Sobreviveu à dor imensa de ver morrer um filho de ainda tenra idade, mas colmatava isso com uma fé fervorosa. Não era beata de igreja. Até nem vi-a com bons olhos aquelas que o eram. Mas tinha a sua fé, forte e convicta, que foi transmitindo aos seus netos. Uma fé que não admitia recuos, mas que era um motor de alavancagem. Nunca esperava que a fé só por si, fizesse tudo. Ia à luta sem temor. Com quase 90 anos me deixou. E deixou um vazio enorme. Porque foi importante na  minha vida. Ensinou-me o quanto vale uma família. Ensinou-me a ter fé e coragem quando a adversidade bate à porta. Na sua singeleza, na sua pureza de mulher simples do povo, deu o que melhor tinha para que a minha vida fosse mais agradável do que aquela que o destino lhe reservou. Depois de ter estado um pouco doente e sem apetite durante uns dias, no seu último, saí para o emprego com a ideia de que ainda iria resistir mais algum tempo - afinal nunca queremos admitir que a morte está ali ao lado. De manhã nesse dia, já no trabalho, telefonei para casa e parecia que tudo estava bem. Tinha finalmente tomado um bom pequeno almoço como era seu hábito. À hora de almoço fui informado que tinha comido bem como já não fazia há muitos dias. Cerca de hora e meia depois deixava-me. Ela também driblou a morte mas acabou por ceder. Apenas a idade foi corroendo a sua saúde. Só essa foi capaz de a vencer. E já 24 anos passaram sobre esse acontecimento. No momento em que escrevo é ainda madrugada. Acordei com este pensamento. Daqui a um par de horas irei homenage-á-la ao jazigo de família em que se encontra. É um pedaço de mim que ali está. O que dela resta. Apenas uns ossos descarnados para lembrar o efémero da vida. Mas é a minha avó Margarida. Que estejas em paz, avó!

Tuesday, January 21, 2014

Equivocos da democracia portuguesa - 317

“No caso de Portugal e da Grécia, acredito que se o PEC tivesse sido aplicado muito rigorosamente teríamos evitado muitos problemas, muitos problemas, não digo todos os problemas”, afirmou Jean-Claude Trichet, (ex-presidente do Banco Central Europeu) perante a comissão do Parlamento Europeu que está a investigar a ação da “troika” nos países resgatados. Helás! Parece que afinal a luz está cada vez mais intensa ao fundo do túnel. Não a luz que nos dá o direito de sairmos desta embrulhada em que nos encontramos, mas a outra, a luz que torna mais claro o embuste que rodeou a não aprovação do PEC IV por uma maioria contranatura na Assembleia da República. Já por diversas vezes vimos falando neste tema, que para muitos teria alguma conotação política com situações do nosso recente percurso histórico. Mas não, muito se tem falado disto embora nem sempre nos fóruns públicos. Será que ainda alguém não percebeu o insólito da maioria contranatura que o inviabilizou, sobretudo, depois da aprovação da União Europeia e da bênção de Merkel? Agora com esta afirmação de Jean-Claude Trichet o pano começa a erguer-se e a máscara começa a cair. Afinal, quando Passos Coelho esperava perante os empurrões dos seus sequazes e afirmava que "ainda não era tempo de ir ao pote!" lá teria a sua razão. O interesse era bem mais abrangente. Era a coberto da "troika" que se iria implementar uma agenda ultraliberal de destruição do Estado Social, da escola pública, Serviço Nacional de Saúde, enfim, e numa palavra, privatizar o Estado, vender o que restava a retalho e saldar Portugal. Maria Luís Albuquerque, há dias afirmava que, a presença da "troika" foi importante e uma oportunidade - citamos de cor - e, de facto, assim foi. A coberto da "troika" implementou-se uma agenda política terrível que servirá apenas interesses ainda não revelados - a seu tempo eles aparecerão à luz do dia - e não para salvar Portugal. A crise de Junho que Paulo Portas fez estalar, dá bem a ideia da sua dimensão. Depois de nesse verão quente ter, com a sua atitude, elevado os tremendos custos sobre o nosso país depois o "irrevogável" acabou por ficar. Ele que tanto se preocupa com os mercados não se importou de criar uma das maiores crises políticas e com mais custos para o país desde que vivemos em democracia. E porque será que o "irrevogável" ministro deixou de o ser? Apenas para ter mais poder na coligação? Claro que não, embora isso viesse dar jeito. Mas talvez um acordo para o lugar tão desejado e apetecido de se vir a tornar comissário europeu. Daí que o partido dos pobres, dos contribuintes, dos agricultores e sabe-se de lá mais o quê, se ter vendido por um prato de lentilhas, valiosas sem dúvida, mas lentilhas! E enquanto a agenda ultraliberal, qual rolo compressor sobre os portugueses continua a atuar, Paulo Portas e seus sequazes olham para o lado como se nada disso tivesse a ver com eles. E depois, aparecem umas co-adoções e adoções para distrair lançadas por juventudes com muito acne e pouca inteligência, lá vão aparecendo outras juventudes que querem a diminuição da escolaridade obrigatória porque com gente menos culta tudo fica mais facilitado - onde é que já vimos isto? - e, com muito futebol à mistura que o povo gosta e enquanto olham para o Cristiano Ronaldo não se lembram de mais nada. (Nada melhor do que a seguir a uma Bola de Ouro, uma condecoração para manter viva a chama!) Vai daí, as emissões televisivas são esmagadoras, os pais olham para os seus filhos a ver se por lá vislumbram um outro Ronaldo, as mulheres sonham com ele nas suas camas, os homens alimentam o seu ego com os seus pontapés. E no entanto, o mundo lá fora continua a girar! A saída da "troika" é próxima do início do Mundial de futebol. E se Portugal for longe na competição, tanto melhor para o executivo, porque o zé povinho o que quer é bola e o resto logo se vê. A encenação já começou a ser montada para o maior espetáculo de alienação dum povo. A possível convergência dos partidos do governo para as eleições europeias é um sinal claro. Lembrem-se das palavras de Trichet. Se tivesse sido aprovado o PEC IV hoje não estaríamos aqui. Não tínhamos chegado aonde chegamos. É caso para dizer que quem chamou a "troika" não foi o governo anterior, mas sim este e a restante oposição. Esta última, meteu o pé na argola mas só agora deu por isso. A menos que se tenham lembrado das teses do empoeirado livro vermelho de Mao-Tsé Tung, o tal de dar um passo atrás, para depois dar dois à frente. Só que atrás, já demos muitos passos. Para a frente ainda não demos nenhum, por mais "milagres" económicos ou outros que nos queiram vender. Apetece-nos dizer que até a alma já não nos deixam ter. Até esta já nos roubaram.

Monday, January 20, 2014

R.I.P. Claudio Abbado (1933-2014)

O maestro italiano Claudio Abbado morreu na manhã desta segunda-feira, aos 80 anos, na sua casa de Bolonha, no norte de Itália. Claudio Abbado, Cavaliere di Gran Croce OMRI foi um dos maiores maestros do nosso tempo. De nacionalidade italiana, Abbado serviu como diretor musical da casa de ópera La Scala, de Milão, como principal regente da Orquestra Sinfónica de Londres, principal maestro convidado da Orquestra Sinfónica de Chicago, diretor musical da Ópera Estatal de Viena e ainda maestro principal da Orquestra Sinfónica de Berlim de 1989 a 2002. Tais cargos por ele assumidos colocam-no na posição de um dos mais reconhecidos maestros do século XX. Claudio Abbado nasceu a 26 de Junho de 1933 em Milão. Estudou na Universidade de Música e Performances Artísticas de Viena, na Accademia Musicale Chigiana e no Conservatório de Milão. Foi nomeado senador vitalício a 30 de Agosto de 2013 cargo que manteve até à sua morte. A título de homenagem deixo-vos aqui um extrato da Sinfonia No. 9 "Do Novo Mundo" de Dvořák interpretada pela Berliner Philharmoniker dirigida soberbamente por Abbado que podem escutar aqui https://www.youtube.com/watch?v=S5sB4B2lCaQ. Um perda irreparável para o mundo artístico em geral e, em particular, para o meio musical. R.I.P. Claudio Abbado.

Carta aberta ao presidente da JSD e seus compagnons de route - Carlos Reis dos Santos

Os últimos dias têm sido assoberbados pela polémica em torno da adoção e co-adoção. Depois da lei ter sido aprovada, esprava-se uma aprovação na especialidade, contudo, houve um volte-face por parte do líder da JSD para que se faça um referendo, (não deixando de ter o apoio do presidente e primeiro-ministro, Passos Coelho, como será natural, tendo este último até afirmado que o tema foi discutido no conselho nacional), tendo o mesmo sido aprovado. Dada o precedente, primeiro e perigoso, que se veio a abrir no regimento da AR, surgiu na edição on-line do Público do dia 18 do corrente um artigo (na rúbrica Opinião) assinado por Carlos Reis dos Santos, - jurista, militante do PSD n.º 10757 e militante honorário da JSD - como ele próprio se identifica. Pela sua importância e relevância para o debate que, seguramente, se irá fazer num futuro mais ou menos próximo, decidi aqui o reproduzir na íntegra:
 
"Hesitei em decidir a quem me dirigir: não sei quem hoje é o mandante da JSD, nem a quemprestam vassalagem. Assim, terei de me dirigir ao presidente formal da JSD – e a quem deu publicamente a cara por uma das maiores indignidades que se registaram na história parlamentar da República. Para vocês, que certamente não me conhecem, permitam-me que me apresente: sou militante do PSD, com o n.º 10757. Na JSD onde me filiei aos 16 anos, fui quase tudo: vice-presidente, director do gabinete de estudos, encabecei o conselho nacional, fui quem exerceu funções por mais tempo como presidente da distrital de Lisboa, fui dirigente académico na Faculdade de Direito de Lisboa, eleito com a bandeira da JSD, fui membro da comissão política nacional presidida por Pedro Passos Coelho, de quem, de resto, fui um leal colaborador. Quando saí da JSD, elegeram-me em congresso como vosso militante honorário. Por isso julgo dever dirigir-me a vocês, para vos dizer que a vossa actuação me cobre de vergonha. E que deslustra tudo o que eu, e tantos outros, fizemos no passado, para a emancipação cívica, económica, cultural e política, da juventude e da sociedade. Com a vossa proposta de um referendo sobre a co-adopção e a adopção de crianças por casais de pessoas do mesmo sexo, vocês desceram a um nível inimaginável, ao sujeitarem a plebiscito o exercício de direitos humanos. A democracia não deve referendar direitos humanos de minorias, porque esta não se pode confundir com o absolutismo das maiorias. Porque a linha que separa a democracia do totalitarismo é ténue – é por isso que a democracia não dispensa a mediação dos seus representantes – e é por isso que historicamente as leis que garantem direitos, liberdade e garantias andam à frente da sociedade. Foi assim com a abolição da escravatura, com o direito de voto das mulheres, com a instituição do casamento civil, com a autorização dos casamentos inter-raciais, com o instituto jurídico do divórcio, com o alargamento de celebração de contratos de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Estes direitos talvez ainda hoje não existissem se sobre eles tivessem sido feitos plebiscitos. Abstenho-me de fundamentar aqui a ilegalidade do procedimento que se propõem levar avante: a violação da lei orgânica do referendo é grosseira e evidente – misturaram numa mesma proposta de referendo duas matérias diferentes e nem sequer conexas. Porque adopção e co-adopção são matérias que vocês pretendem imoralmente enfiar no mesmo saco. Em matéria de co-adopção vocês ignoram ostensivamente o superior interesse das crianças já criadas em famílias já existentes e a quem hoje falta a devida segurança jurídica e protecção legal. Ao invés, vocês querem que os seus direitos sejam referendáveis. Confesso que me sinto embaraçado e transido de vergonha pela vossa atitude: dispostos a atropelarem o direito de umas poucas crianças e dos seus pais e mães, desprotegidos, e em minoria, em nome de uma manobra política. E isto é uma vergonha. Mas é também com estupefacção que vejo a actual JSD tornar-se numa coisa que nunca foi – uma organização conservadora, reaccionária e atávica. Vocês empurram, com enorme desgosto meu, a JSD para uma fronteira ideológica em contradição com a nossa História e ao arrepio do nosso património de ideias e valores: o humanismo em matéria de liberdades individuais sempre foi nossa trave mestra. O que vocês propõem é uma inversão de rumo: conservadores na vida familiar mas liberais na economia. Eu e alguns preferimos o contrário. Porque o PSD, em que nos revimos, sempre foi o partido mais liberal em matéria de costumes e em matérias de consciência. Registo, indignado, o vosso silêncio cúmplice perante questões sacrificiais para a juventude portuguesa. Não vos vejo lutar contra o corporativismo crescente das ordens profissionais e a sua denegação do direito dos jovens a aceder às profissões que escolheram. Não vos vejo falar sobre a emigração maciça que nos assola. Não vos vejo preocupados com muitas outras questões. Mas vejo-vos a querer que eu decida o destino dos filhos dos outros. Na JSD em que eu militei sempre fomos generosos: queríamos mais direitos para todos. Propusemos, entre tantas coisas, a legalização do nudismo em Portugal, o fim do SMO, a despenalização do consumo das drogas leves, a emancipação dos jovens menores e o seu direito ao associativismo. Nunca nos passaria pela cabeça querer limitar direitos. Hoje vocês não se distinguem do CDS e alguns de vocês nem sequer se distinguem da Mocidade Portuguesa, ou melhor, distinguem-se, mas para pior. A juventude já vos não liga nenhuma. E eu também deixei de vos ligar.
Jurista, militante do PSD n.º 10757 e militante honorário da JSD."
 
Seguramente que aqui são lançadas ideias que pautarão o debate futuro duma questão que interessa a muitos, desde logo, as crianças que vêm coartado o direito a uma adoção plena por parte duma outra entidade marital. Um tema que, estou certo, merecerá uma boa reflexão de todos, nestes tempos de confusão que vivemos.

Wednesday, January 15, 2014

Equivocos da democracia portuguesa - 316

Neste início de ano, não faltam as laudas do governo a um ano de redenção. Mas já outros que passaram foram iluminados pelas mesmas ideias que depois se vieram a desfazer na ignomínia. Este, estamos convencidos, não fugirá à regra. Porque, embora seja o ano do fim do memorando da "troika", isso só por si não significa que seja um ano de libertação. Porque, com ou sem programa cautelar, teremos sempre - e ainda por muitos anos - a supervisão dos credores. (Basta ver a troca de dívida que foi feita em Dezembro último atirando os pagamento que estavam prestes a vencer para ... 2040!) Isto só por si, dá bem a ideia da "supervisão" que continuará a existir sobre Portugal. E isto para não falar de algo de que se fala muito que é a dum programa cautelar. Esta será a questão semântica para segundo resgate, queiramos ou não, afirmem ou não os políticos. Como já aqui dissemos em tempos idos, a austeridade e toda esta carga esmagadora sobre os portugueses veio para ficar. Este governo pressionado pela "troika" mas também aproveitando a boleia para implementar a sua agenda ideológica, depauperou o país, mas ainda não o suficiente e a saga irá continuar. Basta ver as declarações de ontem de Ohli Rehn quando afirmou que a responsabilidade do que está a ser feito em Portugal, nomeadamente nos cortes das pensões e na venda de património "são opções do governo e não da 'troika'". Já em tempos idos o chefe da missão - Subir Lall - tinha dito o mesmo. Portugal renascerá das cinzas empobrecido, delapidado do seu património, sem futuro e sem esperança. Ainda ontem também, se veio a saber que a Fonsun - a empresa chinesa que comprou a parte de seguros da CGD, afinal pode não ter dinheiro suficiente para pagar. E quem o disse foi a Fitch e a Standard & Poor's! Ironias do destino... E nesta ilusão, nesta cortina de fumo que o executivo vai criando para que os portugueses não tenham a perceção da realidade, quando fala de "protetorado" e agora de "libertação", tal não passa de palavras vazias apenas para ocultar a triste realidade e virar as atenções. Embora pensemos que já ninguém se deixa embalar neste canto de sereia porque já viu o suficiente para não acreditar em promessas ou "slogans" políticos. O importante é que passados quase três anos o resultado é um rotundo fracasso. E se dúvidas houvesse, é ouvir as insinuações sobre o "herança do governo anterior", que é o modo mais claro de assumir a incapacidade de resolver os problemas. E vai daí, ainda se continua a apertar mais. É a saúde que está destroçada, veja-se os tempos de espera escandalosos que se verificam em quase todos os hospitais; é a escola pública sem rumo e que a moção prontamente retirada - dada a polémica que levantou -, da Juventude Centrista no congresso do CDS/PP na passada semana, de diminuir a escolaridade obrigatória para o 9º ano (!) diz bem das intenções destes senhores. (Quem tem dinheiro que vá para o privado ou outros vão trabalhar - onde? - ou imigrem). Isto diz bem da matriz das gentes que nos governam. Um povo inculto é mais dócil e menos reivindicativo. Onde e quando já teremos ouvido isto? Este cenário escuro e triste diz bem do início deste ano. Onde o governo só vê oportunidades e claro sol, e os portugueses só vêm desilusão e a negritude duma noite que teima em não clarear e deixar romper um  novo dia. Em resumo, o que falta é uma ideia para Portugal.

Tuesday, January 14, 2014

Falácias e mentiras sobre pensões - Opinião de António Bagão Félix

 
“Escreveu Jean Cocteau: ‘Uma garrafa de vinho meio vazia está meio cheia. Mas uma meia mentira nunca será uma meia verdade’. Veio-me à memória esta frase a propósito das meias mentiras e falácias que o tema pensões alimenta”, começa por escrever o antigo ministro Bagão Félix, num artigo de opinião que esta segunda-feira assina no jornal Público. E, prossegue, “eis (apenas) algumas: ‘as pensões e salários pagos pelo Estado ultrapassam os 70% da despesa pública’” mas, explica, “o número está, desde logo, errado: são 42,2% (Orçamento do Estado de 2014)”. “Outra falácia”, continua, prende-se com o facto de o Governo referir que “‘o sistema público de pensões é insustentável’. Verdade seja dita que esse risco é cada vez mais consequência do efeito duplo do desemprego e – muito menos do que se pensa – da demografia”. Como quinta falácia, o ex-governante refere-se ao facto de o Governo afirmar que “’a CES não é um imposto’. Então façam o favor de explicar o que é! Basta de logro intelectual. E de ‘inovações’ pelas quais a CES (imagine-se) é considerada em contabilidade nacional como ‘dedução a prestações sociais’”. Mas ainda há mais. Lembra Bagão que, segundo o Governo, “’95% dos pensionistas da SS (Segurança Social) escapam à CES’. [Mas] nem se dá conta que é pela pior razão, ou seja, por 90% das pensões estarem abaixo dos 500 euros”. Pelo que, conclui, “seria, como num país de 50% de pobres, dizer que muita gente é poupada aos impostos. Os pobres agradecem tal desvelo”. Estas são apenas algumas das ‘Falácias e mentiras sobre as pensões’ identificadas no texto do antigo ministro que remata, sublinhando que “a política mesmo que dolorosa, também precisa de ter uma perspetiva afetiva para os atingidos”, sobretudo quando “no Governo há ‘assessores de aviário’, jovens promissores de 20 e poucos anos, a vencer três mil euros mensais” e que, ao contrário dos pensionistas, “só pagam IRS”. Trata-se, questiona, de “ética social da austeridade?”. A resposta poderá estar na “ideologia punitiva sobre os mais velhos” que “prossegue entre um muro de indiferença, um biombo de manipulação, uma ausência de reflexão coletiva e uma tecnocracia gélida”, sustenta Bagão Félix.
 
Pela sua importância e atualidade, publicamos o texto na íntegra - extraído do jornal Público com a devida vénia - para ser lido com atenção:
 
"A ideologia punitiva sobre os mais velhos prossegue entre um muro de indiferença, um biombo de manipulação, uma ausência de reflexão colectiva e uma tecnocracia gélida.
 
Escreveu Jean Cocteau: “Uma garrafa de vinho meio vazia está meio cheia. Mas uma meia mentira nunca será uma meia verdade”. Veio-me à memória esta frase a propósito das meias mentiras e falácias que o tema pensões alimenta. Eis (apenas) algumas:
1. “As pensões e salários pagos pelo Estado ultrapassam os 70% da despesa pública, logo é aí que se tem que cortar”. O número está, desde logo, errado: são 42,2% (OE 2014). Quanto às pensões, quem assim faz as contas esquece-se que ao seu valor bruto há que descontar a parte das contribuições que só existem por causa daquelas. Ou seja, em vez de quase 24.000 M€ de pensões pagas (CGA + SS) há que abater a parte que financia a sua componente contributiva (cerca de 2/3 da TSU). Assim sendo, o valor que sobra representa 8,1% da despesa das Administrações Públicas.

2. Ou seja, nada de diferente do que o Estado faz quando transforma as SCUT em auto-estradas com portagens, ao deduzi-las ao seu custo futuro. Como à despesa bruta das universidades se devem deduzir as propinas. E tantos outros casos.
 
3. Curiosamente ninguém fala do que aconteceu antes: quando entravam mais contribuições do que se pagava em pensões. Aí o Estado não se queixava de aproveitar fundos para cobrir outros défices.

4. Outra falácia: “o sistema público de pensões é insustentável”. Verdade seja dita que esse risco é cada vez mais consequência do efeito duplo do desemprego (menos pagadores/mais recebedores) e - muito menos do que se pensa - da demografia, em parte já compensada pelo aumento gradual da idade de reforma (f. de sustentabilidade). Mas porque é que tantos “sábios de ouvido” falam da insustentabilidade das pensões públicas e nada dizem sobre a insustentabilidade da saúde ou da educação também pelas mesmas razões económicas e demográficas? Ou das rodovias? Ou do sistema de justiça? Ou das Forças Armadas? Etc. Será que só para as pensões o pagador dos défices tem que ser o seu pseudo “causador”, quase numa generalização do princípio do poluidor/pagador?

5. “A CES não é um imposto”, dizem. Então façam o favor de explicar o que é? Basta de logro intelectual. E de “inovações” pelas quais a CES (imagine-se!) é considerada em contabilidade nacional como “dedução a prestações sociais” (p. 38 da Síntese de Execução Orçamental de Novembro, DGO).

6. “95% dos pensionistas da SS escapam à CES”, diz-se com cândido rubor social. Nem se dá conta que é pela pior razão, ou seja por 90% das pensões estarem abaixo dos 500 €. Seria, como num país de 50% de pobres, dizer que muita gente é poupada aos impostos. Os pobres agradecem tal desvelo.

7. A CES, além de um imposto duplo sobre o rendimento, trata de igual modo pensões contributivas e pensões-bónus sem base de descontos, não diferencia careiras longas e nem sequer distingue idades (diminuindo o agravamento para os mais velhos) como até o fazia a convergência (chumbada) das pensões da CGA.

8. “As pensões podem ser cortadas”, sentenciam os mais afoitos. Então o crédito dos detentores da dívida pública é intocável e os créditos dos reformados podem ser sujeitos a todas as arbitrariedades?

9. “Os pensionistas têm tido menos cortes do que os outros”. Além da CES, ter-se-ão esquecido do seu (maior) aumento do IRS por fortíssima redução da dedução específica?

10. Caminhamos a passos largos para a versão refundida e dissimulada do famigerado aumento de 7% na TSU por troca com a descida da TSU das empresas. Do lado dos custos já está praticamente esgotado o mesmo efeito por via laboral e pensional, do lado dos proveitos o IRC foi já um passo significativo.

11. Com os dados com que o Governo informou o país sobre a “calibrada” CES, as contas são simples de fazer. O buraco era de 388 M€. Descontado o montante previsto para a ADSE, ficam por compensar 228 M€ através da CES. Considerando um valor médio de pensão dos novos atingidos (1175€ brutos), chegamos a um valor de 63 M€ tendo em conta o número – 140.000 pessoas - que o Governo indicou (parece-me inflacionado…). Mesmo juntando mais alguns milhões de receitas por via do agravamento dos escalões para as pensões mais elevadas, dificilmente se ultrapassam os 80 M€. Faltam 148 M, quase 0,1% do PIB (dos 0,25% que o Governo entendeu não renegociar com a troika, lembram-se?). Milagre? “Descalibração”? Só para troika ver?

12. A apelidada “TSU dos pensionistas” prevista na carta que o PM enviou a Barroso, Draghi e Lagarde em 3/5/13 e que tinha o nome de “contribuição de sustentabilidade do sistema de pensões” valia 436 M€. Ora a CES terá rendido no ano que acabou cerca de 530 M€. Se acrescentarmos o que ora foi anunciado, chegaremos, em 2014, a mais de 600 M€ de CES. Afinal não nos estamos a aproximar da “TSU dos pensionistas”, mas a … afastarmo-nos. Já vai em mais 40%!

13. A ideologia punitiva sobre os mais velhos prossegue entre um muro de indiferença, um biombo de manipulação, uma ausência de reflexão colectiva e uma tecnocracia gélida. Neste momento, comparo o fácies da ministra das Finanças a anunciar estes agravamentos e as lágrimas incontidas da ministra dos Assuntos Sociais do Governo Monti em Itália quando se viu forçada a anunciar cortes sociais. A política, mesmo que dolorosa, também precisa de ter uma perspectiva afectiva para os atingidos. Já agora onde pára o ministro das pensões?

P.S. Uma nota de ironia simbólica (admito que demagógica): no Governo há “assessores de aviário”, jovens promissores de 20 e poucos anos a vencer 3.000€ mensais. Expliquem-nos a razão por que um pensionista paga CES e IRS e estes jovens só pagam IRS! Ética social da austeridade?

Economista, ex-ministro das Finanças"
 

Friday, January 10, 2014

"Como é que ninguém se lembrou de estudar os cães? São eles que têm o segredo da felicidade". - Um artigo de Miguel Esteves Cardoso

Pelo interesse da crónica, aqui deixo um texto de Miguel Esteves Cardoso, que foi publicado no Público de quinta-feira: "No dia das tempestades dois cães corriam, doidos de tão contentes, pela praia. Perseguiam as farripas de espuma do mar. Ao restaurante onde estávamos a almoçar chegaram dois amigos com dois cães igualmente bem-dispostos. Com uma sincronia olímpica estavam os dois a sorrir e a olhar fixamente para os donos. "Estão na expectativa", explicaram-nos. E era verdade. Acreditavam que, no futuro imediato, haveria petiscos para eles. Estavam com as duas pessoas de que mais gostam no mundo, à espera de comer qualquer coisita boa. Como é que não poderiam estar otimistas? "Nós não somos assim", disse um dos seres humanos. Pois não. Nós somos neuróticos. Pensamos sempre que poderíamos estar melhor: poderia ser Verão; poderíamos ser mais novos; poderíamos ter mais tempo para estarmos uns com os outros. Os cães nunca pensam nessas merdas. Não perdem tempo ou energia mental a contemplar alternativas. Estão cem por cento no aqui e no agora. Acham que as condições actuais são excelentes, que têm imensa sorte de estar ali e que tudo indica que as coisas ainda vão – inconcebivelmente – melhorar. Como é que ninguém se lembrou de estudar os cães? São eles que têm o segredo da felicidade. Sabem amar como ninguém e fazem a festa toda com os pequenos gestos de amor que recebem das pessoas que amam. Duas gaivotas palermas divertiam-se a desafiar a ventania, fingindo que estavam imóveis, suspensas por dois fios. Desprezavam a alegria dos cães. Mas faziam mal." De facto, ainda temos muito a aprender com os cães, nós, esta raça que se diz superior e que afinal só tem sabido espalhar a destruição à sua volta a que até não tem escapado o planeta Terra, seu habitat natural. Um bom texto para refletir.

Thursday, January 09, 2014

No 105º aniversário do nascimento de Simone de Beauvoir

Hoje passam 105 anos sobre o nascimento de Simone de Beauvoir. Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir de seu nome completo,, mais conhecida como Simone de Beauvoir  nasceu em Paris a 9 de Janeiro de 1908 e viria a falecer na mesma cidade a 14 de Abril de 1986. Celebrizou-se  como escritora, filósofa e feminista. Esta figura das letras francesas viria a seguir o percurso do existencialismo que fora o mesmo do seu companheiro o também filósofo Jean-Paul Sartre, também conhecido como o filósofo do existencialismo. Tive a oportunidade de conhecer Simone de Beauvoir quando esta passou por Portugal com Sartre nos anos da revolução dos cravos. Dela ficou o registo duma pessoa com uma forte formação intelectual pesando vários terrenos como o seu percurso literário confirma. Simone de Beauvoir escreveu romances, monografias sobre filosofia, política, sociedade, ensaios, biografias e uma autobiografia. Da sua vasta obra saliento aqui: 1943 : A convidada (L'Invitée), romance; 1944 : Pyrrhus et Cinéas, ensaio; 1945 : O sangue dos outros (Le Sang des autres), romance; 1945 : Les Bouches inutiles, peça de teatro; 1946 : Tous les hommes sont mortels, romance; 1947 : Pour une morale de l'ambiguïté, ensaio; 1948 : L'Amérique au jour le jour; 1949 : O segundo sexo, ensaio filosófico; 1954 : Os mandarins (Les Mandarins), romance; 1955 : Privilèges, ensaio; 1957 : La Longue Marche, ensaio; 1958 : Memórias de uma moça bem-comportada (Mémoires d'une jeune fille rangée), autobiográfico; 1960 : La Force de l'âge, autobiográfico; 1963 : A força das coisas (La Force des choses); 1964 : Une mort très douce, autobiográfico; 1966 : Les Belles Images, romance; 1967 : La Femme rompue, novela; 1970 : A velhice (La Vieillesse), ensaio; 1972 : Tudo dito e feito (Tout compte fait), autobiográfico; 1979 : Quand prime le spirituel, romance e em 1981 : A cerimónia do adeus (La Cérémonie des adieux suivi de Entretiens avec Jean-Paul Sartre : août - septembre 1974), biografia. As suas obras oferecem uma visão sumamente reveladora de sua vida e de seu tempo. Em seu primeiro romance, A convidada (1943), explorou os dilemas existencialistas da liberdade, da ação e da responsabilidade individual, temas que abordou igualmente em romances posteriores como O sangue dos outros (1944) e Os mandarins (1954), obra pela qual recebeu o Prémio Goncourt e que é considerada a sua obra-prima. As teses existencialistas, segundo as quais cada pessoa é responsável por si própria, introduzem-se também em uma série de quatro obras autobiográficas, além de Memórias de uma moça bem-comportada (1958), destacam-se A força das coisas (1963) e Tudo dito e feito (1972). Entre os seus ensaios críticos cabe destacar O segundo sexo (1949), uma profunda análise sobre o papel das mulheres na sociedade; A velhice (1970), sobre o processo de envelhecimento, onde teceu críticas apaixonadas sobre a atitude da sociedade para com os anciãos; e A cerimónia do adeus (1981), onde evocou a figura de seu companheiro de tantos anos, Sartre. Neste dia de celebração do seu aniversário será bom o pretexto para mergulhar-se na obra desta grande mulher de letras francesa.

Tuesday, January 07, 2014

Max Bruch em dia de aniversário

Max Christian Friedrich Bruch, também conhecido como Max Karl August Bruch, foi compositor e regente alemão do período romântico da música dita erudita. Max Bruch Nasceu a 6 de Janeiro de 1838 em Colónia na Alemanha e viria a falecer em Friedenau, subúrbio de Berlim, também na Alemanha a 20 de Outubro de 1920 com 82 anos de idade. Está sepultado no Alter St.-Mathäus-Kirchhof em Berlim. Max Bruch escreveu mais de 200 obras musicais, incluindo três concertos para violino, um dos quais é considerado "pièce de résistance" do repertório violinístico. Foi nomeado diretor da Orquestra de Liverpol e viria a recebe o título de Doutor Honoris Causa pelas Universidades de Cambridge e Berlim. Em Berlim, ingressa na Academia de Belas Artes como diretor. Entre suas obras mais importantes estão os seus concertos para violino, entre os quais o "Concerto n.º 1 em Sol menor para Violino e o Orquestra", que continua tendo ainda hoje uma aceitação extraordinária, comparado com o também famoso concerto para o violino de Mendelssohn. Também são muito conhecidas hoje em dia sua "Fantasia Escocesa", para Violino e Orquestra, as "Danças Suecas" e suas "Variações sobre o Kol Nidrei", para o Violoncelo e Orquestra, baseadas em melodias litúrgicas judaicas. É precisamente do seu "Concerto para Violino No. 1" que vos deixo aqui um extrato que podem ver e ouvir aqui https://www.youtube.com/watch?v=srQLtBsiiKc . Um compositor a descobrir pelo seu valor emérito e que, normalmente, passa um pouco ao lado dos ouvintes, mesmo os mais acostumados, a estas coisas da música dita clássica.

Obrigado, Eusébio! - II

Embora, como já disse, na crónica anterior, não sou um adepto de futebol, contudo não pude deixar de ficar indiferente ao que se passou no funeral de Eusébio. Durante todo o dia de hoje, todos fomos assistindo a manifestações de enorme pesar, pautadas aqui e ali, por uma certa alegria, numa forma africana de encarar a morte, que já tinha visto a quando do falecimento de Nelson Mandela. Sabia da popularidade de Eusébio - afinal até é do meu tempo ainda quando ele encantava nos relvados -  mas nunca esperei ver aquilo que vi. Foram momentos tocantes, inesquecíveis, comoventes que, mesmo para um não adepto de futebol, marcou para sempre. Vi a estátua de Eusébio no estádio da Luz coberta de cascóis, tarjas, mensagens, objetos diversos, etc., que a cobriram na totalidade. Vi o Rei Eusébio coroado pelo povo anónimo que lhe quis assim prestar a última homenagem. Mas vi também, o que se passou em Old Trafford com um minuto de silêncio proporcionado pelo Manchester United que logo foi substituído por um aplauso unânime de pés de todos os espectadores; vi o que hoje se passou no Santiago Barnabéu, com a homenagem que o Real Madrid lhe proporcionou. Mas vi também a imprensa internacional falar (muito) de Eusébio. Vi a americana CNN a não deixar passar ao lado a figura mítica do rei do futebol, mas, e mais surpreendente ainda, via a Al-Jazeera, a cadeia árabe do Qatar, a também idolatrar o ídolo português. Vi jornais na China e no Japão com as primeiras páginas com fotos de Eusébio. E pensei para comigo, este homem que já abandonou o futebol à tantos anos, - a maioria das pessoas que falam dele hoje não têm sequer idade para o terem visto jogar -, como pode um homem assim ser tão globalizante? Que mística é esta que envolve o nome desta figura lendária dum país tão pequeno e pobre como Portugal? Será só o futebol? Ou será também a figura de um homem bom, amigo do seu amigo? Confesso que não sei. Se calhar nem é o mais importante nesta altura. O importante é que ele é um símbolo de Portugal no mundo. Ajudou a projetar o nome de Portugal no mundo numa altura em que até tínhamos vergonha de no estrangeiro dizermos que éramos portugueses. Agora, depois de morto, continua a projetar o nome de Portugal. Morto não, desaparecido porque os heróis não morrem apenas desaparecem e Eusébio foi um herói português. E quando ouvimos Assunção Esteves, num momento pungente, vir dizer que a transladação para o Panteão Nacional é muito cara, - e pelos vistos até errou nos custos que afirmou - vê-se que não percebe o que se passa à sua volta, e não entende o ridículo em que está a cair. Com certeza que Eusébio merece ir para o Panteão Nacional onde já está Amália. Eles foram, de facto, os verdadeiros embaixadores do nosso país até ao dia em que morreram, quiçá, até depois de terem desaparecido. Eusébio ir para o Panteão Nacional é a forma melhor de o povo - aquele povo que adora futebol, mas não só - também lá entrar. Sou de acordo que ele seja transladado para lá, afinal, fez mais por Portugal do que muita gente com ar grave e sério que apenas se aproveitou (a) para encher os bolsos. E ele, não o esquecemos, nunca enriqueceu. Nunca se vendeu por um punhado de moedas. Só por isso, já é um herói. O resto o povo já o disse ontem e hoje, duma forma clara, pungente, nestas grandes cerimónias que lhe foram feitas.

Sunday, January 05, 2014

Obrigado, Eusébio!

Fui hoje surpreendido pela notícia da morte de Eusébio da Silva Ferreira às 3,30 horas da madrugada, a poucos dias de cumprir 72 anos de idade. E, embora não sendo um adepto de futebol, não queria deixar de fazer esta homenagem a um homem que foi um ícone do futebol português. Um homem simples, que não tinha o dom da palavra, mas sim, aquilo que de melhor um homem pode ter, um coração grande. Homem tenaz que levou sempre em frente a sua convicção de vitória, quer do seu clube de sempre, quer da seleção nacional, que queria sempre acompanhar. O Eusébio foi o meu ídolo de juventude, diria mais, de meninice. Como hoje, Cristiano Ronaldo o é para os jovens desta geração, a minha cresceu a ouvir falar de Eusébio, dos seus fantásticos golos, dos relatos emocionados, mais tarde, das imagens de televisão. Foi um dos maiores jogadores do seu tempo, que ainda nestes nossos tempos, fazia admiração onde quer que aparecesse, em Portugal ou no estrangeiro. Teve um único rival no seu tempo, Pelé, mas muitos dizem que Eusébio foi melhor que o jogador brasileiro. Pelé já então tinha uma máquina de marketing, que fazia toda a diferença. Eusébio não tinha nada disso, apenas a sua humildade e a classe que exibia dentro de campo. Vimos como Eusébio se superiorizou a Pelé no mundial de 66, quando Portugal bateu o Brasil por 3-1. Nesse mesmo mundial, vimos como a tenacidade e a crença de Eusébio fazia a diferença, quando perante a Coreia do Norte, Portugal perdia por 3-0 ao intervalo, e viria a ganhar por 5-3 no final, com uma atuação soberba do "Pantera Negra" como Eusébio era conhecido que marcou 4 golos. ("O Rei" como também lhe costumavam chamar). Nesse mesmo mundial Vi Eusébio chorar por Portugal, quando perdemos com a Inglaterra e não fomos à final. Hoje Portugal chora por Eusébio. (Marcou 733 golos na sua carreira 743 jogos!). Foi campeão europeu em 62 e só não o foi em 61 por uma birra administrativa feita pelo Sporting. Mas isso, agora não importa. Eusébio transcendeu muito o seu clube de coração, transcendeu a seleção de Portugal, transcendeu as fronteiras do seu país, - embora fosse moçambicano, nessa altura Moçambique não era um país independente -, foi uma estrela mundial. Já hoje vi muitas pessoas que não são do Benfica a prestarem-lhe homenagem. É bonito assim, porque para além do futebol e das rivalidades compreensíveis, existia um homem grande, como grande era a sua humildade, como grande era o seu coração. Como afirmou José Mourinho: "Eusébio é Portugal". Nesta hora de luto nacional, só me resta dizer que descanses em paz, Eusébio, pelas alegrias que me deste enquanto criança, quando colecionávamos os cromos com a tua foto, e tentávamos ensaiar nas ruas, os teus passes de mágica com um bola de trapos. Por tudo isto me curvo perante a tua memória. Obrigado, Eusébio! Foste um herói, e apesar de teres desaparecido, não morreste, porque os heróis não morrem. Até sempre. Descansa em paz, Eusébio!

Equivocos da democracia portuguesa - 315

Fomos surpreendidos - ou talvez não - pelas declarações do ministro dos assuntos parlamentares - Luís Marques Guedes - sobre as medidas para substituir o chumbo anunciado do Tribunal Constitucional. E vai daí, mais um "cortezito" nas pensões e nos reformados para não variar. Afinal seguindo aquilo que sempre vem negando - ainda alguém acredita? - de que não sobe impostos. Porque o alargar a base de pensionista e aplicar-lhes uma taxa extraordinária não é, nada mais, nada menos, do que um imposto camuflado. Mas nem tudo são desgraças porque para além desta medida anunciada, ainda enriquecemos o nosso léxico com mais uma palavra "calibração". Temos que confessar que, gostemos ou não deste governo, ele em muito tem contribuído para a semântica desta língua lusa sempre em mutação. Já tivemos várias, até com significados diferentes e que achávamos não ser possível como foi o caso do famoso "irrevogável", mas nada mais errado, porque temos um governo que do verbo ainda nos leva a palma, pelo menos aos dez milhões de portugueses que somos, ou melhor, um pouco menos porque os outros já se foram embora. Mas para além deste lado mais caricato do executivo, não deixa de ser preocupante as medidas tomadas, que para além de substituir resultados que temos que apresentar à "troika" já se vai tornando claro que é uma agenda política desta gente. E porquê esta sanha sobre os funcionários públicos e sobre os reformados e pensionistas? Talvez porque o governo pense que do lado dos funcionários públicos não virão grandes votos, dos mais pobres também não, e que a classe média os irá acompanhar nesta caminhada, talvez iludido com o aumento do indicador da venda de automóveis. Mas ou estamos muito errados, ou o governo perceberá dentro de mais algum tempo que estava equivocado quando assim pensou, como errado tem andado com as medidas aplicadas que vão falhando umas atrás das outras e que reduziram Portugal ao nível da Albânia, não à Albânia de hoje, mas aquela outra do tempo de Enver Hoxha. Como dizia na sexta-feira passada, Silva Peneda, - um PSD não esqueçamos -, em entrevista ao Jornal de Negócios: "Tem sido demasiado sacrifício para tão pouco resultado". Esta é uma ideia que há muito faz carreira dentro até de pessoas da esfera dos partidos do governo, que não se revêm nesta liderança, nem nestas políticas, como é por exemplo o caso de Manuela Ferreira Leite. Citando o professor Pedro Lainz: "O PSD foi apanhado por extremistas", e são estes que vão alegremente desfazendo Portugal, vendendo-o a preço de saldo, destruindo o Estado social, de molde a que seja impossível voltar a trás. O caso da diminuição dos apoios à ADSE é evidente, tentando dar de barato à iniciativa privada, através dos seguros de saúde, aquilo que era a política social do Estado. Curiosamente um caminho inverso àquele que os EUA estão a seguir, embora contrariada pelos republicanos mais ultraliberais! Mas será provável que a mão pesada do governo vá aligeirando um pouco porque este ano é de eleições (europeias) e o próximo também o será (legislativas). Mas já nestas europeias que se aproximam, será importante que se dê um recado claro à Europa, porque esta situação também vem do seu seio com seguidores desta estratégia como é o caso de Durão Barroso. Se se conseguir eleger para este cargo o social-democrata alemão, Martin Schulz, - que já deu mostras de preferir outro caminho -, talvez aí comece a tão esperada redenção porque todos ansiamos. No entretanto, vamos assistindo a esta coisa extraordinária que é, não se ver o Estado ser capaz de fazer a sua verdadeira reforma que tão necessária é, reduzindo a despesa, mas sim, o aumentar os impostos duma maneira camuflada. Utilizará o governo o seu chavão habitual de que não existe outra solução. Mas isso é mais uma falácia. Existem outros caminhos só que saem da agenda política deste executivo, e como tal, não são aplicados. E o da austeridade pela austeridade não será um deles. Como afirma Mark Blyth: "A austeridade é uma ideia realmente muito perigosa", e até o consegue demonstrar com uma clareza cristalina.

Friday, January 03, 2014

Steve Hackett - O guitarrista dos Genesis a solo

Os Genesis foram um grupo que marcou a música dos anos 80 e 90 do século passado, (digno representante do chamado Theatical Rock), e que mantinha uma rivalidade com um outro grande agrupamento da época os famosos Yes. Esta rivalidade era mais fruto dos fãs do que real, contudo, estes dois agrupamentos foram muito importantes na história da música moderna, com músicos de excelente qualidade. Eram bandas que iam muito para além do 1x1 ou 2x1 básicos dos músicos de então. Os Genesis contavam nas suas fileiras com executantes de formação clássica e jazzística de elevado gabarito. Dentre eles, aqui quero realçar hoje, Steve Hackett, o seu virtuoso guitarrista. Isto a propósito dum disco que ele editou no ano de 2012 com o título "Genesis Revisited II". E é o número 2 porque já em 1996 Steve Hackett tinha editado o número 1. Neste disco como no anterior, Hackett mergulha no universo dos Genesis e vai buscar alguns dos mais famosos temas de então, vesti-los com outras roupagens - embora mantendo-se fiel aos temas originais - e dar-lhes uma nova vida. Com que prazer escutamos "Supper's Ready" ou "The Return of the Giant Hogweed", para já não falar no famoso "Musical Box". Este duplo CD é assim uma viagem ao passado, embora não seja de todo, um disco revivalista. É apenas uma espécie de buscar na memória temas que fizeram as delícias dos fãs, com uma visão mais próxima da música que hoje se faz. Sem perder o rigor musical que caraterizou os Genesis, Steve Hackett transporta-nos numa viagem ao longo do tempo, leva-nos a revisitar as nossas memórias, os nossos momentos que gravaram a nossa juventude. Um duplo CD que aconselho a todos aqueles que, noutros tempos, cultivaram os sons dos Genesis, mas também a todos os que gostam de boa música tocada por excelentes executantes. A edição é a "InsideOut Music". O CD está disponível no mercado português em circuito de importação. Mas não deixem passar ao lado este disco, e já agora, tentem também o primeiro da série, e vão ver que vai valer bem a pena. Recomendável.

Thursday, January 02, 2014

Manuel Seabra - A memória que quero guardar

Fui ontem surpreendido pela notícia da morte do Dr. Manuel Seabra, atual deputado do PS e ex-autarca da C. M. de Matosinhos pelo mesmo partido. Não quero aqui falar do político mas sim do homem. Nunca conheci Manuel Seabra na intimidade embora ele morasse aqui bem perto do local onde habito. Apenas a vida quis que nos cruzasse-mos numa altura muito trágica para mim já lá vão 13 anos. E por isso, aqui estou a dar o meu testemunho. Não tecendo laudas ao político que era, porque isso outros farão, mas simplesmente para aqui dar testemunho de pequenos - talvez enormes - gestos que as pessoas não conhecem e que, normalmente, não enchem as páginas noticiosas. Há 13 anos atrás, e fruto dum problema criado à minha mãe por pessoas que viviam próximas, ela viu-se envolvida numa questão que motivou a intervenção da C. M. de Matosinhos. Tratava-se então da construção duma marquise que a minha mãe tinha construído e que, para alguns, não o poderia ter feito. (A razão mais profunda deste desaguisado prende-se com o construtor da mesma, um jovem que estava a iniciar a sua carreira por conta própria a quem a minha mãe queria ajudar, e que não era muito estimado pelas mesmas pessoas que despoletaram a situação). Tive conhecimento do que se estava a passar no dia 31 de Dezembro de 2000, curiosamente, 13 anos antes de Manuel Seabra falecer. Depois de muitas trapalhadas, com alguns episódios rocambolescos à mistura, acabei por levar o assunto junto da presidência de então. No entretanto, a saúde da minha mãe foi-se agudizando fruto desta questão, - e logo despoletada por pessoas com quem ela tinha bom relacionamento até essa altura -, e que haveria de ter um desfecho trágico. No início de Abril de 2001, consegui a tão esperada reunião com o vice-presidente, Manuel Seabra, na impossibilidade de a ter com o presidente que se encontrava ausente do país. Depois de lhe explicar o caso, ele dir-me-ia: "Não se preocupe com isso. Vá ao hospital Pedro Hispano que é aqui bem perto, e diga à sua mãe que não se preocupe com nada, que não vale a pena ficar doente com este assunto. Daqui a três dias passe por cá que já terei o documento assinado. E que ela recupere rapidamente". Ainda teve tempo de me dizer, dando alguns exemplos que já lhe tinham passado pelas mãos enquanto autarca, a sua visão das "gentes menores que viviam do mal alheio" - segundo a sua própria expressão - ensinando-me a distinguir aquelas que são dignas, das outras, segundo o seu critério apertado de decência. Depois desta conversa, fiz o que ele me disse. Mal saí da reunião telefonei à minha mulher que estava no hospital junto da minha mãe a dar a notícia. E depois fui para lá. A minha mãe ficou-lhe muito grata, nem Manuel Seabra soube quanto. Só que a notícia veio tarde, e a doença despoletada por este episódio, já tinha feito o seu percurso. A minha mãe viria a morrer pouco mais duma semana depois. Mas, pelo menos, ainda teve tempo de saber que tinha sido feita justiça. Fiquei sempre eternamente grato a Manuel Seabra. Nunca mais nos cruzamos. Mas este encontro marcou, definitivamente, a minha vida. Por isso aqui o trago porque julgo que é nestes momentos decisivos que devemos prestar homenagem àqueles que souberam estar verticais na vida. Não me interessa o partido, nem é por isso que aqui venho, apenas o gesto dum Homem digno - o H maiúsculo é bem merecido - que soube estar à altura das funções que então desempenhava. Daí, volvidos 13 anos, aqui estou a desejar que descanse em paz. Este episódio que calou bem fundo no meu coração servirá - assim espero - de testemunho nesta hora derradeira. Esta é a memória que quero guardar de Manuel Seabra, memória perante a qual me curvo respeitosamente. Fico eternamente grato. Descansa em paz, Manuel Seabra!

Quem não erra ou uma primeira reflexão para o novo ano

Apontamos quase sempre o dedo a quem erra... Condenamos os outros com enorme facilidade. Compreendemo-los pouco, perdoamo-los ainda menos. Apontamos quase sempre o dedo a quem erra... Condenamos os outros com enorme facilidade. Compreendemo-los pouco, perdoamo-los ainda menos. Mas, será que atirar pedras é o mais justo, eficaz e melhor? Temos uma necessidade quase primária de julgar o comportamento alheio, de o analisar e avaliar ao mais ínfimo detalhe, sempre de um ponto de vista superior, como se o sentido da nossa existência, a nossa missão, passasse por sentenciar todos quantos cruzam a sua vida com a nossa condenando-os na firme convicção de que assim estamos a ajudar a melhorar. Comete erro em cima de erro quem se dedica a julgar os erros dos outros. Julgamos de forma absoluta, na maior parte das vezes, generalizando um gesto ou dois, achando que cada pequena ação revela tudo quanto há a saber sobre determinada pessoa mais, achamos que cada homem ou é bom ou é mau como se não fossemos todos de carne e osso de luz e sombras. Já a nós não nos julgamos nem nos deixamos julgar. Consideramos que, no caso específico da nossa vida, são tantos os factores que têm de se levar em conta (quase todos atenuantes) que se torna impossível qualquer tipo de veredicto optando, assim, por uma espécie de arquivamento dos processos dada a complexidade das questões. Reconhecemo-nos incapazes de ponderar tudo mas se em nós não conseguimos avaliar o erro, por que razão estamos tão à vontade quando se trata do dos outros? É curioso, e uma prova da inteligência comum, que partindo da verdade universal de que todos erramos, nos sirva mais isso para nos desculparmos a nós mesmos do que aos outros afinal, nós não somos superiores àqueles que passamos a vida a condenar. Por isso, devíamos ser capazes de os desculpar tanto quanto o fazemos a nós próprios. Mais, pode acontecer que alguém tropece, depois de nós, numa pedra que nós não atirámos para fora do caminho. Quem erra, faz-se vagabundo. Vai contra a sua vontade mais profunda, afasta-se da verdade. Erramos de cada vez que nos deixamos levar pela tentação das paixões momentâneas, pelos juízos precipitados e levianos sempre que nos deixamos seduzir pelas falsas e brilhantes luzes das aparências ao errar afastamo-nos de nós mesmos, perdemo-nos em vazios. Acreditamos que as nossas sentenças revelam, através do nosso sempre muito afiado sentido de justiça, a superioridade moral de uma vida acima do comum quando afinal tal consideração apenas nos afasta, ainda mais, da verdade de nós mesmos. Numa vida acabada é sempre mais fácil dar sentido ao erro. Mas, no dia-a-dia desta nossa existência a fazer-se, quem comete o maior erro: o que não tenta para não errar ou o que erra tentando acertar? Precisaremos sempre de quem nos anima a corrigirmo-nos, não de quem nos reprova e só sabe magoar. Não somos seres perfeitos a quem o erro degrada, mas antes seres imperfeitos a quem o erro pode ensinar. Errando, posso ter noção do que sou, de onde estou e do caminho que devo fazer. Na desorientação geral do nosso tempo, há algo que se pode (e deve) fazer: ir ao encontro de quem falha e aceitá-lo como igual. Construindo um caminho conjunto, longe dos julgamentos para mais perto da perfeição. O mais justo, eficaz e melhor será mesmo compreender e perdoar, pois quem erra, engana-se. A si mesmo. E isso, na maior parte dos casos, já é pena suficiente. Nunca faltará quem nos julgue mas muito mais valioso será quem, com humildade, nos aceite quem nos ame, apesar de tudo.

Wednesday, January 01, 2014

Oração à Sagrada Família - Papa Francisco

Hoje, primeiro dia do ano de 2014, é o Dia Mundial da Paz. A Paz tão falada e tão arredada do coração dos homens. É um dia em que também se celebra o Dia de Maria mãe de Jesus e, por extensão, a família. Ela também vilipendiada e destroçada nestes tempos, ditos modernos, que são tempos de confusão, de indefinição, de perda de valores, de ira, em suma. Assim, e embora eu não seja dado a dias de isto e daquilo, vou fazendo algumas conceções e esta é uma delas. Por isso, e porque penso que a Paz e a Família são valores que deverão ser recuperados nestes dias difíceis por que passamos, neste mundo conturbado, queria aqui partilhar uma oração da autoria do Papa Francisco que tanto tem agitado as águas sempre paradas da Igreja. Ela aqui fica, como pendor de reflexão, neste primeiro dia de 2014, para que dela nos lembremos e tentarmos ser, seres melhores para com os nossos semelhantes, para com os animais e para com a natureza, porque todos partilhamos este mistério da vida que teimamos em não celebrar.
 
ORAÇÃO
Jesus, Maria e José
a vós, Sagrada Família de Nazaré,
hoje, dirigimos o olhar
com admiração e confiança;
e, vós contemplamos
a beleza da comunhão no amor verdadeiro;
a vós confiamos todas as nossas famílias;
para que se renovem nessas maravilhas da graça.

Sagrada Família de Nazaré,
escola atraente do santo Evangelho:
ensina-nos a imitar as tuas virtudes
com uma sábia disciplina espiritual,
doa-nos o olhar claro
que sabe reconhecer a obra da providência
nas realidades quotidianas da vida.
Sagrada Família de Nazaré,
guardiã fiel do mistério da salvação:
faz renascer em nós a estima pelo silêncio,
torna as nossas famílias cenáculo de oração e
transforma-as em pequenas Igrejas domésticas,
renova o desejo de santidade,
sustenta o nobre cansaço do trabalho,
da educação, da escuta,
da recíproca compreensão e do perdão.
Sagrada Família de Nazaré,
desperta na nossa sociedade a consciência
do carácter sagrado e inviolável da família,
bem inestimável e insubstituível.
Cada família seja morada acolhedora
de bondade e de paz
para as crianças e para os idosos,
para quem está doente e sozinho,
para quem é pobre e necessitado.

Jesus, Maria e José
a vós com confiança rezamos,
a vós com alegria nos confiamos.

Papa Francisco
Um bom e feliz ano de 2014 para todos.