Turma Formadores Certform 66

Monday, April 28, 2014

Sobre a canonização de João XXIII e João Paulo II

Ontem assistimos a um momento inédito na história da Igreja. Algo que ao que julgo saber, nunca tinha acontecido em dois mil anos de Cristianismo. Uma cerimónia que uniria quatro Papas, dois vivos - Papa Francisco e o emérito Bento XVI - e dois já desaparecidos  - João XXIII e João Paulo II - que ontem foram canonizados no Vaticano em Roma. E se essa cerimónia só por si já era relevante e objeto de notícia, as canonizações tiveram para mim um interesse particular. João XXIII - o chamado "Papa bom" - ficará sempre associado ao Concílio Vaticano II que ainda hoje se faz sentir na Igreja. Mas João XXIII representa para o meu imaginário algo mais. Quando este Papa simples lançou uma verdadeira "revolução" no seio da Igreja era eu ainda menino. Lembro-me que vivia em casa dos meus avós maternos e vi-a o meu avô de ouvido encostado ao velho rádio de válvulas a escutar a emissão que vinha do Vaticano. Com ruídos imensos, com quebras constantes. A televisão ainda era o privilégio de alguns, (muito poucos), nessa época já longínqua. Não sabia o que se passava mas tinha a noção de que era algo importante. Não entendia mas sabia que pelo ar grave e sério do meu avô seria, seguramente, algo que iria perdurar na História. A quando do seu falecimento o mesmo ritual se passou e lembro com saudade as emoções que perpassaram na casa. Nem tinha bem a ideia do que representava tudo isso, sabia que o que se estava a passar seria de importância enorme. Só mais tarde vim a perceber o que representou essa "pedrada no charco" no seio da Igreja e as convulsões e até conflitos que veio criar no seio dum clero conservador, avesso à mudança, mesmo quando ela era imposta por um dos seus. As discussões em torno do Concílio Vaticano II foram intermináveis, - nem sempre muito pacíficas -, discussões que ainda hoje ecoam pelos corredores da Cúria. Foi ele que tirou a Igreja duma certa Idade Média que ainda a envolvia e a devolveu a uma certa modernidade com as reformas que implicava. Já João Paulo II tem um outro impacto. O "Papa da família" como é conhecido, teve um importante papel no redesenhar até - e porque não dizê-lo - das fronteiras da Europa. Duma Europa da "cortina de ferro" para uma Europa mais aberta. Com ele deu-se a queda do Muro de Berlim, e do comunismo soviético, vindo abrir novos horizontes de democracia na Europa. Infelizmente, nem sempre isso foi visto com esta transparência e o recente conflito na Ucrânia diz bem do que falo, com uma Rússia ainda nostálgica do seu passado recente e hegemónico. (Ao fim e ao cabo este país ainda é dirigido por figuras que pertenceram ao comunismo soviético e que se reciclaram rapidamente). Este tipo de atitudes é sempre controversa e deve gerar desconfiança, e o exemplo do que se está a passar na Ucrânia e do posicionamento da Rússia, são bem claros sobre isso. Mas acresce ainda que João Paulo II foi o único Papa que conheci pessoalmente quando por cá passou e visitou o Porto numa manifestação popular verdadeiramente impressionante. Salvo erro a 15 de Maio de 1982. Mais tarde tentei ir a uma sua audiência em Roma mas não tive oportunidade de me encontrar com ele. Cada um à sua maneira foram figuras que influenciaram o seu tempo, o tempo em que viveram. O mundo não permaneceu igual depois de estes dois homens terem exercido o seu ministério. A canonização é apenas o culminar, o reconhecimento, do que eles foram e representaram para o mundo. Não quero aqui falar sobre a sua condição de Santos. Não tenho conhecimentos nem argumentos para ir num sentido ou noutro. Mas julgo importante trazer à ribalta estas duas figuras enormes pela importância que tiveram para o mundo, cada um à sua maneira, com a sua visão do seu tempo e espaço que ocuparam quando viveram. Mas dar a conhecer, sobretudo aos mais jovens, estas figuras podem ser inspiradoras - e sê-lo-á seguramente - para quem não os conheceu, não vivenciou os acontecimentos no tempo adequado. Ontem foi um dia grande para a Igreja. Será seguramente um dia grande para os crentes ou não crentes que acabaram por buscar a inspiração nestas duas figuras seja qual for o seu credo, e até para aqueles que não o têm. Daí a sua grandeza. Daí a sua relevância. O resto será o tempo a ditar.

Saturday, April 26, 2014

Paradoxos - George Carlin

Mais uma vez, nestes tempos de ira que são os nossos, gostava de vos trazer um texto para reflexão. Num tempo em que diariamente se ora ao deus do efémero, numa altura em que a desesperança invade cada um, é sempre importante pararmos um pouco para pensar sobre aquilo que nos rodeia e, se possível, conseguir separar o trigo do joio, ou seja, aquilo que de facto é importante, face ao que, embora nos parecendo importante, não deixa de ser verdadeiramente efémero. Nestes dias de desencanto é sempre bom termos algo para nos agarrar e refletir. Por isso, vos trago aqui hoje este texto, que muito me impressionou a quando da sua leitura. Diz assim: "O paradoxo do nosso tempo é que temos edifícios mais altos e temperamentos mais reduzidos; estradas mais largas e pontos de vista mais estreitos. Gastamos mais, mas temos menos; compramos mais, mas desfrutamos menos. Temos casas maiores e famílias mais pequenas; mais conforto e menos tempo. Temos mais graduações académicas, mas menos sentimentos comuns; maior conhecimento, mas menor capacidade de julgamento. Mais peritos, mas mais problemas; melhor medicina, mas menor bem-estar. Bebemos demasiado, fumamos demasiado, desperdiçamos demasiado, rimos muito e irritámo-nos demasiado. Mantemo-nos muito tempo acordados, acordamos cansados, lemos muito pouco, vemos televisão em demasia e oramos raramente. Multiplicamos o nosso património, mas reduzimos os nossos valores. Falamos demasiado, amamos demasiado pouco e odiamos muito frequentemente. Aprendemos a ganhar a vida, mas não a vivê-la. Adicionamos anos às nossas vidas, não vidas aos nossos anos. Conseguimos ir à lua e voltar, mas temos dificuldade em atravessar a rua para conhecer um novo vizinho. Conquistamos o espaço exterior, mas não o interior; temos feito grandes coisas, mas nem por isso as melhores. Conquistamos o átomo, mas não os nossos preconceitos. Aprendemos a apressar-nos, mas não a esperar. Produzimos computadores que podem processar maior informação e difundi-la, mas comunicamos cada vez menos. Estamos no tempo das comidas rápidas e digestões lentas, de homens de grande estatura e de pequeno caráter, de enormes ganhos económicos e relações humanas superficiais. Hoje em dia, há dois ordenados, mas mais divórcios; casas mais luxuosas, mas lares desfeitos. São tempos de viagens rápidas, fraldas descartáveis, moral descartável, encontros de uma noite, corpos obesos, e pílulas que fazem tudo desde alegrar e acalmar, até matar. São tempos em que há muito na montra e muito pouco no armazém. Lembra-te de passar algum tempo com os teus entes queridos, porque eles não estarão aqui para sempre. Lembra-te de abraçar quem está perto de ti, porque esse é o único tesouro que podes dar com o coração, sem que te custe um cêntimo. Lembra-te de dizer "amo-te" ao teu companheiro e aos teus seres queridos, mas, sobretudo, di-lo com sinceridade. Um beijo e um abraço podem curar uma ferida, quando se dão com toda a alma. Dedica tempo para amar e para conversar. E nunca esqueças que a vida não se mede pelo número de vezes que respiramos, mas por aquilo que se Ama." Seria bom que deixássemos as portas, que este texto abre, bem escancaradas. Que pensemos sobre ele com os olhos distantes de quem está de fora das situações. Penso que só assim, poderemos tirar todos os ensinamentos que ele encerra.

Thursday, April 24, 2014

40 anos depois da revolução dos cravos

Era uma manhã prenhe de neblina quando atravessei a Praça da Liberdade em direção ao meu local de estudo. Ao fundo da Avenida dos Aliados, junto à Câmara Municipal do Porto estavam estacionados alguns Chaimites do exército. Achei estranho, mas pensei que fossem alguns exercícios, afinal estávamos em guerra em África. Mais tarde, e já com as aulas a decorrer, vim a saber que algo de extraordinário se passava. Os militares estavam a fazer um golpe de Estado, embora ainda não se soubesse ao certo qual a orientação. As notícias foram chegando a conta-gotas, - nesse tempo ainda não havia internet, nem telemóveis e a televisão estava reduzida apenas à RTP oficial a preto e branco -, pouco se sabia, mas no ar existia algo de estranho. À medida que o sol foi irrompendo no céu, as notícias já eram mais consistentes. De facto, existia um golpe de Estado para derrubar a ditadura. Como é normal nestas coisas, os estudantes assumem logo uma posição mais determinada. As aulas foram suspensas. Nessa tarde viemos para a Avenida dos Aliados ver o que se passava. Já era clima de festa. Já se dava por terminado aquilo que ainda levaria horas a concluir. Mas o povo estava na rua, - já não queria acreditar que se voltasse atrás -, confraternizava com os militares. Era a esperança a ocupar um espaço que antes era tido por um lugar de repressão pela tropa de choque do regime. Era uma Primavera nova e diferente esta que se nos abria no horizonte. Depois, já todos conhecemos a estória. Foram os tempos em que o poder andou pelas ruas, foram os tempos das utopias, foram os tempos da busca dos impossíveis. Mas tudo isso tinha uma razão de ser. Era a liberdade que passava por aqui, depois de muitos anos de ditadura. Havia pessoas como eu que nunca a tinham conhecido, apenas com ela contactava quando saía as fronteiras, e isso era um privilégio de poucos. Com altos e baixos, com avanços e recuos, lá se foi construindo a democracia. Foi a respeitabilidade para a escola pública, foi a criação do Serviço Nacional de Saúde, que foi modelo para muitos países por esse mundo fora, foi a dignificação do ser humano enquanto tal, livre como é a sua essência desde que nasce. Por isso, olho com tristeza para o que se está a passar agora entre nós. 40 anos depois, um grupo de pessoas tomou o poder legitimado pelo voto, (valor supremo da democracia), e com essa legitimação para governar têm-na usado para destruir aquilo que o 25 de Abril criou. Um país despedaçado, empobrecido. Um país esmagado pelo peso dum grupo de pessoas que nos entraram pela porta adentro, mas sobretudo, um país destruído por um grupo de jovens que ocupam momentaneamente os corredores do poder, que se deslumbraram e viram a oportunidade de impor a sua agenda política à muito fechada na gaveta à espera do tempo certo. E esse tempo aí estava e legitimado. Esse grupo de jovens que ocupa momentaneamente o poder, achou que estava legitimado para tudo e começou o seu ajuste de contas com o regime e a democracia. Afinal o memorando da "troika" servia muito bem para se esconderem atrás dele. Pessoas que nunca viveram em ditadura, ou dela não terão grande memória, acham-se uma espécie de deuses. Não é a "troika" que devemos refutar, mais do que isso, devemos rejeitar aquilo que, em nome da "troika" se está a fazer a este país. 40 anos depois, a esperança praticamente já não existe. Olho para as pessoas e vejo os mesmos rostos fechados, cinzentos, tristes, os mesmos rostos que vi-a à 40 anos. Vejo que muita gente já descrê da democracia face áquilo que ela lhes trouxe pela mão duns jovens que momentaneamente ocupam os corredores do poder. Dói-me que assim seja, mas compreendo. Talvez por isso, o 25 de Abril este ano seja celebrado em dois palcos distintos, o da cerimónia oficial na Assembleia da República e o do histórico Largo do Carmo onde os militares de Abril, e não só, estarão. À mesma hora, simbolizando que há duas maneiras de olhar para esta data histórica. A oficial, vazia de conteúdo, onde nem os militares estarão, - "o problema é deles"! -, e a mais genuína feita por quem há 40 anos tudo arriscou - prisão, inclusive a vida - para que existissem pessoas como estas que ocupam momentaneamente os corredores do poder, com legitimidade para a destruir. Nós todos, também temos que fazer a nossa escolha. Eu já fiz a minha.

Monday, April 21, 2014

Gabriel García Marquez (1927-2014)

Todos sabemos que o nosso tempo é finito. Mas nem sempre - para não dizer quase nunca - o aceitamos como tal. Isso leva-nos a que quando alguém desaparece fiquemos como órfãos, mesmo que não tenhamos conhecido a pessoa em causa. Este foi o caso quando soube da morte de Gabriel García Márquez, escritor e jornalista, editor e ativista político. De origem colombiana, García Márquez foi polarizando o nosso imaginários com os seus fabulosos livros. Considerado um dos autores mais importantes do século XX, foi um dos escritores mais admirados e traduzidos no mundo, com mais de 40 milhões de livros vendidos e traduzidos em 36 idiomas. Foi laureado com o Prémio Intenacional Neustadt de Literaura em 1972, e o Nobel da Literatura de 1982 pelo conjunto de sua obra, que entre outros livros inclui o aclamado "Cem Anos de Solidão", (o primeiro livro que li da sua autoria). Foi responsável por criar o realismo mágico na literatura latino-americana. Viajou muito pela Europa e viveu até à morte no México. (Daí as suas cinzas terem sido distribuídas entre a Colômbia e o México). Foi um escritor proscrito em Portugal nos tempos da ditadura como tantos outros e a ânsia da sua descoberta veio com a Revolução dos Cravos. Por isso, ele me ajudou a ver o mundo com outros olhos, Porque os seus olhos eram os dum latino-americano, filho dum continente que muito tem sofrido pelas várias tiranias que tem enfrentado. Por isso me impressionou a sua escrita. Quando por cá passou em 1975 e escreveu sobre a revolução em Portugal, passou quase despercebido. Era até desconhecido para a maioria dos portugueses que nunca tinham tido contacto com a sua obra. Mas a obra impôs-se e eu - tal como muitos jovens nessa altura - mergulhamos no seu imaginário mágico mas consciente que nos transportou para uma outra realidade que por cá se tentou ocultar durante muitas décadas. Por isso, estou-lhe grato e curvo-me perante a sua memória. García Márquez nasceu a 6 de Março de 1927 em Aracataca na Colômbia e faleceu há poucos dias, mais precisamente, a 17 de Abril de 2014 na Cidade do México. Era casado com Mercedes Barcha, o amor da sua vida desde 1958 até à sua morte. Da sua vasta obra, alguma foi passada ao cinema como foi o caso de "O Amor nos Tempos de Cólera", "A Bela Palomera", "Juego Peligroso", "O Veneno da Madrugada", "Presagio", etc. O tempo da nossa vida é finito embora nem sempre o queiramos admitir. Por isso, devemos começar já a (re)descobrir a sua fantástica obra porque os tempos são de urgência, porque os gestos marcam a diferença. Descansa em paz, Gabriel García Márquez! 

Friday, April 18, 2014

Boa Páscoa!

Mais um ciclo que se completa, mais uma Páscoa que se celebra. Festa maior do rito cristão, sempre me deixou um pouco dividido. Se por um lado, é uma época de guloseimas - mais uma -, por outro, é uma época de sacrifício. Sempre me senti dividido e incomodado com isso. Nunca compreendi porque uma festa que celebra a Ressureição e com isso a Vida, se pode tornar numa festa de morte e horror pela vontade dos homens, que nesta altura sacrificam imensos animais duma forma horrível e sofredora. Será que o Deus a que oramos necessita tanto de vítimas inocentes para aplacar a sua ira? Ou será que a vontade dos homens precisa destes rituais de masculinidade para se sentirem mais humanos, mais poderosos? É uma interrogação que vos deixo. Para mim é incompreensível tal comportamento, talvez porque não sou consumidor de carne, mas penso que será também um incómodo para quem faz dela a sua refeição. É que a carne que se come não aparece no supermercado já embalada, ela tem por trás, momentos de horror e sofrimento sem par. Porque é assim? Porque terá que ser assim? E quando penso nisto, a alegria da Páscoa esvaísse como se esvai o sangue num último suspiro, num último estertor, da vítima imolada. Quando era criança ouvia falar dum Deus duro sempre pronto a castigar a mais pequena falta. E eu associava este sacrifício a isso mesmo. Com o tempo, as mentes evoluíram e a religião também. Hoje fala-se num Deus de perdão, num Deus de amor e compaixão, num Deus que celebra e quer a Vida. Então porque será que teimamos em continuar neste sacrifício de inocentes? Em tempos idos, também outros deuses, careciam de vítimas humanas para aplacarem a sua ira contra o homem pecador. A vítima humana deixou de ser sacrificada, passou a ser crime. Foi substituída por outra, a vítima animal, que ainda não é crime. Mas estou certo de que um dia será diferente. Porque um Deus, até pelo simples facto de o ser, não pode desejar a morte dos seres vivos que Ele criou. Reflexões duma época que considero importante mas que, simultaneamente, me atormenta. Porque o tirar duma vida não pode ser o preço para nada, a menos para o que o gesto encerra, um gesto do mal. Com estas questões que me apoquentam, não queria deixar de ter um pensamento para com todos os animais imolados pela gula humana, mas desejo também de ter um pensamento para os meus ausentes que engalanam a minha já longa galeria, não esquecendo todos vós, que me seguis neste e noutros espaços. Boa Páscoa para todos!

Thursday, April 17, 2014

No aniversário de Charlie Chaplin

Ontem, celebrou-se mais um aniversário de Charlie Chaplin - o célebre Charlot - que nasceu neste dia 16 de Abril de 1889 em Walworth, Reino Unido. Sir Charles Spencer Chaplin, mais conhecido como Charlie Chaplin, foi ator, diretor, produtor, humorista, empresário, escritor, comediante, dançarino, roteirista e músico. Embora sendo conotado com a origem francesa, (talvez devido ao nome do célebre Charlot), ele era de facto britânico. É bastante conhecido pelos seus filmes "O Imigrante", "O Garoto", "Em Busca do Ouro" (este considerado por ele o seu melhor filme), "O Circo", "Luzes da Cidade", "Tempos Modernos", "O Grande Ditador", "Luzes da Ribalta", "Um Rei em Nova Iorque" e "A Condessa de Hong Kong". Desde muito cedo, Chaplin povoou o meu imaginário. Era a descoberta da televisão ainda a preto e branco com um só canal, e os seus filmes alegravam a noite através do programa dedicado ao cinema que tinha por título "Museu do Cinema" apresentado por António Lopes Ribeiro e sublinhado pela música ao piano - os filmes eram mudos - do maestro António Melo, ambos já falecidos. Eram noites inesquecíveis, quando sabíamos que o programa ia ser imitido, normalmente à segunda-feira. As peripécias de Charlot, as suas amarguras, os seus amores nem sempre correspondidos, os seus desentendimentos com os polícias, tudo isto me encantava. Mais tarde, vim a descobrir outro tipo de filmes com uma mensagem mais subliminar, como foi o caso de "O Grande Ditador" ou "Tempos Modernos". Mas o "bichinho" do cinema aí estava e por aí ficou graças ao grande talento de Charlie Chaplin. Muito deve o cinema a este grande artista que, a seu modo, testou alguns dos truques mais exuberantes desta arte com a tecnologia ainda rudimentar que existia nessa época. Chaplin viria a falecer a 25 de Dezembro de 1977 em Corsier.sur-Vevey, na Suíça.

Wednesday, April 16, 2014

Hoje encontrei o seu cão

Nesta quadra pascal que estamos a viver nunca é demais lembrar os animais sofredores que são desprezados pela ignomínia humana. Desde logo, aqueles que nesta quadra são sacrificados para alimentar a gula de muitos de nós. Daí que, sempre pensando nos animais que tanto amo, vos trouxe aqui um artigo de autor anónimo, que fala dum cão, um cão de alguém que o abandonou ou que, simplesmente, se desinteressou dele. O texto diz assim: 
 
"HOJE ENCONTREI O SEU CÃO

Não, ele não foi adoptado por ninguém. Aqui, a maioria das pessoas já têm vários cães; e aqueles que não têm nenhum, simplesmente não querem um cão. Eu sei que você esperava que ele encontrasse um bom lar quando o deixou aqui, mas ele não encontrou. Quando o vi pela primeira vez, ele estava bem longe da casa mais próxima e estava sozinho, com sede, magro e coxeava por cau...sa de um ferimento na pata.

Eu queria tanto ser você naquele momento em que parei na frente dele. Para ver a sua cauda abanando e os seus olhos brilhando ao pular nos seus braços, pois ele sabia que você o iria encontrar, sabia que você não se esqueceria dele. Para ver o perdão nos seus olhos pelo sofrimento e pela dor pelos quais ele havia passado na sua jornada sem fim à sua procura... Mas eu não era você. E, apesar das minhas tentativas para o convencer a aproximar-se, os seus olhos viam um estranho. Ele não confiava em mim e por isso não se aproximava.

Em vez disso, virou as costas e seguiu o seu caminho, pois tinha a certeza que esse caminho o levaria a você. Ele não entende que você não está à procura dele. Ele só sabe que você não está lá, sabe apenas que precisa de o encontrar. Isso é mais importante do que a comida, a água ou o estranho que lhe pode dar todas essas coisas. Percebi que seria inútil tentar persuadi-lo ou segui-lo. Eu nem o seu nome sei. Fui para casa, enchi um balde de água e uma vasilha de comida e voltei ao lugar onde o tinha encontrado. Não havia sinal dele, mas deixei a água e a comida debaixo da árvore onde ele tinha buscado abrigo do sol e um pouco de descanso.

Veja bem, ele não é um cão selvagem. Ao domesticá-lo, você tirou-lhe o instinto de sobrevivência nas ruas. Ele só sabe que precisa de caminhar o dia todo. Ele não sabe que o sol e o calor podem custar-lhe a vida. Ele só sabe que precisa de o encontrar.

Aguardei na esperança de que ele voltasse para buscar abrigo sob a mesma árvore, na esperança de que a água e a comida que tinha trazido fizessem com que ele confiasse em mim e eu pudesse levá-lo para casa, e tratar da sua pata ferida, dar-lhe um canto fresco para se deitar e ajudá-lo a entender que você já não fazia parte da sua vida. Ele não voltou naquela manhã e, quando a noite caiu, a água e a comida permaneciam intactas.

Fiquei preocupado. Você deve saber que poucas seriam as pessoas que tentariam ajudar o seu cão. Algumas enxotá-lo-iam, outras chamariam o pessoal do canil que lhe daria o destino do qual você achou que o estava salvando - depois de dias de sofrimento sem água ou comida. Voltei ao local antes do anoitecer. Não o encontrei.

Na manhã seguinte voltei, e vi que a água e a comida permaneciam intactas. Ah, se você estivesse aqui para chamar o seu nome! A sua voz é tão familiar para ele. Sem muita esperança, comecei a andar na direcção que ele tinha tomado ontem. Ele estava tão desesperado para o encontrar que seria capaz de caminhar muitos quilómetros em menos de um dia.

Algumas horas mais tarde, a uma boa distância do local onde eu o tinha visto pela primeira vez, finalmente encontrei o seu cão. A sede não o atormentava mais, a sua fome tinha desaparecido e as suas dores haviam passado. O ferimento da pata já não o incomodava mais. Agora o seu cão estava finalmente livre de todo esse sofrimento.

O seu cão morreu.

Ajoelhei-me ao lado dele e amaldiçoei-o a si por não estar aqui ontem para que eu pudesse ver o brilho, por um instante sequer, naqueles olhos vazios. Rezei, pedindo que a sua jornada o tivesse levado àquele lugar que você esperava que ele encontrasse. Se você soubesse por quanta coisa ele passou para chegar lá... E eu sofro, pois sei que, se ele acordasse agora, e se eu fosse você, os seus olhos brilhariam ao reconhecê-lo, e ele abanaria a sua cauda, perdoando-o por tê-lo abandonado.

(Autor desconhecido)"
 
Nesta altura pascal, altura para a reflexão e perdão, devemos refletir sobre o texto acima e dele tirar as necessárias ilações. Para além dos animais sacrificados para termos na mesa, para além das doçarias da época, deve haver tempo também para a introspeção e reflexão. Afinal, segundo dizem, é isso que nos diferencia dos outros animais. Embora por aquilo que vejo cada vez tenho mais dúvidas de que assim seja.

Equivocos da democracia portuguesa - 336

De facto estamos a viver um período único na nossa já longa História. diríamos mais, estamos a viver um tempo sui generis. Primeiro foi um candidato a primeiro-ministro que afirmava que não ia reduzir salários e muito menos pensões, até achava que a austeridade era excessiva e por isso ajudou a redobar o governo anterior. Depois foi o que se viu quando chegou ao poder. Logo a seguir, quando já era primeiro-ministro apelava à imigração porque Portugal não teria trabalho para todos, agora é a sua ministra das finanças que afirma que a imigração até pode ser uma coisa boa! A presidente da Assembleia da República que acha que a não ida dos militares de Abril às comemorações dos 40 anos dessa data libertadora não tem importância nenhuma - "se não querem vir é lá com eles", segundo afirmou -, embora depois vá visitar a Associação 25 de Abril numa visita de "afeto", soubesse entretanto que o governo quer reduzir ainda mais o défice face ao que estava estipulado pela "troika" (!), indiferente ao sofrimento enorme que muitos estão a fazer, já arrastados para o limiar da pobreza, com a comida a escassear na mesa. Embora o governo já tenha desmentido a notícia, a prática anterior diz-nos que não é de fiar. Então, até tivemos um ainda presidente da Comissão Europeia que teceu laudas ao ensino que se ministrava durante a ditadura! De facto, estamos a viver tempos extraordinários, onde o valor da palavra, o valor do sofrimento alheio, vale tanto como um fósforo. Neste beco sem saída para que nos arrastaram, e donde dificilmente sairemos antes que passem muitos anos, parece não incomodar os senhores do poder. Passados 40 anos sobre o 25 de Abril de 1974 estamos reduzidos a isto. Com a culpa, que não pode ser ignorada, de muitos de nós. Os que votaram nesta gente pensando que tinham encontrado a redenção e que daí ao paraíso seria um instante, e que agora se vêm mergulhados no inferno mais negro, para onde arrastaram tantos outros. Passados 40 anos sobre a chamada "Revolução dos Cravos" é caso para perguntar se valeu a pena. Aqui recordamos as palavras de Jorge Sampaio na conferência patrocinada pelo Expresso, que face às muitas dificuldades porque estamos passando "a malta está de facto com o 25 de Abril".

Monday, April 14, 2014

Equivocos da democracia portuguesa - 335

A poucos dias de se comemorar os 40 anos do 25 de Abril de 1974 assistimos ao impensável. Durão Barroso, o ainda presidente da Comissão Europeia, não se coibiu de fazer rasgados elogios ao ensino ministrado no tempo do Estado Novo! Quando a ditadura fazia do ensino - bem como de outras coisas - as laudas ao regime e ao ditador (basta ver os livros escolares da época) vem Durão Barroso defender esse modelo como aquele que está cheio de virtudes face ao que temos atualmente. Talvez muitos não saibam que Durão Barroso foi militante do MRPP - Movimento Revolucionário do Partido Proletário, um movimento de extrema-esquerda que lutou contra o regime da ditadura vendo muitos dos seus militantes presos, torturados e até assassinados como aconteceu a um jovem estudante morto em pleno Instituto Superior Técnico de seu nome Ribeiro dos Santos quando participava num plenário de estudantes. Num ensino de castas, como era o ensino no Estado Novo, onde apenas os que tinham posses podiam ver os seus filhos a estudar, numa altura em que a perseguição se abatia sobre estudantes e professores, parece desmesurado que um político, - ex-comunista de extrema-esquerda -, venha tecer elogios ao ensino da ditadura. Isto leva-nos a pensar em duas coisas que são preocupantes: a primeira, ver como a política europeia é dirigida por políticos que vêm no modelo fascista todas as virtudes; e, em segundo, visto Durão Barroso estar ligado a um dos partidos da coligação que agora nos governa, podemos inferir como esse partido, ou a sua estrutura dirigente no momento, encara a política. A sobranceria, o desprezo pelas gentes, uma certa forma autocrática de governar, o confrontar as instituições - desde logo o Tribunal Constitucional -, dizem bem da matriz destes governantes e do que pensam para o futuro de Portugal. A teoria do "ai, aguentam, aguentam!" já vem de Salazar, que pelos visto, tem nos atuais líderes que ocupam neste momento os corredores do poder, muitos simpatizantes. Diz-se que os extremos se tocam e, pelos vistos, isso é a mais profunda das verdades. 40 anos depois do retorno à democracia estávamos bem longe de se quer imaginar que algum político responsável, ainda em funções na União Europeia fosse capaz de afirmar uma coisa destas. É preciso que os portugueses não esqueçam, sobretudo, quando há uma sondagem publicada pelo jornal i que dá conta de que a maioria dos portugueses acha os atuais políticos mais desonestos do que os do Estado Novo. Caminho perigoso está a trilhar Portugal e desde logo a Europa. Talvez por isso, vimos Durão Barroso vir fazer uma conferência (dita "europeia" onde ninguém pode falar a não ser os que apoiam a governação atual) que não foi mais do que uma campanha política a favor do PSD para as europeias. Métodos estranhos à democracia. Mas para quem tem tanta admiração sobre a ditadura isso fará alguma diferença?

Friday, April 11, 2014

Equivocos da democracia portuguesa - 334

À medida que o período de vigência da "troika" se aproxima, vai-nos sendo dada uma visão idílica do país. Coisa mais errada que nem a proximidade de eleições faz justificar. O país está pior, bem pior, do que muitos portugueses julgam, com mazelas que se foram criando e que motivam uma situação em muitos aspetos bem mais complicada do que a que tínhamos há 3 anos atrás. É preciso que isto seja entendido por mais que doa a alguns. Obviamente que dos políticos da governação nunca tal ouviremos. Estas conjeturas ficam para os bastidores bem longe dos ouvidos dos "media" e dos portugueses. Embora aqui e além alguns membros próximos do atual executivo não deixem de passar algumas ideias que mostram bem o incómodo do que se está a viver em Portugal. Uma dessas pessoas é António Lobo Xavier, - um homem conotado com o CDS -, que no último programa da "Quadratura do Círculo" da SIC não deixou de dizer esta coisa extraordinária: "A discussão do salário mínimo por parte do PM é uma medida claramente eleitoralista". Assim, preto no branco sem sequer passar pelo cinzento. Um PM que há uns meses dizia que aumentar o salário mínimo era um erro como pode ser levado a sério agora? Já para não falar na agenda escondida - que já é habitual neste executivo - de adiar para depois das eleições as medidas difíceis que serão claramente anticonstitucionais na nossa opinião, como a de transformar os cortes das pensões e reformas em definitivos depois de os ter considerado provisórios e que estão inseridos no DEO. (E quando diz que vai revelar algumas medidas antes da eleições europeias, não o faz por coragem como insinua, mas sim, por obrigação do calendário da "troika"). É certo que o PM já percebeu o erro que cometeu ao aniquilar os projetos macroeconómicos agendados que serviram / servem para atrasar ainda mais o passo de Portugal face aos seus parceiros europeus. Visão há muito defendida pelo seu ministro da economia, Pires de Lima. Sem grandes projetos não se poderá potenciar o emprego e o crescimento económico. Já Keynes o dizia e nunca foi PM. Por outro lado, o finlandês Ohli Rehn, já veio afirmar que o seu governo está a impor condições tais para ajudar num programa cautelar a Portugal que, na prática, tem como efeito imediato o empurrar Portugal para uma saída "limpa". Claro que, e caso tal se venha a verificar, o PM virá dizer que assim é porque o país afinal está bem (embora os portugueses estejam mal!) mas isso é culpa dos portugueses e não da política seguida. Portas virá afirmar que sempre defendeu tal e tudo fez - não fosse ele o "caixeiro viajante" das empresas - para que tal acontecesse. Contudo, e mais uma vez olhamos para as palavras de Ohli Rehn, "o melhor para Portugal será um programa cautelar". (A nossa opinião diverge aqui da de Rhen mas nada tem a ver com a estratégia seguida para o país ter sido a mais correta). Mas ainda temos o "Outlook" do FMI para 2014 e projeção para 2015 que mostra à evidência a fragilidade da economia portuguesa que tem um crescimento pouco mais do que marginal, com um desemprego situado nos mais de 15% que corre o risco de se tornar estrutural, e com uma dívida impagável que, - e recorremos de novo ao documento do FMI -, só se reduzirá para 60% do PIB em 2030 mas com um esforço tal que torna quase impossível o seu pagamento. As preocupações do FMI são grandes e claras para nos fazer pensar a todos sobre a verdadeira situação em que o país se encontra. E ainda por cima temos o "rating" do país. As agências não o vão mudar de um dia para o outro. E o basearmo-nos numa pequena agência canadiana não basta. E no meio de tanto engano, de se falar com pouca clareza e transparência a todos nós, já nada nos pode surpreender. Assim, o vermos um secretário de Estado que fala de mais e que depois na AR se acha um romano a seguir o seu César, - mesmo recorrendo ao latim -, apenas merece o esboçar dum sorriso de condescendência. E como se tudo isto não bastasse, ainda se perfila no horizonte um cenário cada vez mais provável de deflação, algo de que raramente se fala, pelo menos em público. Com a inflação a cair 0,2% este é o cenário mais provável, embora o INE ainda não fale dele. Contudo, é o próprio INE que no seu boletim e Março alerta: "Em março de 2014, a variação homóloga do IPC situou-se em -0,4%, taxa inferior em 0,3 pontos percentuais (p.p.) à observada no mês anterior. O indicador de inflação subjacente, medido pelo índice total excluindo produtos alimentares não transformados e energéticos, registou uma taxa de variação homóloga de -0,2%, inferior em 0,3 p.p. à verificada no mês anterior. O IPC apresentou uma variação mensal de 1,4% (-0,3% em fevereiro de 2014 e 1,7% em março de 2013). A variação média dos últimos doze meses situou-se em 0,2%, inferior em 0,1 p.p. à observada no mês anterior. O Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) português registou uma taxa de variação homóloga de -0,4% (-0,1% em fevereiro de 2014), inferior em 0,9 p.p. à estimada pelo Eurostat para a área do Euro (inferior em 0,8 p.p. no mês anterior). A taxa de variação mensal do IHPC situou-se em 1,4% e a taxa de variação média dos últimos doze meses foi 0,3%." É caso para dizer que uma desgraça nunca vem só. E ainda haverá alguém que ache que estamos melhor? Será bom que todos nós tenhamos consciência do que se está a passar entre nós. A dependência do país não terminará com a saída da "troika" mas prolongar-se-á ainda por muitos anos, por muitas décadas. E não no deixemos iludir pelo canto da sereia. Até por ele conduz sempre à morte de quem o ouve.

Wednesday, April 09, 2014

Equivocos da democracia portuguesa - 333

Parece que desde há três anos a esta parte Keynes foi banido da economia como um perigoso revolucionário. Mas ao que também parece, acabou reabilitado à boa maneira do PC Chinês, e até há quem no governo o defenda. A começar pelo ministro da Economia - quem diria! - com a retoma dos grandes projetos macroeconómicos. Retomando um pouco a senda do governo anterior. E chegados aqui, é bom dizer-se que estas coisas não dependem só de nós. A Europa, que tem necessidade de escoar os seus produtos, vai impondo aquilo que até agora era visto como uma maldição. Vimos aqui há dias Carlos Tavares - o diretor-geral da Peugeot-Citroen - a dizer que o aumento da capacidade da empresa passa pela obtenção de mais um modelo a ser feito cá, mas para isso, será necessário construir uma linha de comboio de Mangualde para o porto de Vigo. (E aqui está como este governo ultraliberal que sempre vilipendiou a estratégia de Sócrates com os seus projetos macroeconómicos vai ter que justificar este. E este projeto é apenas um de vários que estão a ser equacionados, leia-se impostos). O mesmo Carlos Tavares fez notar o elevado custo da energia em Portugal - que é uma realidade vergonhosa - dizendo que está 40% acima do preço que se paga em França. Não duvidem de que, a breve trecho, se comece a falar uma qualquer estratégia para baixar o custo da energia, nem que seja só para as empresa baseando-se numa qualquer "benesse" governativa. Para bom entendedor... Chegados aqui vem-nos à memória a frase de Virgínia Wolf: "A coisa nenhuma se devia ter dado um nome porque corre o risco de que o nome a transforme". Isto é aquilo que vemos todos os dias entre nós. Distorce-se as ideias quando estas não convém - veja-se o caso do Manifesto dos 70 -, dá-se uma outra coloração às coisas apenas para dar a ideia de que se está a ir contra a estratégia imposta por uma qualquer "troika" ou agenda política caseira. Mas as coisas são o que são. Recorremos aqui a Miguel de Unamuno (1864-1936): "A palavra sábia é aquela que dita a uma criança, é sempre compreendida sem explicações". Pois é, ou por outras palavras, "explica-me devagarinho como se eu fosse burro"! Este executivo tem feito de mentecaptos todos nós, mas está a chegar a hora do virar de página. Não que o governo a queira, mas que uma Europa impõe em nome dos seus interesses - leia-se, interesses da Alemanha - que não os interesses caseiros. A retoma de Keynes é apenas o começo. (Até se diz que Passos está a pensar retomar a estratégia de Sócrates!) Não será a redenção do anterior executivo, mas será, seguramente, a mostra das muitas mentiras, jogos de poder, interesses encapotados que levaram à ascensão deste governo que, sem pudor, empobreceu o país e as suas gentes e que, enredado nas suas contradições, há-de determinar a sua queda.

Tuesday, April 08, 2014

Mais um aniversário, mais uma recordação

Hoje cumpre-se mais um aniversário, o décimo terceiro, sobre o desaparecimento de minha Mãe. Era então domingo de Ramos. (Curiosamente, nunca até hoje estas duas datas coincidiram). Se no meu coração já há muito uma nebulosidade espessa se ia adensando no horizonte, ela ir-se-ia abater nesse dia em toda a sua pujança. Era uma manhã dum domingo solarengo, mas a escuridão total era a que cobria o meu coração. Foi uma espécie de cordeiro imolado no altar da vida. Talvez para lembrar o dia e o que de dramático aconteceu. Passados todos estes anos essa escuridão lá está, não desapareceu.  Punição? Redenção? Perdão? Sentimentos que desde essa altura povoam a minha existência e me dividem. Como acontece sempre nestas estórias dramáticas, a vítima é celebrada - qual cordeiro pascal - tudo o resto fica enterrado na poeira do tempo. Já muitos dias passaram, muitas semanas, meses e anos. Mas a memória está viva como sempre. Como sempre estará enquanto o discernimento intelectual e a saúde física me permitirem ocupar espaço e tempo nesta dimensão que é a nossa. Porque a memória fica sempre, aqui estou a celebrar esta data pungente do meu calendário de ausentes. Que tenhas encontrado a paz que tanto desejavas e que tanto merecias. Essa é a minha expetativa. Essa é a minha esperança. Essa é a minha Fé. Descansa em paz, Mãe!

Friday, April 04, 2014

Equivocos da democracia portuguesa - 332

A democracia portuguesa está a cair num lodaçal de que não há memória em 40 anos de democracia. Em vez de disputarem as ideias, os políticos disputam o caráter dos adversários, com atentados à honra e assassinatos políticos de caráter em praça pública. Talvez estejam a seguir este caminho pelo simples facto de que as ideias são coisa que não têm e as que têm são de menor importância. Da direita à esquerda parece que este comportamento se pegou como sarna. Todos nos lembramos dum célebre processo judicial muito mediático - a justiça nunca o deveria ser mas estamos em Portugal - que tentou decapitar um partido político, bem como se tem tentado assassinar o caráter de adversários, já que não o podem fazer doutro modo. Sobretudo adversários para quem não há força da razão ou outra. Das insinuações torpes e soezes, até à encomenda da notícia que pode passar pelos "media" - felizmente nem todos alinham nesta despudorada sem vergonha - o certo é que tudo vale para destruir o caráter do adversário, seja lá ele quem for. O último episódio desta triste saga teve a ver com uma entrevista dada ao Expresso e à SIC por Durão Barroso na semana passada. Vai daí, talvez pensando no seu futuro, o ainda presidente da Comissão Europeia teceu críticas a alguns políticos internos e não só. Daí a chegar ao tristemente mediático caso BPN foi um ápice e ao que parece já depois do fim da entrevista formal! (Já que não lhe tinham feito a pergunta era preciso forçar o registo). Como não tinha muito para dizer, Durão Barroso achou de deveria atacar o caráter dum ex-governante do Banco de Portugal a quem o país muito deve, estamos a falar de Vítor Constâncio. Não deixou de afirmar que teria, enquanto primeiro-ministro alertado Constâncio para este caso. Achamos uma estranha coincidência entre estas afirmações e as que tem feito o seu partido pela mão dum jovem com muito acne - a quem incubem destas tarefas - que já nos enlameou a todos quando tentou um referendo à co-adoção, se bem se lembram. Vítor Constâncio teve que vir em defesa da honra e, muito diplomaticamente, lá foi dizendo que não se lembra de ter sido convocado para tratar especificamente desse assunto. Em defesa de Vítor Constâncio apareceu um documento subscrito por ex-governadores e diretores do Banco de Portugal tais como Miguel Beleza, Teodora Cardoso, José da Silva Lopes, Artur Santos Silva e Rui Vilar. Algumas destas figuras estão, inclusive, a trabalhar com o atual executivo o que não deve ter caído bem à rapaziada do poder. (Ver um excelente artigo assinado por Sérgio Aníbal e Isabel Arriaga e Cunha e publicado no Público da passada quarta-feira  e que podem consultar em http://www.publico.pt/politica/noticia/cinco-exresponsaveis-do-banco-de-portugal-defendem-constancio-no-caso-bpn-1630636). Já aqui defendemos por variadas vezes que não é bom para a democracia portuguesa, sobretudo na atual conjuntura, este tipo de atitudes. A menos que elas visem algo mais além, como por exemplo, a descredibilização do regime já tão questionado por muitos. Acresce ainda que seria bom lembrar que Durão Barroso pode não ser - e não é seguramente - a melhor pessoa para falar seja de quem for. Um homem que abandonou o país apressadamente quando viu a situação que tinha em mãos e foi para a Comissão Europeia, um homem que enquanto primeiro-ministro afirmou que tinha visto provas que incriminavam o Iraque que levou à vergonhosa cimeira dos Açores e que depois se veio a saber que tudo não passava duma monumental mentira, um homem que vai deixar a Comissão Europeia descredibilizada e sem força, um homem que nunca foi capaz de aglutinar os países num projeto europeu solidário, deveria ter um pouco mais de pudor para falar seja de quem for. Acresce ainda que não falou - teria sido lapso? - das figuras importantes do caso BPN, como Oliveira e Costa e seus "boys" gente importante e ligada ao PSD. (Parece que Durão Barroso ainda não se esqueceu dos métodos do MRPP de que foi militante!) Por sua vez, - e aqui não queremos ocultar as possíveis falhas que poderiam ter ocorrido na supervisão bancária -, falar de Vítor Constâncio que teve um papel fundamental na defesa de Portugal junto do FMI a quando dum outro resgate por que passamos, e que nas Faculdades de Economia era dado como o exemplo da defesa do interesse português, é preciso ter mesmo uma grande falta de caráter. O próprio FMI reconheceu a luta que Constâncio travou em defesa do nosso país, sendo ele na altura um jovem economista. (Será bom que consultem os escritos da época sobre este tema). Se tivéssemos tido atualmente defensores da causa nacional como Constâncio foi, talvez não estivéssemos na vereda da miséria para que estes jovens governantes nos atiraram. Mas como diz o povo "só fala quem tem que se lhe diga". Seria bom que Barroso pensasse nessas palavras enquanto está ainda no seu luxuoso gabinete de Bruxelas. Talvez lhe viesse à mente um sentimento que vemos a muita gente, a falta de vergonha. E recorrendo ainda ao documento que veio a terreiro defender Constâncio, nele se pode ler: "Lamenta-se que prevaleça uma enorme confusão sobre a natureza dos bancos centrais e, em particular, das suas funções de supervisão bancária. E que essa confusão venha pôr em causa a competência e a honestidade de uma pessoa a quem o país muito deve”. Assim, preto no branco. É que ser vice-governador do BCE não é coisa menor. Onde para além de tudo, não basta ser político, tem que se ser muito competente.

Wednesday, April 02, 2014

Jacques Le Goff (1924-2014)

Fui hoje surpreendido com a notícia da morte de Jacques Le Goff que terá ocorrido ontem, dia 1 de Abril. Jacques Le Goff foi um historiador francês especialista em Idade Média. Autor de dezenas de livros e trabalhos, era membro da Escola dos Annales, empregou-se em antropologia histórica do ocidente medieval. Antigo estudante da École Normale Supérieure, estudou na Universidade Carolina em 1947-48, professor de história em 1950 e membro da  École Française de Rome, foi nomeado assistente da Faculté de Lille (1954-59) antes de ser nomeado pesquisador no CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica), em 1960. Em seguida, mestre-assistente da VI seção da École Pratique des Hautes Études (1962) - sucedeu a Fernand Braudel no comando da école des Hautes Études en Sciences Sociales, onde ele foi diretor dos estudos. Cedeu o seu lugar a François Furet em 1967. Na qualidade de diretor de estudo na École des Hautes Études en Sciences Sociales, Jacques Le Goff publicou estudos que renovaram a pesquisa histórica, sobre mentalidade e sobre antropologia da Idade Média. Os seus seminários exploraram os caminhos então novos da antropologia histórica. Ele publicou os artigos sobre as universidades medievais, o trabalho, o tempo, as maneiras, as imagens, as lendas. Das sua vasta obra constam: "Mercadores e Banqueiros na Idade Média", 1956; "Os Intelectuais na Idade Média", 1957; "A Civilização do Ocidente Medieval", 1964; "Para um Novo Conceito da Idade Média", 1977; "O Nascimento do Purgatório", 1981; "O Imaginário Medieval", 1985; "História e Memória", 1988; "História Religiosa da França", em colaboração de direção com René Rémond (4 volumes), 1988-1992; "O Homem Medieval" (dir.), 1994; "A Europa Contada aos Jovens", 1996; "Por Amor das Cidades", 1997; "A Bolsa e a Vida", 1997; "Por Amor às Cidades", 1999; "Dicionário Temático do Ocidente Medieval", em colaboração de direcção com Jean-Claude Schmitt, 2001; "São Francisco de Assis", 2001; "O Deus da Idade Média", 2003; "Em Busca da Idade Média", 2003;"O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval". A ele se deve uma outra visão histórica sobre o período medieval, bem longe da ideia oficial de que foi "um período de trevas", visão que ainda hoje aparece aqui e ali. Jacques Le Goff nasceu a 1 de Janeiro de 1924 em Toulon, França, tendo falecido ontem com 90 anos de idade em Paris. Foi aluno e professor da Escola Normal Superior de Paris, uma escola de referência mundial. Das suas mais de quarenta obras publicadas de que dei uma amostra acima, destaca-se uma que ficou célebre onde ele explica a invenção do purgatório que teve lugar no período medieval que era o seu objeto principal de análise. Ainda me recordo de o ter lido enquanto aluno de Economia na cadeira de Ciências Sociais, cujo regente era um grande admirador de Le Goff. Perdeu-se assim um grande homem de letras, uma mente esclarecida que muita falta faz ao universo do intelecto mundial.