Turma Formadores Certform 66

Thursday, April 30, 2020

Intimidades reflexivas - 1163

"O amor, como as andorinhas, dá felicidade às casas." - Émile Zola (1840-1902)

Wednesday, April 29, 2020

Intimidades reflexivas - 1162

"Nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem." - Zygmunt Bauman (1925-2017)

Tuesday, April 28, 2020

Luis Sepúlveda - "História de uma Baleia Branca"

Trago hoje um livro dum escritor que à dias nos deixou vitimado pela covid-19, Luis Sepúlveda, e o o livro 'História de uma Baleia Branca'. Normalmente costuma-se fazer o panegírico de alguém quando esse alguém nos deixa. Luis Sepúlveda não precisa disso pela dimensão da sua obra e, sobretudo, pela dimensão humana que tinha. Luis Sepúlveda nasceu em Ovalle, no Chile, a 4 de outubro de 1949 e morreu a 16 de abril de 2020 em Oviedo, Espanha. O seu pai era militante do Partido Comunista e proprietário de um restaurante. A mãe era enfermeira e tinha origens mapuche. Cresceu no bairro San Miguel de Santiago e estudou no Instituto Nacional, onde começou a escrever por influência de uma professora de História. Aos 15 anos ingressou na Juventude Comunista do Chile, da qual foi expulso em 1968. Depois disso, militou no Exército de Libertação Nacional do Partido Socialista. Após os estudos secundários, ingressou na Escola de Teatro da Universidade de Chile, da qual chegou a ser diretor. Anos mais tarde, licenciou-se em Ciências da Comunicação pela Universidade de Heidelberg, na Alemanha. Da sua vasta obra – toda ela traduzida em Portugal –, destacam-se os romances 'O Velho que Lia Romances de Amor' e 'História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar'. Mas todos os seus livros conquistaram em todo o mundo a admiração de milhões de leitores. Em 2016, recebeu o Prémio Eduardo Lourenço – que visa galardoar personalidades ou instituições com intervenção relevante no âmbito da cooperação e da cultura ibérica –, uma honra de definiu como «uma emoção muito especial». Para além de romancista, foi realizador, roteirista, jornalista e ativista político. Em 1970 venceu o Prémio Casa das Américas pelo seu primeiro livro, 'Crónicas de Pedro Nadie', e também uma bolsa de estudo de cinco anos na Universidade Lomonosov de Moscovo. No entanto, só ficaria cinco meses na capital soviética, uma vez que foi expulso da universidade por “atentado à moral proletária”. Membro ativo da Unidade Popular chilena nos anos 70, teve de abandonar o país após o golpe militar de Augusto Pinochet. Viajou e trabalhou no Brasil, Uruguai, Bolívia, Paraguai e Peru. Viveu no Equador entre os índios Shuar, participando numa missão de estudo da UNESCO. Em 1979 alistou-se nas fileiras sandinistas, na Brigada Internacional Simon Bolívar, que lutava contra a ditadura de Anastácio Somoza. Depois da vitória da revolução sandinista, trabalhou como repórter. Em 1982 rumou a Hamburgo, movido pela sua paixão pela literatura alemã. Nos 14 anos em que lá viveu, alinhou no movimento ecologista e, enquanto correspondente da Greenpeace, atravessou os mares do mundo, entre 1983 e 1988. Em 1997, instalou-se em Gijón, em Espanha, na companhia da mulher, a poetisa Carmen Yáñez. Nesta cidade fundou e dirigiu o Salão do Livro Ibero-americano, destinado a promover o encontro de escritores, editores e livreiros latino-americanos com os seus homólogos europeus. Luís Sepúlveda vendeu mais de 18 milhões de exemplares em todo o mundo e as suas obras estão traduzidas em mais de 60 idiomas. Mas depois deste etrato do autor passemos ao livro. Nesse na sinopse do mesmo: 'De uma concha apanhada por uma criança numa praia chilena, ao Sul do Mundo, uma voz se eleva, cheia de lembranças e sabedoria. É a voz da baleia branca, o mítico animal que durante décadas tem guardado as águas que separam a costa de uma ilha sagrada para os povos nativos daquele lugar, o Povo do Mar. O cachalote da cor da lua, a maior das criaturas do oceano, conheceu a imensa solidão e a imensa profundidade do abismo e dedicou a sua vida a cumprir fielmente a tarefa misteriosa que lhe foi confiada por um cachalote-ancião, resultado de um pacto há muito tempo estabelecido entre baleias e marinheiros. Para cumpri-lo, a grande baleia branca teve de proteger aquele mar de outros homens, estranhos, que com os seus navios ali chegavam para tirar tudo sem respeitar nada. Foram sempre eles, os baleeiros, a contar a história da temida baleia branca, mas agora é chegado o momento de ouvirmos a sua voz na velha língua do mar.' Este livro, tal como os outros de Sepúlveda, são uma espécie de estórias, quiçá para crianças, que os adultos adoram ler. Este pode não ser o seu livro mais conhecido e/ou mais lido, mas é um livro muito bem construído e edificante, enriquecido pelas ilustrações de Paulo Galindro. Um livro que merece uma leitura atenta e refletida. A edição é da Porto Editora.

Monday, April 27, 2020

Tantas saudades!

Esta situação de confinamento social, fruto dum malfadado vírus, tem sempre um reverso. Para mim tem sido um pouco difícil, porque já estou nesta situação à muito tempo, mas também porque me privou de algo que para mim é por demais precioso, a companhia sempre alegre e prazenteira da minha querida afilhada Inês. Embora morando em moradias contíguas, quase que nunca a vejo porque ela tem medo que o tal vírus a apanhe desprevenida. Já à muito que não vem para nossa casa porque à que manter o resguardo duma criança face aos seus padrinhos que já não são jovens. Mas isso é por demais duro quando se tem um amor imenso por esta criança. Que saudades tenho de a ver correr, brincar, gritar, cá por casa, na sua alegria contagiante de criança que ainda o é. Para além do vírus, e da contenção, são também estas saudades que corroem e me trazem angustiado. Como recordo as suas alegrias, os almoços cá em casa, os passeios, as brincadeiras, enfim, tudo aquilo que uma criança tem para dar na sua mais pura inocência. Situação terrível esta que nos priva de quem tanto amamos. Espero ansiosamente que tudo isto abrande e volte àqueles momentos de sã alegria com esta tão querida criança. Até lá, vou-me contentando em a ver fugazmente, aqui e ali, porque o seu receio é muito grande e a leva a estar mais resguardada. É pouco bem sei, mas é melhor do que nada. O amor por ela continua e esta casa estará sempre pronta a acolhê-la com alegria. Não vejo esse dia chegar e como gostaria que fosse diferente...

Sunday, April 26, 2020

Intimidades reflexivas - 1161

"Não há normas. Todos os homens são excepção a uma regra que não existe." - Fernando Pessoa (1888-1935)

Saturday, April 25, 2020

Da ditadura à democracia: Uma sequência de improváveis

Quantas vitórias e derrotas, quantas ilusões e quantas deceções, quantas alegrias e tristezas, quantas estórias, contadas e por contar, dentro da própria História. Quantos momentos pessoais aconteceram nestes 46 anos, a começar nessa manhã dum qualquer mês de abril no longínquo ano de 1974 do século passado. Se me pusesse aqui a contar tantas estórias de que fui protagonista não caberia este espaço e vocês não teriam paciência para as ler. Com certeza que todos vós terão situações idênticas, mas nestas datas que nos marcam mais, acabamos por mergulhar numa espécie de cápsula do tempo e viajarmos até ao passado. E mergulhamos no nosso baú de recordações intermináveis de estórias rocambolescas, outras nem tanto, mas todas eram o símbolo duma juventude cheia de ideais com vontade de abraçar o mundo que teimava em nos fugir entre os dedos. Só quem passou pelos tempos negros da ditadura é capaz de perceber isto. A mudança no país que se verificou desde então, deixando de ser aquela aldeia bonitinha onde a miséria aparecia por mais que se tentasse escondê-la, para o país desenvolvido que somos. Da mesquinhez dos costumes à liberalidade da nossa sociedade atual. Tudo abril proporcionou. Como me recordo da pequenez do Portugal de então. Deixem-me contar-vos aqui uma pequena estória pessoal. Desde muito jovem sempre tive um particular gosto pela música. Estava na moda no final dos anos 60, as chamadas 'operas rock' como 'Jesus Christ Supertstar', 'Hair' e tantas outras. Nessa altura, apesar da minha juventude, tinha contactos com uma empresa discográfica inglesa de nome Tandy's Records, e era a maneira como fintava os poderes de então, obtendo discos que seriam editados aqui muito tarde, ou até nem o seriam. Dos vários discos que comprei, um belo dia veio a famosa peça 'Hair' um libelo sobre a guerra do Vietnam. Esse disco foi logo apreendido na alfândega e logo fui questionado. Como ainda era menor, foram os meus pais chamados a terreiro, e lembro-me bem quando tiveram que ir à sede da Pide/DGS que era a polícia política do regime, para justificar o sucedido. Ainda me lembro do terror que eles sentiram e da reprimenda que recebi em casa. Mas o disco veio e conservo-o com muito carinho, através de amigos que tínhamos que ajudaram a resolver o caso. Nunca me esqueci deste episódio dum Portugal pequeno, um Portugal menor, que tínhamos vergonha de evocar quando viajávamos para o estrangeiro. Por tudo isso e não só, valeu a pena essa madrugada redentora de abril que devolveu dignidade a um país e às suas gentes. Só quem passou por esses tempos pode perceber. Os mais jovens até têm dificuldade em acreditar. Mas foi assim. Sempre fomos um país de improváveis: improvável como nação emergente, improvável como descobridora do novo mundo, improvável como protagonista do liberalismo, improvável da democracia. Mas as nações são feitas de improváveis. A História não segue um guião pré-escrito. A História escreve as suas páginas momento a momento. O 25 de abril de 74 foi um desses momentos. Viva o 25 de abril!

46 anos de Abril

Celebramos hoje mais um dia da Liberdade. Foi à 46 anos e como bem me lembro desse dia, então um jovem estudante e da euforia que se apossou de todos nós. Para nós era a luz que rompia as trevas. Muitos não sabiam o que era, o que significava, nem como lidar com essa liberdade. Eu tinha uma visão diferente, fruto de ter começado a viajar muito cedo e saber o que eram países livres e desenvolvidos. Como sentia vergonha do meu pobre, miserável, sombrio país, sem perspetivas, para além duma guerra colonial que nada dizia à juventude da minha geração e da repressão que se abatia sobre as populações. Sim, sei bem o que isso era. Sei qual a sensação de ter polícia à porta das escolas, sem bem qual a sensação de ter polícia política dentro das escolas  - e da desconfiança que levava a que não confiássemos em ninguém -, sei bem qual a sensação de medo que se sentia por dizer a mais leve coisa que hoje até parece inofensiva, sei bem da polícia política que vinha pela madrugada arrancar as gentes ao sono para as levar para a prisão e tortura, sei bem da prepotência dos poderes e da miséria das gentes. Portugal era a 'Aldeia da Roupa Branca' celebrizada pelo cinema do regime anterior porque o outro era banido e os seus autores perseguidos, presos e até mortos. Sim, foi isso tudo que Abril de 74 afastou das nossas vidas. Nem tudo foram rosas, - afinal a História está cheia desses exemplos -, mas houve alguns espinhos de permeio. Mas isso também levou a que soubéssemos ultrapassar as adversidades em nome do sabor da então liberdade adquirida. Soubemos preservá-la porque sabemos quão preciosa é. Mas o perfume, (que é o essencial), foi ficando. Foi-se entranhando. Não de rosas mas de cravos que floresceram numa madrugada longínqua de Abril nos canos das armas dos soldados libertadores. Viva o 25 de Abril!

Friday, April 24, 2020

Intimidades reflexivas - 1160

"A solidão não é viver só, a solidão é não sermos capazes de fazer companhia a alguém ou a alguma coisa que está dentro de nós, a solidão não é uma árvore no meio duma planície onde só ela esteja, é a distância entre a seiva profunda e a casca, entre a folha e a raiz." - José Saramago (1922-2010)

Thursday, April 23, 2020

Intimidades reflexivas - 1159

"Causam grandes prejuízos os que louvam os idiotas." - Democrates

Wednesday, April 22, 2020

11 meses passaram

Já lá vão onze meses que me deixaste. Parece que foi ontem mas quase um ano já passou. As saudades aumentam com o tempo, porque me lembro de ti, tenho muitas recordações tuas, e este amor infinito que sempre te dediquei. Os sítios onde costumavas estar a dormir são preservados como santuários. Porque a tua memória está ainda demasiado presente. Continuo a visitar-te e a revisitar-te porque tu és parte de mim. E assim será porque há coisas que o tempo não apaga, bem pelo contrário, vinca-as mais, por isso se sofre tanto com a ausência. Quero acreditar que estás bem lá onde estiveres. Que tenhas reencontrado todos os que fizeram da tua vida uma epifania. Só assim alcançarás a plenitude do ser sublime que foste, e me trás alguma paz. Quero acreditar que sim, que esse processo porque estás a passar será um bálsamo acompanhado pelo amor que te tenho. Onze meses passaram e está tudo tão próximo. Meu querido Nicolau que este amor te sirva para te encaminhar no teu destino maior e te torne num ser ainda mais magnífico do que aquele que foste na minha companhia. Que estejas em paz!

Tuesday, April 21, 2020

"A Mensagem" - Mai Jia

Proponho-vos hoje um livro muito interessante da literatura chinesa de título 'A Mensagem' da autoria de Mai Jai. É um livro que nos leva ao tempo da ocupação da China pelas tropas japonesas e da sua luta pela liberdade que levaria ao triunfo do partido comunista que ainda hoje lidera. Tudo se passa num espaço para onde são convocados algumas pessoas que se pensa estarem ligadas à contraespionagem na tentativa de desmascarar o infiltrado. Numa escrita muito própria e fluente, Mai Jai leva-nos pelo processo de tentativa de resolver um mistério que incomodava as tropas de ocupação de então. Lê-se na sinopse do livro: 'É na paisagem deslumbrante de Hangzhou, perto de Xangai, que decorre a ação de 'A Mensagem', durante a II Guerra Mundial e a ocupação japonesa da China: um espião chinês atua nas fileiras nipónicas e mina a sua confiança decifrando códigos através de verdadeiros passes de mágica. Serve-se de códigos matemáticos, operações de contraespionagem e mensagens truncadas que apaixonam o submundo das agências de informação. Numa derradeira tentativa para desmascarar a toupeira chinesa, os japoneses passam também a enviar mensagens falsas. Cairá o espião na armadilha? Este é o desafio lançado por Mai Jia, o celebrado autor de Cifra, cujos livros vendem milhões de exemplares e - tal como 'A Mensagem' - foram já adaptados ao cinema e a séries de televisão.' Sobre o autor, Mai Jia nasceu em 1964, em Fuyang, província de Zhejiang, no leste da China. Depois de se ter formado em comunicações de rádio na Escola de Engenharia do Exército e de ter estudado línguas estrangeiras e literatura, passou vários anos nos serviços de inteligência chineses, onde se especializou em contraespionagem. É um dos autores mais influentes e lidos do seu país, tendo publicado cinco romances, três dos quais deram origem a séries televisivas e a filmes. Jia foi galardoado com os grandes prémios literários chineses — entre eles a mais alta distinção nesta área: o Prémio Mao Dun de Literatura. A Quetzal, editora do livro, publicou Cifra, romance já traduzido em 32 línguas. Um livro muito interessante a merecer a vossa particular atenção.

Monday, April 20, 2020

A caminho de nova recessão

Tempos difíceis estes que vivemos. Quando as economias estavam a estabilizar depois da crise que abalou o sistema à cerca de dez anos acontece esta pandemia que veio por em causa tudo o que se tinha conquistado envolvendo as economias - sobretudo as europeias - num recuo bem perto da que se verificou no pós-guerra. E se a crise do subprime levou a abalos fortes (e todos nos lembramos do que se passou entre nós) agora as coisas terão um impacto mais complicado porque nessa altura eram apenas alguns países que estavam em dificuldade agora é a economia global que está posta em causa. Já vamos vendo alguns sinais, sobretudo ao nível do emprego. Muitos dos trabalhadores em lay-off poderão já não ter emprego quando tudo isto passar. Algumas empresas que encerraram já nem sequer abrirão. O setor do turismo será um dos mais afetados, o que nos deve preocupar a todos, porque era o setor motor da recuperação económica que Portugal vinha sentindo. O teletrabalho será uma norma cada vez mais no nosso quotidiano - ele que já é normal em algumas países e até em empresas mais 'avant garde' entre nós - será cada vez mais a norma. Era algo que as empresas vinham pensando há já algum tempo e esta situação colocou-lhes na mão a solução. O mundo em geral - e a Europa em particular - sentirão um abalo profundo que levará décadas a recuperar na totalidade. Até a China que estava a crescer perto dos 6% já vinha dando sinais de abrandamento - o vírus até deu jeito! - assim justificando a desaceleração. Os EUA estão mergulhados no caos e a economia já vai estremecendo. Isso para já não falar no terceiro mundo - especialmente a América Latina e África - que verão as suas economias depauperadas, economias essas que nunca foram muito equilibradas acrescidas de lideranças muito voláteis e populistas. Daí o estarmos a assistir um pouco por todo o lado, a uma tendência geral das economias voltarem gradualmente à atividade, porque se vai percebendo que elas não poderão continuar paradas - ou quase - como tem vindo a acontecer. Quanto mais tempo passar com as economias a meio gás, mais difícil vai ser a recuperação. Como já aqui disse por várias vezes, uma economia cai rapidamente, mas a retoma é sempre lenta e deixa muitas sequelas. Agora já não é este país ou aquele, agora é a economia global que está em causa. Com certeza que vamos ultrapassar tudo isto - o capitalismo sempre superou as crises - mas vai ser muito lenta a recuperação e o rasto de dificuldades que vai deixar às populações perdurará por bastante tempo. Aqui está como uma fator natural, acidental ou intencional - não interessa aqui estar a especular sobre isso por enquanto - pode por o mundo (de novo) à beira da rutura. Tempos difíceis se avizinham sem dúvida nenhuma para os quais temos que estar preparados, ou no mínimo, conscientes.

Sunday, April 19, 2020

Intimidades reflexivas - 1158

"A única pátria verdadeira de um escritor é a sua língua, talvez a sua infância." - Sándor Marai (1900-1989)

Saturday, April 18, 2020

Intimidades reflexivas - 1157

"Quem não souber povoar a sua solidão, também não conseguirá isolar-se entre a gente." - Charles Baudelaire (1821-1867)

Friday, April 17, 2020

Uma pandemia que vai, uma crise que vem

Continuamos mergulhados numa pandemia de dimensão mundial com a economia quase parada. Primeiro está a saúde, e é isso que Portugal e o resto do mundo estão a considerar. Essa é a prioridade e bem. Mas depois de tudo isto passar, haverá uma realidade a enfrentar bem diferente daquela que vínhamos vivendo. As contas públicas estavam a equilibrar-se e a dívida estava a diminuir. Os juros a baixar fruto da expectativa favorável dos mercados face à evolução portuguesa. E até o superavit já existia nas contas portuguesas. Tudo isso ruiu. (Como costumo dizer, uma economia tem um comportamento como uma pessoa em apuros, se damos um trambolhão, caímos rapidamente, mas para nos erguermos demoramos um pouco mais fruto da queda). Estaremos a recuar para valores de muitos anos atrás e a recuperação será necessariamente lenta. Há dias publiquei uma nota em que falava que um professor de Economia francês me dizia que a França estaria a recuar para valores próximos da II Guerra Mundial. Isto indicia o que se está a passar um pouco por todo o mundo. Esta crise que se está a formar, será um autêntico tsunami que, - embora ainda sem dele dar-mos conta -, temos que estar conscientes que virá por aí. A crise que se avizinha terá um impacto maior do que aquela por que passamos à cerca de dez anos. Nessa altura, era um país ou outro que tinha sido apanhado na problemática do subprime, agora é a economia a nível mundial que irá passar por uma situação preocupante o que implicará ajustes que terão que ser fortes necessariamente e muita criatividade. (Veja-se o caso dos EUA, uma das economias mais poderosas do mundo e o que por lá está a acontecer. Depois do problema sanitário virá uma crise sem precedentes para a economia americana que terá reflexos no mundo. E logo num país onde os auxílios sociais são praticamente inexistentes, tudo se submetendo às leis frias do mercado). Aquilo que conquistamos nos últimos anos foi por água abaixo e teremos que recomeçar de novo. O superavit esfumou-se e uma nova recessão estará aí, o déficit e, - ainda para agravar -, o desemprego para criar ainda mais problemas. Este aumentará substancialmente porque muitos dos trabalhadores em 'lay-off' não regressarão aos seus postos de trabalho porque as empresas também terão que se reestruturar e reajustar. Com uma economia aberta como a nossa, com a elevada dívida pública que temos, com os juros a aumentar e com os nossos parceiros também eles a braços com problemas, o panorama afigura-se necessariamente sombrio. Todos os países estão a buscar os seus ajustamentos e Portugal não é exceção. Para além do otimismo que se tenta passar, a realidade será bem diferente. Não vou falar de números que podem ser redutores, - e eles já vão existindo -, nem das afirmações recentes do FMI, que sempre tem uma visão apocalítica das situações. Mas podem crer que a onda gigante está a formar-se e virá mais cedo do que tarde a reivindicar o seu quinhão. Depois da pandemia a crise. Um ciclo inevitável que se verificou ao longo da História e que se repetirá de novo. Os mais vulneráveis - sejam países ou pessoas - serão sempre os que mais sofrerão. E isto não nos pode deixar tranquilos.

Thursday, April 16, 2020

Intimidades reflexivas - 1156

"Que eu possa me aproximar das rosas e sentir seu perfume mesmo temendo seus espinhos. Que eu eu não me desvie do meu caminho mesmo diante das pedras que insistem em permanecer por aqui. Que eu não me detenha ao ver nuvens carregadas pois é preciso saber também caminhar na chuva. Que diante da tempestade eu saiba esperar calmamente pelos raios de sol que certamente virão. Que eu saiba ser luz diante dos meus momentos de escuridão. Que eu possa me levantar de todos os tombos que a vida me dá. E se a tristeza insistir em me procurar que eu seja firme e a mande embora. Pois aqui certamente não é o seu lugar." - Bella Rodrigues

Wednesday, April 15, 2020

Uma pintura de memórias

Depois de vos ter proposto uma viagem em torno da arte à boleia da série 'A Arte nos Museus' que passou na RTP2, volto de novo, como prometido, para propor uma obra que me trás muitas recordações. Trata-se da pintura 'A Escola de Atenas' da autoria de Rafael. Esta pintura que se encontra no Vaticano é uma das obras mais importantes de Rafael pelo menos para mim. Rafael Sanzio (1483 - 1520), frequentemente referido apenas como Rafael, foi um mestre da pintura e da arquitetura da escola de Florença durante o Renascimento italiano, celebrado pela perfeição e suavidade de suas obras. Segundo historiadores e mestres da arte, o mais adequado é chamá-lo de Raffaello Santi, já que Sanzio fazia referência apenas ao seu local de nascimento e Santi era o sobrenome de seu pai, Giovanni Santi, nascido em Lucca, na Toscana. Junto com Michelangelo e Leonardo da Vinci forma a tríade de grandes mestres do Alto Renascimento. Rafael foi muito influenciado pelo seu pai que, embora um mestre menor, era um homem culto e transmitiu ao seu filho esse gosto pela arte e pela cultura. Mas voltemos ao quadro. Descobri este quadro de forma o mais improvável possível. Uma parte dele era capa do meu livro de Filosofia quando era estudante. Em conversa com a professora que então tinha ela disse-me que aquela imagem era apenas uma parte duma obra famosa de Rafael em que as figuras centrais eram Sócrates e o seu discípulo Platão. Aguçou a minha curiosidade e lá fui à descoberta da obra na sua totalidade num tempo em que ainda não havia internet e tudo era mais difícil e moroso. Fiquei deslumbrado com o que vi em toda a sua extensão. O realismo da cena e a suavidade com que foi executado. A profundidade que dele emana é notável bem como a luz que parece tratar-se duma iluminação artificial. Anos mais tarde revisitei esta mesma obra no Vaticano, agora já na sua vertente original, e a minha admiração não se esbateu, bem pelo contrário. Este é um quadro de muitas memórias para mim e, talvez por isso, me marcou muito ao longo dos anos. Espero que tenha para vós o mesmo entusiasmo e que tenham a curiosidade de um dia o irem ver em toda a sua plenitude.

Tuesday, April 14, 2020

Intimidades reflexivas - 1155

"Senta-te ao meu lado, estende os pés ao luar sem dizer nada: ao fim de muitos anos aprendemos a verdade, na aparição da graça, num limiar de presença..." - Vergílio Ferreira (1916-1996), in 'Aparição'.

Monday, April 13, 2020

E depois da pandemia?

Já muito tenho escrito sobre aquilo que se seguirá depois da pandemia. Como já por diversas vezes afirmei, estou convicto que nada será como dantes. Porque as sequelas que ficarão serão profundas e duradouras. Desde logo a economia, - que é a que mexe mais com a situação de cada um de nós -, verá um afrouxar e um recuo para próximo dos valores de algumas décadas atrás. À dias, um conhecido professor de economia francês, dizia-me que em França a recessão virá para valores muito próximos dos que se verificaram na II Guerra Mundial. Isto diz bem do impacto negativo que a pandemia está a ter na economia. Com as economias praticamente paradas, não é de esperar outra coisa. Portugal não será exceção e tempos difíceis se avizinham. Não quer dizer que entraremos num novo ciclo de austeridade, mas há muitas maneiras da economia afetar cada um de nós. (Como já escrevi noutra altura, o capitalismo emergente depois da pandemia, não será idêntico ao que tivemos até aqui. Estou convicto disso e ainda ninguém veio a terreiro dizer o contrário). A recuperação económica poderá demorar décadas e se a pandemia voltar no próximo inverno, então podem ter a certeza de que assim será. Depois as sequelas sociais que ficarão, levarão a que as relações entre as pessoas não será idêntica àquela que conhecíamos antes da pandemia. Enquanto pairar no ar o síndroma da pandemia, as pessoas terão algum receio nos seus contactos sociais. Tudo isto indiciará que muita coisa mudará e nem sempre para melhor. Mas como cada crise trás sempre associada uma oportunidade, parece que quem veio ganhar com tudo isto foi o planeta. Há dias vi uma fotos da Nasa que nos mostravam como a atmosfera do planeta melhorou e até a camada de ozono, - que tanto vem preocupando os cientistas -, vai dando sinais de recuperação. Significa que, quando o ser dito humano se acobarda dentro de suas casas, todos ganhamos, o que só mostra quão prejudicial é a espécie humana na sua demanda de poder, ganância e desrespeito pelo outro, seja o outro o seu semelhante, os animais ou a natureza que destruímos a esmo sem nos darmos conta que estamos a destruir o equilíbrio do ecossistema que proporciona a vida. Depois da pandemia muita coisa se alterará, - coisas que só com o tempo na sua comparação mostrará com clareza -, mas temos que estar preparados para as sequelas que demorarão muito tempo a curar. Esta será sempre a luta dos contrários: a crise e a oportunidade.

Sunday, April 12, 2020

Feliz Páscoa!

Como venho dizendo à alguns dias, a luz acabará por empurrar as trevas. E assim aconteceu. Um túmulo vazio, uma ressurreição anunciada, uma passagem cumprida. Que este dia que é de alegria para os cristãos, não seja transformado em mais um dia de mesa farta, onde a gula impera e a espiritualidade não existe. Este é o dia de mostrarmos que também somos capazes de fazer a passagem duma vida para outra mais equilibrada, mais solidária com o nosso semelhante, com mais amor pelos animais e com uma visão mais ecológica para preservar a biodiversidade, assim preservando o planeta nossa casa comum. Que seja um dia de alegria sim, mas contida, porque só o será em plenitude se de facto soubermos buscar no nosso interior a força necessária para a mudança. Os tempos que vivemos são bem o sinal da pequenez do ser humano, da sua fragilidade, da sua insignificância. Este é um dia de alegria e de reconciliação. Um dia em que a luz triunfou sobre a escuridão. Um dia em que temos que ter a força para sermos diferentes, para buscarmos aquilo que de melhor transportamos dentro de nós. Boa Páscoa a todos!

Saturday, April 11, 2020

Sábado Santo ou Sábado Aleluia!

Na minha juventude o dia de sábado era chamado de Sábado Aleluia! E porquê? Porque a meio da manhã, já se dizia que Jesus tinha ressuscitado e havia alegria nas casas, música e sorrisos. Até os sinos já se faziam ouvir ao longe. Era o prenúncio do domingo onde se celebrava em família a Páscoa. (É preciso não esquecer que Jesus era de origem judaica onde o sábado era o 'Sabbath do Senhor', o dia maior. O domingo era, e continua a ser, um dia normal como tantos outros). Os tempos foram mudando e então o Sábado Aleluia passou a ser o dia do silêncio e da esperança redentora. Jesus estava morto no seu túmulo e só ressuscitaria à meia noite. (Coisas que o calendário litúrgico instaurou um pouco à revelia dos costumes de então). Contudo, e apesar destas alterações que a Igreja introduziu, o sábado que antecede o domingo de Páscoa sempre foi para mim um dia de recolhimento. Sentia-o assim e ainda hoje o sinto. Era o dia de introspeção, de meditar na minha caminhada na vida, do que fui até hoje e do que pretendo ser amanhã. Um dia de silêncio como aquele que se segue à morte de alguém muito próximo. O repouso de quem partiu, a dor de quem ficou. Era o dia em que as trevas ainda se mostravam vencedoras desde o dia anterior, embora em breve fossem substituídas pela luz redentora. A dor inimaginável, o sofrimento sem par, a ignomínia dum poder instituído que utilizou os mecanismos mais cruéis para aniquilar um justo. Como esses tempos de à mais de dois mil anos são replicados no nosso mundo atual! Quanta dor, quanto sofrimento infligido a uma pessoa só porque ela não alinha pelos padrões vigentes e temporais - por isso, efémeros - padrões que não aceitam a diferença de opinião ou outra. Talvez este sábado - o do silêncio mas também da esperança - seja um bom ponto de partida para uma introspeção. Agora ainda mais propiciado pela recolha em nossos lares que um vírus nos impôs a todos. Se pensarmos bem, afinal a diferença temporal, embora larga, não mudou assim tanto as mentalidades. E os justos serão (quase sempre) as vítimas preferenciais. Mas no fim o túmulo estará vazio - e como sempre acontece - a luz destruirá as trevas. Mais cedo ou mais tarde a luz triunfa sempre.

Friday, April 10, 2020

Sexta Feira Santa

Sexta feira Santa o dia mais escuro. Aquele em que as trevas levaram a melhor, nunca esperando ser varridas em breve pela luz. A luz sempre afasta as trevas. E é neste dia que devemos pensar em tudo o que somos, o que fazemos, o que queremos. (Crentes ou não, nunca devemos esquecer o sofrimento horrível que um ser humano sofreu por nós). O suplício da cruz era a mais horrível punição para quem se opunha a Roma. Era a morte aviltante dada a crimes de sedição, crimes políticos contra a autoridade de Roma. A morte era lenta por vezes durava até muitos dias. Uma morte que era causada pela asfixia quando o corpo já enxague não podia suster-se a si mesmo. Quando hoje olhamos para o que o mundo está a passar teremos a tentação de fazer o paralelismo. Mas tal nunca será possível dado o sofrimento que tinha quem era condenado à crucificação. À mais de dois mil anos assim aconteceu, como sucedeu com tantos outros que apenas queriam lutar pela sua liberdade, pela luta contra o que estava estabelecido, abrindo caminho a outra forma de olhar o mundo. Mas este sofrimento da cruz, - antecedido pela tortura mais vil -, deve-nos fazer pensar. Pensar no ser humano que somos, frágil e indefeso, bem longe da prepotência que gostamos de exercer. Os tempos atuais são disso bem o exemplo. E depois de analisarmos quem temos sido até agora talvez busquemos inspiração para sermos diferentes para melhor. Com a paz no coração, o amor pelo outro e pelos diferentes seres vivos que connosco partilham este planeta, com a redenção dum caminho que queremos mudar para melhor. Esta é a hora das trevas que em breve serão rechaçadas pela luz. Que a nossa vida seja isso mesmo, a passagem dum estilo de vida para outro, mais sereno, mais pacífico, mais humano.

Thursday, April 09, 2020

Tempo de Quaresma


Tempos difíceis estes que estamos a viver. Indiferente a isso, o calendário não deixa de percorrer os dias. Este vai-nos dizendo que estamos na Semana Santa, a semana maior para os cristãos. Especialmente a partir de hoje até domingo, vive-se o tempo mais sombrio do rito cristão. É a hora das trevas que se fazem anunciar, cheia de júbilo, não sabendo que logo serão aniquiladas pelo poder da luz. Esta sempre destrói as trevas por mais negras que sejam. Sejam elas as da nossa vida, do calendário, ou outras que por aí se façam sentir. A luz chegará, mas primeiro temos que passar pelas trevas. Aquelas que por exemplo estamos a viver hoje em dia. Mas a luz chegará triunfante e libertadora. Que esta caminhada seja também ela uma etapa de ensinamento, sejamos cristãos ou não, mas sempre atentos aos sinais. Porque à mais de dois mil anos alguém sofreu uma morte horrível por nós. Mesmo aqueles que não acreditaram não deixaram por isso de receber também a luz. Porque eles foram os autores das trevas, mas sem estas, a luz não se faria sentir e impor. Que este período sirva para refletirmos. Para encontrarmos aquele equilíbrio que por vezes parece impossível, mas que está aí, só basta desejá-lo. Esta é a semana maior mas de nada serve proclamá-la se não estivermos dispostos a sentir o seu sentido. A abrirmos o coração ao outro que sofre e que ignoramos dentro do nosso egoísmo, do animal que abatemos duma forma impiedosa só para servir a gula e por vezes nem para isso, da natureza que teimamos em destruir alterando o equilíbrio da biodiversidade que nos permite viver a todos. Mesmo todos. Seres dito humanos, animais e natureza. Que este caminho da Quaresma que está prestes a concluir-se, seja também o fim da nossa caminhada do nosso deserto interior, para que alcancemos o oásis prometido e sempre adiado. Que a situação porque estamos todos a passar tenha pelo menos o condão de nos fazer pensar. E quando sairmos de tudo isto que sejamos uns seres melhores. Se assim for, terá valido a pena, apesar de tudo.

Wednesday, April 08, 2020

Já lá vão 19 anos

Parece que foi ontem e já passaram 19 anos desde aquela manhã de abril - era Domingo de Ramos - quando eu estacionava no parte do hospital e tu partias para sempre. Nunca esquecerei esse dia, em que antecipando aquilo que iria acontecer, estava desalentado, cansado, quase que nem suportava o peso dum casaco sobre os ombros. Mas era verdade, o inevitável tinha acontecido. Tinhas partido definitivamente da minha companhia. (Já tinha passado por situações idênticas no passado, mas uma Mãe tem sempre um peso diferente de qualquer outra pessoa). Depois foi a travessia do deserto - do meu deserto porque não aceitei o inevitável - por lá vagueei sob sol escaldante e noites gélidas, sedento, trémulo, indefeso. Arrastei uma cruz pesada, - senti-me esmagado pelo seu peso -, mas lutei e sobrevivi. Porque era importante que isso acontecesse. Depois de todos estes anos, ainda sou capaz de reconstruir passo a passo tudo o que aconteceu. Porque a dor foi (é) imensa e nem sempre estamos preparados para aceitar. Mas a vida continuou - ela continua sempre, queiramos ou não - e o tempo, esse grande curador das feridas, foi atuando, foi esbatendo o sucedido, mas nunca o apagou da minha memória. Porque há coisas que não podemos esquecer. Este sempre é um dia difícil para mim. Inevitavelmente a minha caixa de Pandora abre-se e tudo volta, mas é preciso continuar. Sim, este é um dia difícil por tudo aquilo que já aqui deixei. Apesar disso, a vida continua embora arrastada pelas cadeias da dor e do sofrimento. Destruíram-te, minha Mãe, mas não conseguirão apagar-te da minha memória enquanto por cá andar. Descansa em paz!...

Tuesday, April 07, 2020

Em torno duma pandemia

Estamos a passar tempos de provação como nunca imaginamos. Como já em tempos disse esta é a 'peste negra' do século XXI. Nunca pensamos ver-nos confinados a nossas casas, sem ir para os empregos, sem ir para as escolas, as igrejas vazias em tempo pascal, enfim, um alterar de hábitos que nos deve por a pensar. Todos nós só lemos coisas próximas desta através do livros de História ou dos filmes de ficção. Mas tudo isto é incrivelmente real e parece que não há para onde fugir porque esta pandemia instalou-se a nível global. Mas talvez isso sirva para alguma coisa. Desde logo a purificação da atmosfera eliminando os elevados índices de poluição no mundo. Mas também para alterar hábitos de vida que pensávamos inalterados para sempre. Uma vida que se quer mais saudável, sem aquela demanda desenfreada por acumular sem sentido. O império do dinheiro que se vai ofuscando face à saúde precária que o ser humano ostenta e que relativiza tudo. Afinal ele parece não ser tão importante assim nos nossos dias. Não podemos comprar a saúde com ele, nem adiar a morte. Não podemos afastar um vírus que nos ameaça sem que dele tenhamos sequer uma visão aproximada. Afinal tudo se relativiza porque há coisas mais importantes e estamos agora, fruto das circunstâncias, a aprender isso. Parece que estamos a voltar a uma certa sociedade mais básica, mais nuclear, mais próxima daquela que vivi em menino e moço, mas também, duma sociedade ainda mais ancestral que se perde nos tempos onde o respeito pelo mundo envolvente era palavra de ordem. Um regresso às origens da nossa espécie. Mais frágeis, mas mais puros e solidários. Mais primitivos mas mais transparentes. Mais assustados mas mais empenhados no outro. Talvez esta pandemia seja uma espécie de sinal dum certo mudar de rumo. Como disse à dias atrás, depois disto porque estamos a passar, nunca mais seremos os mesmos. Talvez este seja o lado 'positivo' de tudo isto. Uma espécie de campainha de alerta que nos mostra que está na hora de mudar o caminho que vínhamos trilhando. Talvez... Entretanto, os doentes vão subindo cada vez mais, os mortos vão ampliando as estatísticas, o medo vai-se apoderando de todos nós, a tal raça superior que tudo pretende subjugar à sua volta e que agora não sabe o que fazer. Porque, como diz a canção, 'a morte saiu à rua num dia assim'. E vai faltando a coragem para a enfrentar, para a ultrapassar, para a renegar. Há dias assim!

Monday, April 06, 2020

Um artista rebelde e um quadro intenso

De regresso à arte que se pode ver por aí, proponho-vos hoje um dos mais famosos quadros de Caravaggio de título 'São Tomé'. Este é um dos quadros mais famosos de Michelangelo de Caravaggio graças à riqueza de detalhes contidos. A pintura retrata a incredulidade de São Tomé com a ressurreição de Cristo, tocando assim, com o dedo as suas feridas causadas pela cruz. Esta obra foi finalizada pelo artista em 1602. Michelangelo Merisi (ou Amerighi), conhecido como Caravaggio (1571 - 1610), foi um dos mais notados pintores italianos, atuante em Roma, Nápoles, Malta e Sicília, entre 1593 e 1610. O seu trabalho exerceu influência importante no estilo barroco, estilo do qual foi o primeiro grande representante. Caravaggio era o nome da aldeia natal da sua família e foi escolhido como seu nome artístico. Logo após a crucifixão, São Tomé toca as chagas de Cristo para verificar se são reais. A cabeça de Cristo e dos três apóstolos são o foco da composição. O momento é intenso. Os apóstolos olham para São Tomé que, com a testa profundamente sulcada, mergulha o seu dedo no flanco de Cristo. O drama deste chocante detalhe é intensificado pelo contraste gritante da luz e das sombras escuras (efeito conhecido como chiaroscuro); o fundo está ausente. Caravaggio tornou-se famoso pelo seu grande realismo e a sua recusa à idealização, abordagem revolucionária para a época. Com frequência utilizava tipos camponeses rudes como modelos para seus apóstolos, e diz-se até que pintou uma de suas Virgens a partir de uma prostituta afogada, retirada do rio Tibre. Apesar de sua reputação pessoal meio duvidosa, pois tinha atritos frequentes com as autoridades, para além de, ao que se diz, manter relações sexuais com os seus modelos masculinos e femininos, pode-se dizer que Caravaggio, sozinho, praticamente revolucionou a arte. Até hoje a sua pintura direta tem o poder de nos surpreender. Este quadro é duma intensidade enorme e relata a passagem da Bíblia referente ao Evangelho de São João no seu capítulo 20 e versículos 24-27. Este é um dos quadros mais copiados da História da Arte.

Sunday, April 05, 2020

Domingo de Ramos

Mais um ano volvido e voltamos a ter mais um Domingo de Ramos. É aquilo que chamo de dia dos padrinhos e afilhados. Este é mais um, desta feita a ser celebrado duma forma bem diferente. Era usual a nossa afilhada Inês vir almoçar cá a casa. Este ano, fruto dum malfadado vírus, não vai poder ser assim. Até os presentes que temos para ela serão entregues à distância. Sem beijos e abraços de que ela tanto gosta. Mas tem que ser assim. Ela já vai compreendendo isso. Aliás desde que entrou em quarentena fechou-se em casa e raramente a vemos. Temores de criança que se estendem até aos mais velhos porque os tempos vão difíceis para todos. Mas tem que ser assim, sempre com a firme esperança de para o ano seja bem diferente, para melhor. Mas para além das contrariedades que a situação nos impõe, ela sabe que tem sempre da parte dos padrinhos todo o amor e carinho. E que é com ânsia que aguardamos aquele dia de a termos na nossa casa e a podermos abraçar de novo. Feliz Dia de Ramos!

Saturday, April 04, 2020

A economia para além da pandemia

Estamos a passar por um momento de terrível provação, algo porque nenhum de nós tinha passado antes. Mas para além da pandemia, - e quando esta passar -, deixará um rasto de destruição nas economias de praticamente todo o mundo. A crise que se seguirá terá contornos que ainda não podemos vislumbrar, mas seguramente será bem pior da última porque passamos. Porque nessa altura tratava-se apenas dum ou outro país, agora trata-se de algo mais abrangente e globalizado como é a economia mundial. Depois da quarentena, com as economias praticamente paradas, tudo será muito difícil para retomar a atividade. Em economia as quedas são bruscas e rápidas e as retomas são sempre penosas e lentas. Estaremos nessa situação quando tudo isto tiver passado. Mesmo países tradicionalmente com economias mais fortes ver-se-ão a braços com sérios problemas. Veja-se o caso da Alemanha, - o país motor da União Europeia-, esteve à beira da recessão o ano passado, (e ainda hoje não sei se a evitou realmente ou se por uma qualquer cosmética). Agora ainda em dificuldades que acontecerá? E a França e a Itália, para já não falar da Espanha? E Portugal onde tudo estava a correr tão bem e de repente tudo se inverte? E os poderosos EUA que também não irão escapar a tudo isto? E estou a falar apenas dos países desenvolvidos. E os outros? Estou convencido que depois da pandemia o capitalismo como o conhecemos não será o mesmo. Terá que se ajustar a uma nova realidade globalizada. Como sempre serão os mais vulneráveis e fracos os que pagarão a maior fatura. O desemprego a aumentar, a instabilidade e a segurança face ao futuro a estiolar, enfim, o cortejo habitual nestas situações. Confesso que estou apreensivo. Acho que temos todos de o estar. Hoje com medo dum malfadado vírus, amanhã pela incerteza dum futuro cheio de interrogações.

Friday, April 03, 2020

Uma questão de curvas

Esta situação de quarentena que estamos a viver, para além de preservar a saúde de cada um de nós e assim evitar que um malfadado vírus passe de uma pessoa para outra, também tem uma vertente estatística de sustentabilidade. Em conversa com alguém ligado à área da saúde, percebi que a retenção de pessoas em casa retarda o contágio achatando a curva epidémica para valores controláveis. Em vez duma subida rápida que levaria a que a capacidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) esgotasse rapidamente, vai-se assistindo a uma curva mais achatada e prolongada no tempo, por esse efeito, de molde a que o SNS consiga controlar todas as situações o mais possível. No limite, e ainda recorrendo ao saber desse amigo, todos nós ficaremos infetados. Uns recuperarão em suas casas sem necessidade de ser hospitalizados, outros terão que ser hospitalizados e outros, infelizmente, morrerão. Ao fim e ao cabo, a terapia de grupo vai funcionando criando imunidade para a próxima vaga. Tanto quanto se sabe, quem foi infetado parece que não o voltará a ser, ou essa probabilidade é francamente mais baixa. A ser assim, pois que continuemos em casa esperando que tudo passe o mais depressa possível com o mínimo de sequelas. Tempos difíceis estes onde até um simples abraço passou a ser perigoso. Tempos estranhos estes que vivemos.

Thursday, April 02, 2020

Intimidades reflexivas - 1154

"Terei de suportar uma lagarta ou duas para conhecer as borboletas." - Antoine Saint-Exupéry (1900-1944), in 'O Principezinho'.

Wednesday, April 01, 2020

1º de Abril - Dia dos enganos

Diz a tradição que este 1º de Abril é um dia de enganos. Julgo que de enganos são muitos ao longo da nossa vida. Por vezes, julgamos uma pessoa e depois vemos que estávamos enganados; outras vezes, emitimos uma opinião que se vem a verificar que é um profundo equívoco; e poderia aqui continuar com as muitas situações equívocas que perpassam pela nossa vida. Mas nestes dias de aperto que são os que vivemos só gostaria, e penso que todos o queriam também, estarmos enganados sobre este mal terrível que nos apoquenta. Seria esse o melhor dos enganos, olharmos à volta e vermos que tudo, afinal, não passou dum sonho mau. Mas infelizmente a realidade diz-nos o contrário.