Turma Formadores Certform 66

Monday, January 31, 2011

"Aprendiz de Homero" - Nélida Piñon


"Aprendiz de Homero" reúne vinte e quatro ensaios sobre as influências literárias, os temas e os personagens que lhe são caros: Dom Quixote e Espanha, Capitu e o Rio de Janeiro. Ulisses e a Odisseia. Humilde, fala do fazer literário sempre na perspectiva da aprendiz; de Homero, o poeta cego, mas também de Machado de Assis, Monteiro Lobato, Cervantes. Uma aprendiz da palavra, que retira da pedra bruta da criação a matéria-prima para modelar uma nova realidade. E assim nos leva numa viagem que é também homérica: os seus pensamentos sobre a leitura, a sua paixão pela escrita, a sua relação vital com a literatura, a sua visão não apenas da mulher brasileira, mas de todas as mulheres desde tempos remotos, e sobretudo a importância que a memória assume numa viagem que simboliza todas as viagens do mundo. Quanto à autora, Nélida Piñon, é uma brasileira de origem galega, uma grande senhora da língua portuguesa, oferece-nos a sua visão da literatura ou, nas suas palavras, da sua alma. Nélida Piñon, nasceu no Rio de Janeiro e publicou o seu primeiro romance, "Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo" em 1961. A sua extensa produção literária, traduzida em diversas línguas, foi distinguida com numerosos galardões, entre os quais o Prémio Walmap (1969) pela novela "Fundador", o Prémio Mário de Andrade (1972) por "A Casa da Paixão", o Prémio da Associação de Críticos de Arte de São Paulo e o Prémio Ficção Pen Club (ambos em 1985) pelo romance "A República dos Sonhos", entre outros e variados prémios. Com este livro "Aprendiz de Homero" conquistou o Prémio Literário Casa de las Americas (Cuba, 2010). É um livro que vos recomendo. Literatura do mais fino quilate, duma autora de língua portuguesa. Resta dizer que a edição é do Círculo de Leitores na sua Biblioteca "Temas e Debates".

Wednesday, January 26, 2011

"Os Donos de Portugal" - Cem anos de poder económico (1910-2010)


Na sequência de algum debate que tem existido na sociedade portuguesa, (embora insuficiente para esclarecer as populações), alguns problemas interessantes têm vindo a terreiro. Desde logo, a fragilidade da economia portuguesa, algo que - contrariamente ao que alguns dizem - tem muito de estrutural e menos de conjuntural. Assim, trago-vos um livro, recentemente editado, que nos fala desta e doutras questões. Este livro apresenta os donos de Portugal e faz a história política da acumulação de capital ao longo dos anos que vão de 1910 até 2010. Descobre-se a fortuna nascida da protecção: pelas pautas alfandegárias contra a concorrência, pela ditadura contra as classes populares, pela liberalização contra a democracia na economia. Esta burguesia é uma teia de relações próximas: os Champalimaud, Mello, Ulrich, entre outros, unem-se numa mesma família.Os principais interesses económicos conjugam-se na finança. Esta burguesia é estatista e autoritária: o seu mercado é o Estado e depende por isso da promiscuidade entre política e negócios. "Os Donos de Portugal" retrata também um fracasso monumental: o de uma oligarquia financeira incapaz de se modernizar com democracia, beneficiária do atraso, atraída pela especulação e pelas rendas do Estado e que se afasta da produção e da modernização. Ameaçada pelo 25 de Abril, esta oligarquia restabeleceu-se através de um gigantesco processo de concentração de capital organizado pelas privatizações. Os escândalos do BCP, do BPN e do BPP revelaram as faces da ganância. Este livro demonstra como os donos de Portugal se instalam sobre o previlégio e favorecimento. Um livro muito interessante e importante com autorias várias, numa época em que estas questões se assumem com cada vez maior aquidade. Utilizando uma linguagem acessível a não-iniciados é um valioso contributo para alguns dos problemas que nos afligem hoje em dia, buscando a sua ramificação em épocas mais remotas, onde estes mesmos problemas já se faziam sentir, embora duma maneira diversa. Um livro que recomendo vivamente. A edição é da Afrontamento.

Tuesday, January 25, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 69


Conforme prometemos na anterior crónica, iremos fazer uma pequena e sucinta viagem pela nossa História para tentarmos perceber afinal, como fomos lidando com a bancarrota - que existiu várias vezes ao longo da nossa História, do déficit e da dívida soberana até para esclarecer um pouco esta novela dos mercados. Não cabe aqui o aprofundar com maior detalhe algumas das informações, mas os interessados poderão encontrar no mercado, variada literatura para estudarem este tema. Mas passemos à análise. No final da II Guerra Mundial, segundo os diplomatas britânicos em Portugal, o nosso país assemelhava-se a "um homem com os bolsos cheios e o estômago vazio". Os "bolsos cheios" eram a riqueza acumulada, sobretudo em forma de reservas - no Banco de Portugal - e, na riqueza acumulada por algumas pessoas - nomeadamente, fruto da especulação e de negócios poucos claros durante o período em que a guerra durou. O "estômago vazio" prendia-se, sobretudo, com a classe média que tinha sido o verdadeiro apoiante e almofada do Estado Novo durante os anos 30 e, que agora, sucumbia sobre o peso excessivo de impostos, - alguns cumulativos - e pela excessiva petulância dos serviços públicos sobre os mais desprotegidos. Aqui iria terminar a paz social que até então se tinha verificado, iriam começar a aparecer os primeiros conflitos e greves, não só dos assalariados mais pobres, mas também de alguns membros mais conotados com a classe média da época. O bancarrota é um problema que tem sido transversal a Portugal com raízes na própria monarquia e foi soberbamente retratada por Eça de Queiroz, n'Os Maias, quando se discutia a bancarrota, naturalizada como fatalidade natural pelo próprio banqueiro. Foi na segunda metade do século XIX que se reuniram as condições políticas para o avanço da economia. Criaram-se infra-estruturas indispensáveis à unificação do mercado, tendo com isto levado o capitalismo a entrar nos campos e nas fábricas. Mas isto, levou a que o capitalismo financeiro e comercial - normalmente parisitário - se tenha acomodado. A mão-de-obra não faltava e a dependência do exterior era uma mina de ouro e as políticas económicas foram definidas a jeito. Os donos do capital, eram avessos ao risco, não investindo no Brasil e nas restantes colónias de então, preferindo o risco menor de comprar dívida ao Estado. O ministro Ferreira Dias afirmou que peritos internacionais teriam aconselhado que "se atirassem ao mar os industriais para que se salvassem os que soubessem nadar". Ao que acrescentou que "o Governo não teria dúvidas em seguir o conselho se tivesse a certeza de que muitos se salvariam; mas, como está convencido do contrário, pretende ter o tempo bastante para que a maior parte aprenda a nadar". Já nessa altura, era essa a opinião que o Estado tinha dos seus industriais, estavamos então em 1945(!). Mas a saga nacional continuava. Voltemos a Ferreira Dias, que mostrava um desprezo enorme pela burguesia dizia que "eram portadores de um certo vírus que anda no sangue desta raça como o sal na água, daqui resultando uma economia de vão de escada em que muitas das nossas indústrias não são grandes, nem são médias, nem pequenas: formam um sistema abaixo de toda a crítica" (1945). Parece que muito pouco se alterou dessa essa altura até aos nossos dias. Mas não era só Ferreira Dias a ter esta opinião. O então ministro da economia Daniel Barbosa afirmava: "Um pardieiro, sórdido e infecto, é muitas vezes uma fábrica e, quantas vezes, muito boçal, analfabeto e bronco se sente industrial, senão um técnico" (1949). Em 1952, administradores do grupo CUF escreviam: "E logo apareceram candidatos a industriais, nova espécie de cauteleiros que prometem a sorte grande em bilhetes que outrém comprará e pagará". Trinta anos mais tarde, Marcelo Caetano, - o último ditador do Estado Novo -, diria "que estes industriais só sabem sobreviver amparados pela repressão que lhes garanta a imposição de salários baixos" (1974), - pouco antes do 25 de Abril. Convém dizer que a repressão a que Marcelo Caetano fazia referência era a mesma que ele próprio assegurava!!! É preciso esclarecer que durante o século XX os grandes grupos portugueses são de base bancária, com as excepções da CUF e Champalimaud, que são de base industrial, embora mais tarde, se venham a transformar também em grupos financeiros. Esta lógica de aplicação de capitais traduz a modernização conservadora porque não produz bens transaccionáveis e exportáveis e está por isso virada para o mercado nacional e colonial, ambos protegidos pela concorrência. Passamos a viver dos faustos passados em que os Descobrimentos ocupavam (ocupam) espaço importante. António Sérgio em 1926, escrevia: "A vontade de irmos reatar sob forma nova (para além de três séculos de um viver sem alma, no Reino Cavernoso da Estupidez) - a faina augusta dos Descobridores". Este tem sido sempre o nosso infortúnio. Clamava Antero de Quental que "a nossa fatalidade é a nossa história". À alvorada de Abril correspondeu um compasso crepuscular depois da crise revolucionária. A privatização das empresas nacionalizadas pela revolução de Abril, iniciada com o cavaquismo (1985 a 1995) e continuada no guterrismo (1995 a 2002) e governos seguintes, restabelece os grandes grupos económicos. Para termos a noção da dimensão desta questão, atentemos numa entrevista dada ao Expresso, pelo então administrador do BESCL (anterior ao actual BES), José Roquette, em 6 de Dezembro de 1997: "Tenho muito orgulho de, nesse ano, - 1974 - tanto eu como os restantes responsáveis do BES, começando pelo presidente do Conselho de Administração, o senhor Manuel Ricardo, temos dado um contributo para a luta e para a batalha que tínhamos que dar. Mas o que é absolutamente verdade e autêntico é que criei apoios financeiros indispensáveis para que o PSD pudesse sobreviver. Aliás, isso foi de alguma forma um acordo feito com Francisco Sá Carneiro". Ricardo Salgado em entrevista ao Diário de Notícias de 12 de Dezembro de 2010 afirmava: "O BES é um banco de todos os regimes". E assim, o círculo se fecha mais uma vez. Ao fim e ao cabo, é a saga dos mercados financeiros que hoje nos afectam, revisto à luz dum tempo diferente, mas em que a História se repete... do mesmo modo. Como vemos, o conceito de bancarrota já vem do tempo da Monarquia, começou com o Marquês de Pombal e nunca mais se separou de nós. A questão da dívida está associada a um certo capitalismo parasitário, que em vez de investir no sector produtivo, aposta no sector financeiro e especulativo, sem correr riscos e com lucro assegurado, sobretudo, quando passa a adquirir dívida publica. Isto não nos pode servir de consolo, sobretudo, para o futuro que temos pela frente. A promiscuidade entre a política e os negócios vai fazendo o resto. Só para dar um exemplo, muito se tem falado da influência política da Martifer junto do PS e do PSD, é nesta altura que o presidente da empresa se apressou a dar esclarecimentos. Afirmou: "Tenho pena que alguns membros do Governo não tenham a disponibilidade que Manuel Lencastre (Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico em 2004-2005, vice-presidente do PSD de Menezes, tornado sócio da Martifer) teve quando veio falar connosco. Disse-nos: "vou sair do Governo, saí do Governo, e tenho disponibilidade para apoiar a Martifer na abertura ao mercado internacional". Isto acontece em todo o mundo civilizado. Hoje, o melhor vendedor de Espanha é o antigo primeiro-ministro Aznar." (Público, 20.10.2008). É caso para se dizer que qualquer dia se colocará anúncios do género de "empresa do ramo X procura ex-governantes"... Mas é importante que este resumo histórico - muito sintético -, sirva para mostrar que não à homens providência que quando eleitos têm o condão - só por si -, de alterar o rumo das coisas. Cavaco Silva não é excepção, infelizmente para nós. Contudo, é bom esclarecer que a questão do déficit, dívida pública, apoio externo, não são figuras recentes no nosso expectro político-económico. Acresce ainda, que a especulação que Portugal tem sentido nos últimos tempos, mais do que uma especulação contra Portugal "tout court", é uma especulação contra a zona euro e o euro. Tem na sua génese algo mais abrangente e temível. Temos que ter a consciência de tudo isto, para que, não sejamos confrontados com alguns profetas e salvadores da pátria que, normalmente, encerram em si mesmo aspirações autoritárias. Não nos deixemos enganar pelo que se disse aqui e ali. Tentemos buscar conhecimento para ler-mos melhor a realidade envolvente. Vivemos na sociedade do conhecimento, pois busquê-mo-lo. Só o conhecimento nos liberta, só a cultura nos dá uma visão alargada do mundo. Uma sociedade é tão mais livre, quanto mais culta é, embora isso possa não interessar a todos, como se tentou demonstrar.

Monday, January 24, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 68


E eis que o candidato anunciado como vencedor antecipado das eleições venceu! Nada de novo, apenas o desinteresse duma campanha desbragada, sem interesse ou motivação, não esclarecedora. Manuela Ferreira Leite - sempre ela - deve estar contente, primeiro porque o seu patrono venceu, depois porque, segundo a própria, "os mercados vão reagir bem, e logo, a uma vitória expressiva", e a partir de hoje vamos todos assistir a uma confiança desmedida em Portugal!!! Desenganem-se, nada disso irá acontecer e MFL terá cometido mais uma das suas habituais "gaffes" ou, o que é mais grave, terá enganado os portugueses induzindo-os a votar num candidato que seria a panaceia para todos os males. Para quem defende a seriedade e a transparência, convenhamos que não fica bem. Mas eles estão acima de tudo isso, afinal "eles nunca se enganam e raramente têm dúvidas". Infelizmente para todos nós, os mercados irão continuar a especular sobre Portugal, independentemente de quem tivesse sido eleito ontem, porque as motivações desses mercados são mais amplas e abrangentes, do que a preocupação com um pequeno país periférico e pobre. Mas sobre a questão dos mercados, da dívida e do déficit, falaremos em próxima crónica. Hoje o que nos interessa é que Cavaco Silva foi reeleito - seguindo o que vem sendo habitual na nossa democracia -, numas eleições marcadas por forte abstencionismo. E é isto que nos deve levar a fazer uma profunda reflexão. Não basta dizer, que foi motivado ao frio, ou ao cartão do cidadão que não funcionou, ou a outra coisa qualquer. O que se vê, eleição após eleição, é o profundo divórcio das populações com a política e os políticos. E este fenómeno é transversal a todas as eleições. Cada vez assistimos a maior abstenção. O desinteresse é cada vez maior, as dificuldades da vida são cada vez maiores, cada vez mais vivemos de costas voltadas para os políticos que elegemos. Isto merece uma reflexão porque é algo de grave e de pouco saudável numa democracia. À que repensar tudo de novo. A democracia merece que se faça esse esforço. Porque um candidato ou um partido eleito com um mínimo de votos será sempre uma entidade frágil, independentemente de ter tido a maior votação. Julgo que temos que repensar o modelo eleitoral e, sobretudo, credibilizar a política e os políticos, para trazer de novo os cidadão para a participação cívica. É certo que as pasadas de lama que os políticos atiram uns aos outros, não criam as condições ideais para que isso aconteça. As pessoas estão fartas de todo um jogo balofo e inconsequente que em nada vem melhorar as condições de vida do dia-a-dia. Aproveitemos este fim de ciclo eleitoral para, com algum tempo, meditarmos sobre tudo isto, e tentar buscar soluções que invertam a tendência antes que seja tarde demais.

Friday, January 21, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 67


Nesta campanha presidencial assistimos a tudo aquilo que de mau a política nos pode dar. Falou-se de tudo, mas não se falou do essencial, isto é, daquilo que preocupa todos os portugueses, a saber, as dificuldades porque estão a passar sem disso serem responsáveis, e a grande incógnita de saber se os sacrifícios que todos nós estamos a fazer vão ou não valer a pena. Nesta "campanha desbragada" - (Mário Crespo dixit - SIC Notícias) - a que assistimos, ouvimos falar do artigo das espingardas do candidato Manuel Alegre, ouvimos falar do medo trazido pelo candidato Fernando Nobre, ouvimos falar dos "complots" do candidato Defensor Moura, ouvimos falar negativamente de tudo do candidato Francisco Lopes - com a habitual "confusão" do PCP entre buscar o tempo de antena para as presidenciais pensando que está nas legislativas, ouvimos o "populismo" do candidato saído das escolas do PCP, José Manuel Coelho, que dispara em todas as direcções - talvez dizendo aquilo que muitos pensam e não têm coragem de dizer "(vox populi vox dei)", ouvimos falar de negócios tortuosos de casas de férias no Algarve e negócios promíscuos no BPN e, como se tudo isto não bastasse, ainda viemos a saber pela boca do candidato Cavaco Silva, o valor da reforma "paupérrima"(!) da sua mulher!!! Mais recentemente, viria a apelar à manifestação pública dos defensores do financiamento do ensino privado (!) - talvez, porque os seus netos andam em escolas privadas? Qualquer dia ainda veremos Cavaco Silva à frente da Intersindical!!! Caso Cavaco Silva ganhe, - como tudo leva a crer -, como será a coabitação no futuro, depois do incentivo à inssureição e às críticas que fez ao governo? Ou será que pretende - como o próprio já "previu" - criar uma crise política para colocar o seu partido no poder? Enfim, pensamos que merecíamos algo de melhor. Nesta campanha pobre, sem ideias, sem nomes de peso, ficou reduzida a meia dúzia de pessoas que ninguém parece interessado em ouvir. Onde estão as grandes propostas para o país? Quem veio questionar que os juros que vamos pagar pelos empréstimos obtidos, são absorvidos pela redução de salários dos funcionários públicos, pela dotação para o Serviço Nacional de Saúde e pelo apoio à acção escolar? (Estes sacrifícios, em conjunto, apenas servirão para pagar o serviço da dívida e não para amortizar qualquer valor!). Que país vamos ter daqui a dez anos e que condições criaremos até lá, para pagar os empréstimos e os encargos que geramos neste momento? E para aqueles que geramos a vinte anos? De tudo isto, nem uma palavra. Ou porque não sabem bem o que dizer, ou porque andam "entretidos" com outras coisas. Nem Cavaco vai mais além, refugiando-se no "não faço comentários" a que nos habituou durante cinco anos como PR e dez como PM. Afinal até acha que não deve dizer nada, porque como todos sabemos ele está acima de tudo isto. Ele "nunca se engana e raramente tem dúvidas"!!! Agora, acha que uma segunda volta tem custo incomportáveis para o país!!! Afinal de que tem medo Cavaco Silva se as sondagens lhe dão uma ampla vitória? Assim, fica a sensação de vazio. Quase trinta e sete anos após o 25 de Abril de 1974, parece que voltamos ao círculo infernal da descrença e do fatalismo. A única coisa que, segundo nós, valeu a pena, foi a afirmação de Defensor Moura, que muito nos entusiasmou, sobre a defesa dos animais. Foi o único a falar no assunto, e podem crer que não foi por puro eleitoralismo. Defensor Moura enquanto presidente da Câmara de Viana do Castelo, foi o homem que proíbiu as touradas no distrito. Só por isso, merece o nosso apoio. Porque como bem disse um conhecido humorista português, "o nível de desenvolvimento dum país, mede-se pela maneira como trata os seus animais". Mas tirando isso, esta foi a campanha da nossa vergonha, onde se delapidam fundos públicos para este triste espectáculo. Como diz um provérbio inglês "if you pay peanuts, you get monkeys", só que aqui os dinheiros gastos são bem mais do que simples "peanuts". Esta é a "classe política" que temos, que cada vez mais vem desenvolvendo o "conceito de seita", - que tão bem foi retratado por Orwell -, para se proteger de todas as críticas. Olhando para tudo isto, ficamos com a sensação de que estamos dentro duma peça de teatro, como aquela que tão bem foi escrita por Guerra Junqueiro e Guilherme de Azevedo (este sob o pseudónimo de Gil Vaz) com o título "Viagem à roda da parvónia" (1879). Texto de uma tremenda actualidade que recomendamos que leiam. Lá encontrarão o Portugal do século XIX, mas também, o Portugal dos nossos dias. Este conceito mimético que cultivamos, dentro do pensamento tão bem definido de Daniel Bell, continua a ser aquele que habita a nossa existência. No fundo, como diz o politólogo José Megre, "isto ainda é o que resta de quatrocentos anos de Inquisição e de quarenta e oito de fascismo". O que significa que ainda não caminhamos o suficiente para ultrapassar estes fantasmas, se é que os ultrapassaremos algum dia. É com este espírito que vamos eleger a primeira figura do Estado, é com este espírito que vamos a votos... (quanto a nós, não nos revemos em nenhum dos candidatos).

Sunday, January 16, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 66


Neste últimos dias, continuamos a assistir a ataques e contra-ataques entre os candidatos presidenciais. É normal em democracia, que cada um defenda as suas posições, por vezes, acaloradamente, mas que isso signifique ignorar os problemas que a todos aflige, vai uma grande distância. Talvez por isso, é que as audiências e o acompanhamento da campanha eleitoral, atinge os mais baixos índices de sempre. As pessoas estão muito preocupadas com a situação em que vivem e não estão dispostas para "aturar" arrufos entre candidatos que se recusam, sistematicamente, a falar dos problemas reais do dia-a-dia. Que Portugal não está bem, todos o sabemos, mas o que muitos não sabem é que Portugal nunca esteve bem, ao longo da sua História, embora os sucessivos políticos tenham dado a entender o contrário. Já nos anos 30, em pleno Estado Novo, as coisas não corriam de feição. Portugal esteve numa situação de bancarrota eminente, o que levaria os políticos do regime, e as associações empresariais - tuteladas por esse mesmo regime -, a motivarem as populações para a poupança, alertar para o despesismo e, até, a consumir os produtos nacionais! Mas dê-mos voz àquilo que então se escrevia. Em editorial da Indústria Portuguesa, o presidente da AIP declarava que "por cada mil contos de produtos manufacturados que se importam num país, mandam-se para o desemprego cem pessoas". E concluia, "Combatei o desemprego consumindo produtos portugueses". (Indústria Portuguesa, Maio de 1937: 2). Foi a época dos "cinco pês": "Portugueses Patriotas Preferem Produtos Portugueses". Até parece que isto é um apelo dos nossos dias, das forças políticas actuais. Não, isto vinha escrito no orgão oficial da AIP (Associação Industrial Portuguesa) na sua revista Indústria Portuguesa em... 1937!!! Portugal - como já por diversas vezes referimos - parece que, historicamente, se tem limitado a andar em círculo, ao longo da sua longa História. Mas, se recuarmos um pouco mais, vemos o mesmo em plena monarquia, isto é, as mesmas ideias, as mesmas razões, os mesmo apelos, as mesmas dificuldades de sempre, pintadas apenas com variegadas cores ajustadas ao tempo e espaço em que se desenvolvem. Por isso, quando ouvimos falar de entrada do FMI (via fundo de estabilidade da UE) não percebemos o dramatismo que alguns põem em tudo isto. Ele já por cá passou por duas vezes, e a última das quais nos anos 80, até deixou a casa bem arrumada, embora depois a tenhamos desarrumado de novo, cumprindo assim, o nosso destino histórico. Claro que preferíamos que ele (o FMI) não viesse, mas se vier - e até pensamos que virá - não será o fim do Mundo. Porventura, será um embaraço para os políticos que fizeram desta questão, uma questão de lesa-pátria - embora a direita política fique satisfeita com a sua entrada, visto - como alguns já afirmaram e bem - sirva para levar em frente a política que esta mesma direita pretende, que não tem coragem de referendar, empurrando para outros as culpas. Não é preciso um grande esforço para perceberem isto, basta ouvir algumas afirmações dos dirigente e outros responsáveis do CDS/PP e do PSD, bem como, de algumas figuras "independentes" que navegam na mesma área de pensamento. Por isso, se disse que este último leilão da dívida pública foi um exito - palavras do Governo - e logo a direita veio desvalorizar a situação até mostrando algum incómodo por tal sucesso. Curiosamente, o candidato Cavaco Silva não se excluiu desse grupo, apesar do discurso - sempre tortuoso - que utiliza. Mas sobre este assunto, não nos esqueçamos de que isto não é a solução para os nossos problemas. Não podemos continuar sobre o "cutelo" dos mercados dia após dia, e celebrarmos cada sucesso como se se tratasse da independência nacional. Portugal tem ainda muitos leilões para fazer durante este ano - o próximo é já na próxima quarta-feira - e veremos se esta tendência é para continuar ou não. Tem-se falado, - e penso que está confirmada - a pressão sobre Portugal da UE - leia-se Alemanha e França - para que o nosso país recorra ao fundo de emergência. Isto não significa que a UE - e, sobretudo, estes dois países -, estejam preocupados connosco. Portugal é um país pequeno, periférico, com uma economia pequena e fraca. O que motiva esta gente é o possível contágio de Portugal a outras economias como a espanhola, italiana e belga. Sobretudo, a espanhola, que é uma economia forte, larga e que a recorrer à ajuda, levantará problemas complexos na UE, porque o fundo de emergência, neste momento, não tem dotação suficiente para injectar em Espanha. Daí se vir a falar no aumenta da dotação do fundo. Daí o leilão (protegido) de Portugal, a que assistimos na semana passada. Não nos deixemos iludir. O problema das finanças públicas é mais complexo do que se pensa, mas nada de diferente, daquilo a que já assitimos ao longo da nossa História. Como alguém disse, "a culpa de tudo isto é de D. Afonso Henriques que criou a primeira empresa falida a que chamou Portugal".

Tuesday, January 11, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 65


A campanha para as presidenciais tem-nos trazido alguns episódios recambolescos. Tal até seria normal em idênticas situações, mas quando os desmandos vêm de pessoas com elevada responsabilidade, é de todo confrangedor. Todos nos lembramos que num passado não muito longínquo, Cavaco Silva lançou o famoso "monstro", - era então primeiro-ministro Santana Lopes -, bem como a famosa frase da "boa moeda que expulsa a má". Palavras que não agradaram ao PM de então como é natural. Agora, em plena campanha eleitoral, Cavaco Silva volta a dizer que vinha alertando e que nada foi feito. É certo que o PR em Portugal não tem poderes para governar, mas tem outros poderes para dar sinais da sua posição e, quiçá, influenciar o rumo das coisas. Veja-se a convocação tardia do Conselho de Estado, a quando da aprovação do OE, que lhe tem valido críticas dos mais variados sectores. Mas as coisas não ficam por aqui. É bom lembrar que Cavaco Silva, logo após a vitória eleitoral que o levou a PM, decidiu o aumento generalizado dos funcionários públicos (?), alegando que era necessário dar dignidade às pessoas. Com esse gesto, aumentou em 50% a despesa pública, contra a própria opinião do ministro das finanças da altura, - Miguel Cadilhe -, que o tem citado em variadas entrevistas. Mas enfim, era a época do dinheiro fácil e a rodos, e mesmo Cavaco Silva, que pretende ser a consciência moral do regime, não lhe escapou. É certo que o seu sucessor, António Guterres, não lhe ficou atrás. Com a criação do rendimento mínimo, viria a aumentar os encargos do Estado, que na altura tinha pouco mais de 10.000 pessoas nesta situação, vindo a tornar-se o "patrono" de cerca de 150.000. Como se vê, os desmandos vieram de todos os lados, sobretudo, como é natural, das forças políticas que estão no arco da governabilidade, mas nunca nenhuma delas levou o "paternalismo" tão longe como Cavaco Silva. Como diz o povo, "só fala quem tem que se lhe diga". É preciso ter consciência que, aquilo porque estamos a passar agora, tem raízes bem mais longínquas, sobretudo, nos anos 80 e 90. Assim, como aquilo que estamos a pedir agora, terá repercursões numa geração futura, daqui a cerca de 20 anos. Este é o ciclo económico, e é preciso ter consciência disto, para não nos deixar-mos levar por "cânticos de sereia" por mais belos que eles sejam. Muitos dos problemas que estamos a passar, não derivam de desmandos actuais, porque esses só mais à frente, irão incomodar a geração dos nossos filhos. É necessário esclarecer tudo isto, para que não nos deixemos iludir. A crise da economia portuguesa vem de mais longe, quando todos pensávamos que tudo estava bem. O ciclo económico é longo e os impactos demoram a chegar, mas chegam. Sempre que a economia portuguesa esteve bem e em crescimento - uma das vezes foi nos anos 80, após a intervenção do FMI (!) -, em vez de se abater a dívida e reequilibrar a economia, seguiu-se a posição contrária. Como os juros, na época baixaram, a dívida ficou menor, e então à que gastar a torto e a direito, porque isso até dá votos. À dias, dizia Miguel Cadilhe que, nos anos 90 tinha sido convidado para umas jornadas do PSD, e que nelas, terá defendido o fim do betão, e a diversificação para outras áreas. Segundo o próprio afirmou, "zangaram-se comigo". Isto diz bem do que se está a passar, do que se passou e daquilo que por aí virá. Nesta saga em torno da economia portuguesa, é preciso ser-se bem avisado, e pensar que não existem inocentes, mesmo quando eles aparecem com a roupagem "paternalista" de "salvadores da pátria". Para além da discussão sobre o BPN, que contaminou a pré-campanha, e que promete continuar, ainda não foram discutidos nenhum dos problemas que afligem Portugal e os portugueses. Se o esclarecimento em torno do que se passou no BPN é importante, até para que todos saibamos quais as relações perigosas existentes, - mesmo entre alguns que se pretendem assumir como o paradigma de Portugal -, outro tema foi introduzido no fim-de-semana por Pedro Passos Coelho. O líder laranja em quem depositava-mos algumas esperanças para o futuro, vem-se mostrando, cada vez mais, ou sem sentido de Estado, - o que é grave para um candidato a futuro PM -, ou então, como fruto de manipulação pelos seus pares - com a ambição, já não contida, de chegar ao poder. Isto tem a ver com a possível entrada do FMI em Portugal, fruto do recurso do nosso país, ao fundo de estabilidade da UE. Como tem saído nos últimos dias na comunicação social, a Alemanha e a França vêm pressionando o governo português, no sentido deste, recorrer ao fundo. Apesar dos desmentidos, todos sabemos que, não à fumo sem fogo. Pois logo o jovem líder laranja veio dizer que se tal vier a acontecer deverão ser convocadas eleições antecipadas, logo secundado pelo populista Paulo Portas, que vê o ensejo de, mais uma vez, se sentir ministro. Estas afirmações são graves e desproprositadas. Primeiro, porque nos países que tiveram a intrevenção, como foi o caso da Grécia e da Irlanda, não houve alteração dos respectivos governos; segundo, porque com isto, estamos a dar sinais de profunda instabilidade política que os mercados não deixam de ter em conta. Marcelo Rebelo de Sousa já veio, no passado domingo, alertar para isto, dizendo que o PSD não pode dar sinais de: a) dar como certa a vinda do FMI, e b) depois disso, criar uma instabilidade política de que ninguém, (com bom senso), quer ouvir falar. O PSD tem estado, permanentemente, a dizer que não quer a crise, mas a potenciar essa expectativa no futuro imediato. Convenhamos que não é a melhor actuação na actual conjuntura. Se o FMI vier por aí - como achamos que virá - não será o fim do mundo como muitos o pretendem fazer crer. (Já o afirmamos em anteriores crónicas neste espaço e reafirmamos a mesma posição. Deixe-mo-nos de nos deixar assustar por papões que são agitados mais por interesse político do que pelo interesse nacional). No fundo, achamos que se devem ter em atenção as palavras de Manuela Ferreira Leite na comemoração do 9º aniversário da gestão autárquica da Câmara do Porto. Dizia ela que, "a classe política está desacreditada, afastada das populações e que os líderes políticos se habituaram a agradar a todos e tudo isso gera uma falsa esperança". Já vínhamos alertando para isto neste espaço e agora, MFL - com a qual até temos algumas divergências -, vem colocar o problema com o mesmo registo. Portugal e os seus políticos precisam duma forte reconversão, para que as populações - tão sacrificadas -, olhem para eles como o futuro da nação. Contudo, as contradições de todas as forças políticas, nomeadamente aquelas do chamado "arco da governação" são tão insanáveis, que parece que caminhamos a passos firmes para um beco sem saída do próprio regime. Poderá ser a democracia que está aqui em causa, numa das situações mais críticas que estamos a viver depois do 25 de Abril de 1974. Julgamos ser necessária a refundação da democracia, para dar oportunidade a outros, com melhores ideias e maior credibilidade, possam fazer algo por Portugal. Talvez estejamos a caminhar para a necessidade de fundar a 3ª República - ideia que vimos defendendo desde já algum tempo - com mais credibilidade, aproximando mais os políticos das populações, que todos nós, enfim, sintamos que estamos a contribuir para o bem comum. E devemos pensar nisto rapidamente, antes que Portugal se veja mergulhado numa implusão social sem precedentes, que ninguém deseja, mas que ninguém parece fazer nada para evitar.

Sunday, January 09, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 64


Neste início de ano de 2011, continuamos a assistir aos equívocos sem fim da nossa democracia. Pelo andar da carruagem, parece que este ano, será semelhante aos anteriores, com um cortejo de desmandos em que a nossa democracia se vem atolando, sem que, aparentemente, ninguém dê por nada - ou simplesmente olhe para o lado -, nem faça nada para mudar. Agora foi a promulgação, ainda no final de 2010, da lei do financiamento dos partidos. Como se dum jogo se tratasse, a lei aplica multas aos dirigentes partidários que não cumpram as regras do financiamento, mas essas multas, poderão ser inscritas nas dotações dos partidos, isto é, o Estado aplica a multa e depois... ele próprio a paga, a quando da dotação financeira aos partidos. Quando se exige tanto de todos nós, quando se institucionalizou a caça à fuga aos impostos, a caça a qualquer rendimento - legitimamente obtido - como se se tratasse de um roubo , vem depois o mesmo Estado disciplinador (?), promulgar leis de tal jaez que nos leva a pensar que, cada vez mais, este país se está a transformar num país de opereta. Não deixa de ser ridículo tudo isto, mesmo face à imagem que se pretende projectar além fronteiras. Como dizia à dias Fernando Nobre, num debate sobre as presidenciais que o opunha a Defensor Moura, "a classe política parece ser a dona de algumas questões, não admitindo que um cidadão não alinhado nessa classe as possa discutir". É verdade que a "classe política" como classe corporativa em que se transformou, não admite que outros ocupem a discussão, porque isso lhes retiraria protagonismo e controlo sobre as benesses que vão distribuindo entre si, como a lei do financiamento dos partidos é um bom exemplo. Mas os equívocos não ficam só por aqui. O tão alinhado PR, Cavaco Silva - o tal que nunca tem dúvidas e que raramente se engana -, não só promulgou a lei do financiamento dos partidos, como se vê, cada vez mais, envolvido na trama da SLN, sociedade que detinha o tristemente famoso BPN. Todos sabemos que o BPN, como o grupo que o sustentou, foi uma criação de gente próxima do PSD, embora agora dando o dito por não dito, - coisa muito típica dos políticos - parece que não é assim. Cavaco Silva não esteve de fora de tudo isto, como pretende fazer crer, mas, - embora não seja responsável por aquilo que fizeram, anos depois, os seus acólitos -, não deixou de ter, inclusivé, dinheiros próprios aplicados no grupo. A actual polémica que estalou na pré-campanha para as presidenciais, sobre a aquisição de acções da SLN, é disso exemplo. Cavaco comprou acções a um euro e vendeu-as dois anos depois com uma valorização de 140%(!). Sabe-se hoje que as vendeu por indicação do presidente do BPN e amigo de Cavaco, - Oliveira e Costa -, que assinou o despacho e fixou o preço. Como não restam dúvidas, tratou-se dum negócio de favor, que envolve Cavaco nos negócios da SLN - detentora do BPN -, sem que existisse um contrato e, pelo que se diz, sem liquidar impostos. Mas as trapalhadas que pressistem a colar-se a Cavaco sobre o BPN não ficam por aqui. Basta ver o incómodo que foi ter como conselheiro de Estado Dias Loureiro, e a dificuldade que este teve em sair do cargo que ocupava por força do escândalo BPN. Todos sabemos que os conselheiros de Estado não podem ser demitidos, mas uma boa conversa resolve muita coisa, e não deixa de ser estranho o prolongamento de funções de Dias Loureiro, sendo ele um próximo de Cavaco Silva. Estes são alguns dos enredos em que a nossa democracia é fértil, e que a vão minando por dentro sem, aparentemente, ninguém parecer ter vontade de por um travão a tudo isto. Com a carga restritiva que os portugueses estão a suportar, com elevado desemprego, baixos salários, cortes salarias, aumento da carga fiscal, aumento dos bens (mesmo de alguns dos essenciais), não deixa de ser estranho que exista uma classe (política) que parece que a crise lhe passa ao lado e que os sacrifícios são só para os outros, que nada fizeram para ter que assumir tão grave apertar de cinto. Como dizia à dias o Cardeal Patriarca de Lisboa, "é de temer no curto prazo uma agitação social grave", nós diríamos mais, Portugal pode vir a enfrentar a curto prazo um levantamento popular de proporções inimagináveis, não só pelos sacrifícios que a todos são impostos, mas sobretudo, porque vemos que estes sacrifícios não são equitativamente distribuidos por todos. Podemos estar na vereda duma implusão social, que terá custos elevados para o país, e que, certamente, deixará os fundamentos da democracia seriamente afectados, talvez mesmos, estilhaçados. É preciso que se comece a olhar para estas questões com a seriedade que elas merecem, e não meter a cabeça na areia, fingindo que não se passa nada.

Wednesday, January 05, 2011

Noite de Reis Magos


Nesta celebração da Epifania, nesta Noite de Reis, que esta noite celebramos, olhamos para trás e vemos que afinal, neste ciclo natalício que agora se encerra, os portugueses continuaram a gastar muito dinheiro - mais uma vez se bateram recordes - a dar muitas prendas e a receber muitas prendas, também. Afinal o Natal é, cada vez mais, um Natal de prendas, e das duas uma: - ou a crise não existe e, afinal, não nos disseram a verdade; - ou, somos todos irresponsáveis, e não temos bem a noção do ano que nos espera e que agora começou. Depois lamenta-mo-nos de que os jovens já não são o que eram, afinal "a geração rasca" existe, etc., etc., etc. Mas que fizemos nós para ser diferente? "A nossa juventude está decadente e indisciplinada. Os filhos já não escutam os conselhos dos mais velhos. O fim dos tempos está próximo"... por incrível que pareça, este comentário tão pessimista acerca da juventude foi escrito por um caldeu há já 4.000 anos! O que prova que as crises sociais de que hoje nos queixamos, nomeadamente a crise da educação e da juventude ligada umbilicalmente à crise da família, já vêm de muito longe: fazem parte da nossa história e continuarão a fazer. Claro que hoje as manifestações dessas crises têm outra visibilidade e muito maior poder de contágio... Para o bem e para o mal, há, de facto, circunstâncias e factores novos. Mas no fundo, como diz a Bíblia, "não há nada de novo debaixo do sol". E que fazer, então? Antes de mais, nunca pensar que a solução estaria no regresso ao passado. Como se sabe hoje, cada vez melhor, não há passados perfeitos. O caminho da solução passa sempre por uma análise fria da realidade e a identificação das causas que a explicam, e agir em consequência. A educação foi e será sempre um desafio e uma tarefa que exigem muita atenção, lucidez e coerência. Ser família - viver em comunhão, num clima de liberdade e de igualdade e, ao mesmo tempo, de interdependência e de inteira solidariedade - nunca foi, nem é, nem será fácil. Mas não tentar sê-lo é renunciar à nossa vocação fundamental e à realização positiva da nossa vida. Seria ainda fechar a primeira e insubstituível escola da vida e para a vida. Quando as gerações, nomeadamente, as mais jovens, crescem sem valores, onde a dádiva de presentes - de preferência caros, para impressionar - é o mote, que devemos esperar. Se crescemos sem valores, não teremos capacidade de os incutir às grerações vindouras. Afinal, nós que tanto pensamos em dar presentes, será que pensamos no essencial, que é dar-nos a nós próprios, à causa comum de ajudar os mais necessitados? Reflictamos nos presentes que os Reis Magos - que hoje celebramos - ofereceram ao menino Jesus, ouro, incenso e mirra. Presentes pobres, o ouro seria o mais valioso, mas corria-se o risco de ser assaltado com ele no bolso, o incenso e a mirra, teriam um valor mais simbólico que material. Mas, se reflectirmos naquilo que S. Mateus escreveu, talvez faça sentido. "Eles deram aquilo que mais precioso tinham". Deram, para além do valor, aquilo que para eles tinha mais valor. Deram-se a si próprios, quando vieram na demanda do Salvador nascido em Belém. É essa dádiva de nós mesmos que é fundamental, e que não se vê em lado nenhum. Essa é que é a verdadeira prenda e, neste ano que começa, - que se anuncia difícil -, talvez seja a maior de todas, a prenda da dádiva pessoal, a prenda da solidariedade para com o próximo. Já agora, se conhecerem alguém que seja cristão copta, não deixem de lhe desejar um Feliz Natal, porque para os coptas é, no dia de hoje, que se celebra o Natal.

Monday, January 03, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 63


Vamos iniciar este novo ano sob o signo da crise e da austeridade. Pelo que assistimos durante a época natalícia, parece que os portugueses - na sua maioria - ainda não interiorizaram o que por aí vem. Portugal está sob uma forte pressão internacional, que pode levar ao recurso ao fundo de estabilidade da UE e, concomitantemente, ao FMI, embora isso não seja definitivo. Quanto à vinda do FMI, não somos dos que pensamos que é o fim do mundo. É certo que preferíamos não o ter por cá, mas se vier, as coisas continuarão - possivelmente com mais rigor - mas nada para além disso. Que se destruam os fantasmas que por aí andam a ser agitados por pessoas e/ou forças políticas, com intuitos eleitoralistas bem vincados, mais do que, o interesse nacional. Já por cá tivemos o FMI por duas vezes, e não deixamos de ser quem somos. Contudo, à que pensar em uníssono que, estas medidas duras são inevitáveis, as coisas bateram tão fundo que não pode ser doutro jeito. E não pensem que vai ser só em 2011, não, esta situação vai prolongar-se durante os próximos cinco anos pelo menos. Já por diversas vezes fizemos referência ao comportamento inelástico da economia na retoma, e é isso mesmo, a que vamos assistir, (e estamos a pressupôr que tudo irá correr bem, o que não é, de todo, uma asserção definitiva). Continuaremos a divergir das economias da UE, - e isso é que é grave, mais do que a vinda do FMI - entraremos em recessão sem dúvida alguma, o desemprego irá ultrapassar, possivelmente, os 600.000, ficaremos mais pobres, e mais debilitados, com a agravante de ser-mos já um país pobre e periférico, o que em nada bem ajudar a situação. O governo, provavelmente, irá manter-se, - temos dúvidas que alguém esteja interessado em ir para lá na actual situação -, durante a legislatura, dando assim um sinal de estabilidade que é fundamental que seja dado. Mas devemos pensar bem como chegamos aqui. A crise internacional foi, sem dúvida, a mola que despoletou tudo isto, mas não nos podemos esquecer da atitude da banca em todo este processo, bem como, do comportamento político dos diversos governos, dando uma ideia de riqueza, de facilitismo, de pleno emprego, que eram infundadas, e que hoje vemos com clareza o quanto fomos enganados. Desde o início dos anos 90, - para não dizer ainda mais para trás -, que este vulcão começou a preparar a sua explosão. Ninguém viu, ou ninguém quis ver. Quando as primeiras falências começaram a verificar-se, já com um número significativo de casos, deviamos ter começado a olhar para o que estava a acontecer. Mas não, deu-se a ideia de que era o mercado a funcionar, a seleccionar as melhores. Pura ilusão, como hoje, vemos. Agora, que estamos em plena campanha eleitoral para as presidenciais, à quem esqueça as suas responsabilidades, e até, que ache que são eles os salvadores da pátria. Posturas obscenas, que não podem ser toleradas pelas populações. Mas a nossa cultura política é baixa, ou nenhuma, e esse é que é o mal. Ainda votamos como se tratasse do nosso clube mais do que no interesse da urbe. E depois ainda nos lamentámos. Mas a crise tem ainda razões mais profundas e obscuras. Veja-se o que algumas empresas e indivíduos têm ganho com ela. Maria José Morgado dizia à dias que "a crise tem por trás, oculto, fenómenos de inconfessáveis interesses". Reflictámos um pouco sobre isto, talvez começemos a ver as coisas duma outra forma.