Turma Formadores Certform 66

Thursday, February 27, 2014

Equivocos da democracia portuguesa - 324

A "troika" está a um passo de sair de Portugal, mas desenganem-se aqueles que pensam que com ela irão todos os nossos problemas, dramas e angústias. Não. Esses permanecerão e por muitos anos. Há dois anos atrás numa conferência que pronunciamos no ISCAP afirmamos que a recuperação iria ser lenta e com o espaço temporal duma geração. Algumas pessoas do corpo docente dessa Instituição acharam que estávamos a ser pessimistas. Uma professora abordou-nos no fim da conferência para dizer que era preciso dar um sinal de otimista e que a nossa visão era muito redutora. Como gostaríamos de estar enganados. Já nessa altura era evidente que esta situação se iria perpetuar no tempo. E vai porque a dívida é impagável e se não a renegociarmos estaremos agrilhoados a esta situação para sempre. Aliás, a atitude da "troika" neste fim de ciclo, e a acreditar nas afirmações ontem proferidas por diversos parceiros sociais, é bem evidente disso mesmo. A "troika" sai mas continua a mandar no país, enquanto o ferrete da dívida não esmorecer. Hoje há uma recompra da dívida por parte do governo. É uma boa notícia mas não deixa de ser uma gota num imenso oceano. Aliás, a tentativa do governo de ir empurrando para a frente algumas das decisões mais complexas, como foi o caso da troca de dívida feita o ano passado, é uma forma de deixar um presente envenenado a quem vier a seguir. Só que, como esta situação se vai perpetuar no tempo ainda por muitos anos, quem sabe se a bomba relógio rebenta nas mesmas mãos que a prepararam. Isso não é de todo motivo de júbilo para ninguém porque, em última instância, quem vai sofrer com tudo isto seremos todos nós. E não basta entrar no discurso populista de que o anterior governo é que criou esta situação. Não nos devemos esquecer que tudo começou na banca e que todos estes sacrifícios, em boa medida, têm servido para a ajudar e não tanto as populações. Quem criou este imbróglio foram todos os governos desde o 25 de Abril de 1974, sobretudo, os governos de Cavaco Silva que mais potenciaram esta situação. E todos os que se lhe seguiram, independentemente do partido que momentaneamente assumiu o poder, apenas foi juntando pedra sobre pedra a um muro já de si elevado mas que ninguém pareceu ver até então. Por isso, este jogo de passa culpas entre os partidos do chamado arco governamental, não passa disso mesmo, dum jogo e, sobretudo, duma consciência muito pesada. Mas em momentos eleitorais tudo vale, infelizmente. Aparecerão alguns a dizer que são os salvadores da Pátria culpando os outros pelo descalabro, mas ninguém está de mãos limpas neste processo. Os partidos que foram governo ao longo destes quarenta anos têm, quer queiram quer não, a responsabilidade e a sua quota-parte em tudo isto. Não queremos dizer com isto que o fizeram intencionalmente, mas que não souberam avaliar os riscos é por demais evidente. Ou então houve situações que a tal conduziu e que não são conhecidas do público. Sempre os meandros tortuosos da política. A indefinição é a norma, mesmo quando os políticos se apresentam com um discurso firme e aparentemente bem fundamentado. O embaraço que ontem assistimos de Miguel Frasquilho ao dizer que o PSD tinha sugerido à "troika" uma saída com programa cautelar e vindo nega-lo duas horas depois, mostra bem que tudo ainda é muito volátil e como tal com piso pouco firme sobre o qual caminhar. Mas a situações dessas iremos assistir no futuro, com este ou outro governo. Porque tudo é ainda muito precário, embora nos queiram fazer crer o contrário. A "arrogância" da "troika" de que ontem ouvimos falar pode ser bem o sinal de que muito caminho ainda há para fazer. No entretanto, são os representantes dos credores que vão ditando as leis, quer queiramos quer não. Tudo o resto não passa duma cantilena bem afinada para iludir os eleitores. Os problemas cá estão. Os problemas cá permanecerão e por muitos anos. Disso que ninguém tenha dúvidas para depois não vir a sofrer mais uma nova desilusão.

Paco de Lucía: morreu o guitarrista que universalizou o flamenco

A solo, com o seu sexteto, ou em colaborações, o guitarrista espanhol universalizou o flamenco, recriando-o e mesclando-o com outras sonoridades, mas sem nunca perder de vista a raiz fundadora do género. Paco de Lucía morreu esta quarta-feira aos 66 anos. Pelo seu interesse, reproduzo aqui o artigo publicado n o jornal Público e assinado por Vítor Balanciano.
 
"Quase todas as grandes famílias musicais têm heróis assim. Alguém que sem perder o contacto com a raiz fundadora de determinada tipologia musical é capaz de expandir o seu leque de influências, acabando por universalizar essa linguagem. O flamenco teve a sorte de ter o guitarrista, compositor e produtor Paco de Lucía, que morreu esta quarta-feira, aos 66 anos, de enfarte cardíaco. Estava na praia com os filhos, em Cancún, no México, onde tinha uma casa, quando se sentiu indisposto, vindo a morrer a caminho do hospital. A cultura espanhola perdeu um dos seus pilares. Ele foi esse músico que, sem perder o contacto com a essência, foi capaz de mesclar o flamenco com outras sonoridades, principalmente com o jazz ou a bossa nova, embora os blues, a salsa, a música hindu ou a música árabe também o tenham marcado. Mas não foi apenas porque revestiu exteriormente o flamenco que se tornou imortal. Nunca é apenas por isso. É também, e talvez ainda mais importante, porque possuía o alento interior, a inspiração, que lhe inflamava a alma, passando essa intensidade para os dedos e a guitarra de seis cordas que dedilhava como ninguém. Em Portugal, onde actuou por diversas vezes (a última das quais em 2007), era vê-lo, sentado, perna traçada, curvado sobre a sua guitarra, ora introspectivo, ora dinâmico e agitado, mas sempre apaixonado. Até ao seu despontar o flamenco era rude e folclórico. Com ele tornou-se estilizado, elegante e elástico, numa reformulação que lhe atribuiu maior profundidade de campo. Como todos os grandes heróis populares transcendeu fronteiras e estilos. Também tinha, como acontece sempre nestes casos, detractores, que o acusaram de abastardar o flamenco, quando o começou a mesclar com jazz. Ele levava sempre consigo a cultura da Andaluzia e o flamenco, mas o seu olhar tinha dimensão universal. Ao longo dos anos transformou-se no mais internacionalmente reconhecido intérprete do flamenco. “Nunca perdi a ligação com as raízes na minha música”, afirmou numa entrevista na década de 1990. “O que tentei fazer foi situar-me na tradição e, ao mesmo tempo, procurar noutros territórios, procurar coisas novas para transportar para o flamenco.” Anos mais tarde reafirmaria essa ideia. "Não tenho medo que se perca a essência do flamenco", declarou em Agosto de 2004, depois de receber o Prémio Príncipe das Astúrias, distinção maior das artes e da cultura em Espanha. "Um guitarrista tem de ter mais do que ritmo, tem de ter ar. Ar é fundamental", declarou na mesma entrevista. Estreou-se em disco com Dos Guitarras Flamencas (1965), em duo com Ricardo Modrego, e desde então a sua discografia nunca mais parou de crescer. Álbuns como Fantasia Flamenca (1969), El Duende Flamenco (1972), Fuente y Caudal (1973), Almoraima (1976), Castro Marin (1981), Siroco (1987), Zyriab (1990) ou Concierto de Aranjuez (1991) acabaram por popularizá-lo, embora o seu grande sucesso transversal tenha sido o tema Entre dos aguas. Nasceu a 21 de Dezembro de 1947 em Algeciras. Francisco Sánchez Gómez era o seu verdadeiro nome, mas acabou por adoptar o de Paco de Lucía, como homenagem à mãe, Luzia, de origem portuguesa, de Castro Marim, que adoptou o nome de Lucía Gomez. O pai, também guitarrista, tocava de noite nas casas de flamenco e de manhã era vendedor no mercado. Ele era o mais novo de cinco irmãos, sendo três deles (Pepe e Ramón, actuaram ao seu lado) também músicos de flamenco. Aos 5 anos recebe do pai a sua primeira guitarra e as primeiras lições. Faz parte do duo Chiquitos de Algeciras, no qual acompanhava a voz do irmão Pepe e é na Radio Algeciras que dá o primeiro recital. Em 1959 obtém um prémio no Festival Internacional Flamenco de Jerez de la Frontera. Entretanto a sua família mudou-se para Madrid e ele ingressou na companhia do bailarino José Grego como guitarrista, em 1963. Durante uma digressão conheceu em Nova Iorque os guitarristas Sabicas e Mário Escudero que o incentivam a procurar o seu estilo de tocar. Em 1965 grava dois álbuns com Ricardo Modrego e, dois anos mais tarde, participa na digressão Festival Flamenco Gitano durante a qual viria a gravar o seu primeiro disco a solo, La Fabulosa Guitarra de Paco de Lucía (1967). Um ano mais tarde acaba por conhecer o vocalista Camaron de La Isla, com quem viria a gravar mais de dez álbuns, até à morte daquele em 1992. No seu álbum a solo de 1969, Fantasia Flamenca, já está bem definido o estilo fusionista que o caracteriza. Fuente y Caudal, de 1973, é o álbum na qual se inclui a rumba Entre dos aguas, que esteve quase para não ser incluída nesse disco e que o viria a tornar famoso. Em 1977 entra nos domínios do jazz, gravando e actuando ao vivo com John McLaughlin, Al Di Meola e Larry Coryell. Com aqueles virtuosos das seis cordas assombrou plateias de todo o mundo com a sua técnica, o que contribuiu decisivamente para ganhar uma legião de novos admiradores. Grava com o grupo Dolores, numa homenagem a Manuel de Falla, acabando por Pardo (flauta) e Dantas (percussão) – fundadores dos Dolores – entrarem para o seu sexteto em 1981, na companhia de Carlos Benavent (baixo) e dos seus irmãos Ramon (guitarra) e Pepe (voz). O álbum ao vivo Live One Summer Night, gravado pelo colectivo, é um sucesso e no ano seguinte inicia uma colaboração com o pianista americano de jazz Chick Corea. Em 1986 acaba por voltar ao formato mais introspectivo da guitarra acústica e o sexteto apenas regressa cinco anos mais tarde. Os álbuns Siroco e Zyriab (na companhia de Chick Corea) consolidam a sua fusão de flamenco, jazz e bossa nova que brilha em grande plano no Concierto de Aranjuez, de Joaquin Rodrigo, gravado em 1991 com a Orquestra de Cadaqués. Em 1996, 13 anos depois da sua anterior colaboração, grava de novo com John McLaughlin e Al Di Meola o álbum The Guitar Trio, seguido de uma digressão mundial. Dois anos mais tarde gravou um álbum de tributo à sua mãe, Luzia, e deu inicio a uma digressão mundial acompanhado por um sexteto renovado. Em 2004 viria a editar o seu último álbum de estúdio, Cositas Buenas, que veio promover a Portugal. Distinguido com o Prémio Príncipe das Astúrias das Artes em 2004 e doutor honoris causa pela Universidade de Cádiz e pelo Berklee College of Music, recebeu também um Grammy pelo melhor álbum de flamenco de 2004, o Prémio Nacional de Guitarra de Arte Flamenco, a Medalha de Ouro Mérito das Belas-Artes 1992, o Prémio Pastora e o Prémio da Música 2002. Nos últimos anos viveu em vários locais, em Espanha (Palma de Maiorca, Toledo), e fora também (Cuba, México), numa mistura de bonomia e isolamento, marcas da sua personalidade reconhecidas pelos que com ele conviviam, e também presentes na forma como olhava para música: qualquer coisa fundada na cultura local da Andaluzia, aprofundada de forma individual, mas expressada de forma comunitária e com um enorme apelo global."

Paco de Lucía morreu esta quarta-feira aos 66 anos. E com ele uma certa forma de olhar o flamengo. Descobri Paco de Lucía vai para muitos anos, a quando da edição do disco "Friday Night in S. Francisco" em que tocava com John McLaughlin, Al Di Meola . Numa onda jazzística em que o flamengo era levado pela mão sábia de Paco de Lucía por caminhos que nunca antes tinha percorrido. Depois, viria a escutá-lo de novo num outro disco com um tema que se tornou célebre "Sólo Quiero Camiñar". Se o disco anterior tinha mexido muito comigo, este outro, foi a prova definitiva de que tinha que dar mais atenção a este grande intérprete. E assim aconteceu durante muitos anos. Fui escutando disco após disco tirando sempre algo de novo e criativo de cada um deles. Até que hoje soube da sua morte. A guitarra do flamengo deixou de ecoar os seus acordes, mas a memória de Paco de Lucía perdurará no tempo. Descansa em paz, Paco de Lucía! 

Monday, February 24, 2014

A Europa indecisa

Temos vindo a assistir em algo que parecia erradicado da tão evoluída Europa, refiro-me ao problema ucraniano. Para muitos ucranianos a Europa ocidental é o "El Dorado" face ao atraso dum país que tende a cair ciclicamente nos braços da Rússia. Não esqueçamos que a Ucrânia já foi uma parte integrante da antiga União Soviética. Ainda hoje, quem demanda esse território longínquo, ainda se confronta com as duas línguas base, o ucraniano e o russo. Mas se muitos ainda sonham com os tempos da ex-URSS outros já pensam nos benefícios que o ocidente, bem mais evoluído e rico, lhes pode proporcionar. No meio de tudo isto, está a UE que, mais uma vez, parece não saber bem o que fazer. A falta de estratégia face a problemas na sua proximidade das suas fronteiras, ou mesmo dentro da própria UE, são por demais evidentes e tendem a tornar-se crónicos. Todos nos lembramos do que se passou há alguns anos atrás a quando do conflito dos Balcãs, que ainda hoje mostra, duma forma pujante, as suas cicatrizes. Aí, então, a UE também andou dum lado para o outro, sem saber bem o que fazer, numa falta de estratégia que não pode esconder. Depois não deixa de olhar para o outro lado do Atlântico e ver a posição que os EUA vão tomar. A UE que apareceu como mercado único para fazer face à hegemonia dos EUA e do Japão, vê-se assim, numa dependência confrangedora. E tal como no Kosovo, agora assistimos ao retalhar de vidas, numa orgia de sangue que pensávamos banida do nosso continente. E só depois de muitas existências ceifadas, de muito sangue correr pelas ruas, é que parece que a UE acorda do seu usual torpor para fazer alguma coisa. O mesmo se diga do que está a acontecer com os conflitos em África que tornam a Europa numa enorme Lampedusa. A falta de estratégia, talvez provocada pela não existência dum exército comum, levam a que a Europa acabe sempre por ficar para trás, navegando a reboque doutros países, ou doutros continentes, caucionando políticas que, na maioria dos casos, não são as europeias. A UE não pode ser só um espaço económico-financeiro, sempre pronta a chamar à razão os países que se desviem da sua estratégia, sempre pronta a esmagar esses países, que são seus membros também, com a mais vil austeridade conduzindo os seus povos ao limiar da pobreza que era a razão primeira da sua existência. Vemos nesta mesma Europa, crescer as sementes dos nacionalismos que tanto mal já causaram à Humanidade, como aconteceu agora com a Suíça, na limitação da circulação de pessoas. Mas a Suíça não é membro da UE, e quando for a Alemanha que, ao que parece, se prepara para fazer o mesmo? Sabemos do ganhar de terreno das forças de extrema-direita na Europa. Sabemos como é possível a sua vitória na tão próxima França. Vemos uma Hungria fascista, a Bulgária próxima da extrema-direita, duma Holanda a seguir o mesmo caminho. Mas também sabemos que, esses não são os valores que nortearam a formação desta UE, que tem servido de tampão aos conflitos em que a Europa sempre foi fértil ao longo da História. E isso deve-nos fazer refletir. Que caminhos está a trilhar a Europa? Esta Europa ultraliberal que se transformou num imenso gabinete de contabilidade, perdendo os seus valores que foram a sua matriz ao longo dos tempos. Uma Europa indecisa, uma Europa sem rumo, sem saber para onde vai e o que deve fazer, sem projeto social, não é seguramente a Europa que gostaríamos de ver, nem seguramente é a Europa pela qual muitos ucranianos estão a dar a vida.

Sunday, February 23, 2014

Equivocos da democracia portuguesa - 323

Assistimos neste fim-de-semana a mais um congresso dum partido político, desta feita o PSD. Aparentemente era um congresso sensaborão com alguns participantes zangados com os seus companheiros de jornada, gritando até com eles. e não foi nem um, nem dois os casos. Quando tudo parecia arrumado, eis que aparecem alguns dos barões e ex-líderes do partido. Morais Sarmento, Marques Mendes, Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Santana Lopes. Tudo ficou mais animado, e até expectante, porque nunca se sabe o que é capaz de sair de turma tão pesada. Todos eles são gente não alinhada com o presidente do partido, ou pelo menos eram-no até hoje. Mas, apesar de tudo isso, aqui gostaríamos de salientar duas figuras a de Morais Sarmento e a de Rebelo de Sousa. Ao primeiro coube talvez o mais brilhante discurso da noite, coisa bem distante dos restantes congressistas que não lhe têm o verbo. Até aqui se nota o estiolar das grandes figuras da nossa democracia. Onde antes tínhamos um lote de grande oradores, que arrastavam multidões, que inflamavam com o seu verbo, agora temos apenas umas pessoas que fazem uns discursos comum, de gente comum. A Assembleia da República é bem o exemplo disso mesmo. Assim, aqui deixamos a nota máxima para Morais Sarmento. Podemos gostar ou não dele, podemos divergir ou não das suas ideias, mas temos que reconhecer que ele ainda representa um lote de políticos que já fizeram escola entre nós, antes dos politiqueiros que temos hoje. A segunda nota vai para Rebelo de Sousa. Não por ter aparecido, não por ter feito o discurso que fez. Porque homens como Marcelo Rebelo de Sousa podem aparecer a qualquer altura porque só enobrece quem o recebe, e também, pode chegar e dizer o que lhe apetecer porque está a cima da mediocridade e tudo o que disser, nem que seja contar anedotas, arranca aplausos face a tão pobre gente que está na plateia. Mas o extraordinário da sua presença foi a ideia, que aliás ele próprio acabou por apadrinhar não fosse outros aproveitarem a deixa, de que ele se "estava a fazer ao piso" (sic) para ser candidato a Belém. E aqui é que está toda a diferença. Porque depois da rejeição da sua possível candidatura feita por Passos Coelho à dias, não deixou de ser surpreendente que Marcelo fizesse tal coisa. Se calhar nem era essa a intenção, mas foi a ideia que passou, ideia que ele próprio reconheceu na sua intervenção. Achamos que uma figura como Marcelo Rebelo de Sousa não precisava de ter feito o que fez. Porque se quiser ser candidato, com ou sem o apoio do PSD, é-o com certeza e se calhar até causará muito embaraço ao candidato do seu próprio partido, caso fosse o caso. Quem não quer ser lobo não lhe veste a pele é usual ouvir-se. Aqui Marcelo vestiu a pele do lobo o que não deixa de ser curioso se pensarmos em alguns comentários que tem feito sobre a atual situação política nacional. Pensamos que Marcelo não precisava disso. Achamos que a atitude que tomou não foi a melhor. Deu bem a ideia da ânsia do poder, a ânsia da Presidência da República de que há muito se fala. Mas mesmo que tal seja o caso, um pouco mais de discrição não lhe ficaria mal. Até neste caso, o PSD deve estar grato. Porque se não fosses essas pessoas tudo não teria passado dum marasmo. Porque não havia nada para dizer, a não ser o que já conhecemos desde à três anos a esta parte.

Friday, February 21, 2014

Equivocos da democracia portuguesa - 322

A nova disputa que agora se trava é a de saber se saímos do pós-"troika" com o sem programa cautelar. (Como não há fome que não traga fartura, como diz o povo, agora até já temos direito a uma terceira via!) Como se isso fosse uma determinação dum país pequeno, pobre e periférico como o nosso. Depois da Irlanda ter saído sem recorrer a nenhuma programa cautelar, Portugal ficou sem rede nesta matéria. Agora temos que nos desenvencilhar sozinhos. Dentro do próprio executivo, tanto quanto é percetível, parecem existir duas correntes, uma a favor e outra contra o dito programa cautelar. Mas como alguns países da UE, desde logo, os países nórdicos, seguidos da Alemanha e Holanda, se opõem a que Portugal tenha o tal programa, parece que aqui a nossa opinião vale de muito pouco. Se os credores não a equacionam, o problema está resolvido por natureza. É certo que na política tudo é efémero, tudo muda a uma velocidade estonteante. Mas mesmo assim, parece que o destino está traçado. Não será por acaso que o governo já se está a preparar  para financiar até 2015, ano das eleições legislativas, se não forem antes, e depois logo se verá. Quem vier a seguir que se "desenrasque". Isto diz bem do que se pensa ao mais alto nível, isto é, que o programa cautelar seria bom como rede no futuro imediato logo que a "troika" saia do país, mas tal parece ser muito difícil de alcançar. Se existir, o governo virá dizer que é melhor assim para termos uma espécie de seguro, se não acontecer assim, aparecerão logo alguns a dizer que afinal fomos bem sucedidos e que até saímos "à irlandesa". Esta é mais uma questão, que se nos afigura bizantina, que vai entretendo as pessoas, os comentaristas e quejandos, enquanto o país vai continuando a ser delapidado, vendido a preço de saldo, empobrecido, sem empregos e com uma emigração ao nível da que vimos nos anos 60, só que desta vez, a saída é da geração mais qualificada que alguma vez Portugal teve, e não já de pouco mais do que analfabetos como era então. Porque afinal o tal "milagre económico" não é tão milagre assim, quem o reconhece é o próprio ministro da economia, Pires de Lima, pai da tão infeliz expressão. É que depois da saída da "troika" os problemas ficam por cá e a austeridade vai continuar. Agora que começou a 11ª avaliação já se vai falando num novo corte para 2015 de 2 mil milhões de euros! No fim de contas, Portugal não está hoje melhor do que o que estava antes da "troika" e quanto às populações, nem é bom falar. Usando as palavras de Manuela Ferreira Leite: "Nem toda a euforia é muito sincera. Há algum teatro.” Como costumamos dizer, aqui como noutras circunstâncias, a História repete-se, mas nunca da mesma maneira.

Monday, February 17, 2014

Equivocos da democracia portuguesa - 321

Temos vindo a assistir a mais um enlevo da governação ultraliberal que nos saiu em sorte vai para três anos. O enlevo dum pretenso consenso com o PS, o mesmo PS que foi afastado das grandes decisões durante toda a governação ultraliberal, e que só aparece quando o governo está em apuros. Sim, é mesmo disso que se trata. Apuros. É que apesar do foguetório sobre o pretenso "milagre" económico que não se vê, da dívida que não pára de crescer, da falácia do desemprego aparentemente que diminuiu fruto da emigração e dos que já nem tentam arranjá-lo, mas que na prática se traduz da diminuição líquida de postos de trabalho - como em anterior comentário fizemos referência -, do empobrecimento das famílias e logo da nação que nos reduziu a níveis de à 40 anos atrás, enfim, depois de todo este cenário, é caso para dizer que a governação está em apuros, logo, nada melhor do que engajar o PS no cortejo fúnebre da governação. Mas parece que a perturbação começou a campear por todo o lado e em todos os setores. A presidência da República anda para trás e para a frente sem rumo muito claro, a Assembleia da República cada vez mais desprestigiada em que a sua presidente vem agora pedir apoio dum qualquer mecenas para celebrar os 40 anos do 25 de Abril (!) - coisa logo retirada pelo desconforto que criou em todos, até nos seus confrades -, e dum governo que vai mostrando uma aparente união que é mais ilusória do que real. Quando Portas - mais uma vez ele - vem dizer que para 2015 à que baixar o IRS, (coisa que nunca o primeiro-ministro ou a ministra das finanças assumiram), parece que está a preparar mais um conflito interno, nada que não se resolva com mais uma saída "irrevogável" - afinal já tem experiência destas situações confrangedoras. Agora ninguém pensa nisso, porque o governo ( e não só ) já está em campanha eleitoral e vai daí tudo é um mar de rosas com o leite e o mel a escorrerem pelas paredes. As eleições europeias estão de facto aí à porta. Estas costumam passar um pouco ao lado dos eleitores, mas agora, seria bom que não acontecesse o mesmo. Porque a Europa precisa dum novo rumo, - visto este já ter demonstrado ao que veio -, dum rumo que coloque os países membros num patamar diferente, que faça terminar duma vez por todas esta saga de miséria em que os ultraliberais nos mergulharam. O que faz com que o número dos eurocéticos não deixe de aumentar. Para isso, é preciso que se vote em força para que uma nova política resgate esta que tem vigorado e crie as condições para que os países do sul vejam a tão desejada luz ao fundo do túnel. E isso é urgente. E isso é fundamental que aconteça para bem da União Europeia. Porque o descontentamento é muito. Porque esse descontentamento está a contaminar os eleitores. Porque toda esta situação pode levar à destruição do projeto europeu. A possível vitória da extrema-direita em França pode e deve ser o sinal de alerta que é preciso fazer algo e muito rapidamente. O projeto europeu tem sido o travão a uma conflitualidade latente na Europa, que atingiu o seu apogeu na II Guerra Mundial. É preciso fazer algo. É preciso dar um sinal de que a Europa fraterna e solidária, com um projeto social que fez inveja ao mundo, está de volta. Para bem da Europa e dos europeus.

Friday, February 14, 2014

Feliz Dia de S. Valentim

Hoje cumpre-se mais uma celebração, uma das muitas que preenchem o nosso calendário. Trata-se do Dia de S. Valentim. Dia dito dos namorados - mas porquê só dos namorados? - e não um dia de todos os que se amam e distribuem o Amor pelo mundo. Dia dedicado ao romance, que eu gosto sempre de o transformar saindo do lugar comum, daí que ache que este é o dia do Amor. Do Amor incondicional, e não só, do amor físico, sexual, porque redutor, mas sim, do Amor, no mais lato sentido do termo. O Amor que nos envolve, que une seres da mesma espécie, (não faço aqui distinção de género), mas também, do Amor por tudo aquilo que nos rodeia, esse Amor maior e bem mais importante do que o outro. O Amor incondicional. É assim que eu o entendo. O Amor como dádiva de nós ao outro, seja lá o outro o que for, mas Amor, algo que sai do mais íntimo de nós, do mais puro que o ser dito humano, tem para dar. Esse amor sem reservas, sem medos, sem receios, apenas porque e só Amor. A todos vós que espalhais o Amor, que ajudais a que o mundo seja bem melhor e mais colorido um feliz dia de S. Valentim!

Friday, February 07, 2014

Défices crónicos, contas equilibradas?

Respiguei este artigo do jornal Economia e Finanças, que dado o seu interesse, publico aqui na íntegra. Tratam-se em boa verdade de dois artigos que aqui compilei num só para não quebrar o ritmo da leitura.

"Por vezes ouve-se na praça pública que um país com um défice crónico durante anos, décadas ou mesmo séculos está condenado a estar permanentemente em desequilíbrio e a entrar em processo de falência. Pegamos nessa “verdade absoluta” para a desmontarmos e explicarmos de caminho o que é verdadeiramente relevante no processo de gestão do deve e haver de um estado soberano. Intuitivamente parece impossível que um país que tenha défices orçamentais crónicos mais cedo ou mais tarde não entre em colapso financeiro, afinal todos os anos o défice aumenta a dívida. Mas o que é relevante, é o valor que se deve, ou a capacidade de pagar os juros e o capital? Geralmente quando falamos em défice público, ouvimos falar de uma percentagem e não tanto de um valor monetário. A percentagem de que se fala é o peso do défice na riqueza que se gera durante um ano. O mesmo sucede com a dívida; a dívida hoje anda pelos 130% da riqueza gerada em Portugal num dado ano, ou seja, é 130% do PIB. E é aqui que temos o segredo para que a afirmação de que défices crónicos geram falência possa, em certos casos, estar errada. Imagine que o défice aumenta em euros todos os anos (todos os anos nos endividamos) mas imagine que a riqueza produzida no país por ano, aumenta mais depressa. Nesse caso, o peso do défice no PIB e da dívida no PIB diminui, ano após ano. Ou seja, ano após ano o serviço da dívida será cada vez mais fácil de suportar porque a nossa riqueza (o bolo de onde vamos buscar os recursos para pagar o que devemos) está a crescer mais depressa do que a nossa dívida. Simples, não? As contas só se complicam verdadeiramente se o défice e a dívida aumentarem de peso no PIB ou se por alguma razão a máquina fiscal (a que vai ao PIB cobrar impostos para pagar as dívidas) começar a funcionar pior. Mas esqueçamo-nos nesta prosa da eficácia da máquina fiscal e detenhamo-nos no resto. A complicação das contas pode acontecer por duas vias: por um lado o défice pode aumentar mais depressa do que cresce a riqueza gerada (como já vimos), por outro lado, mesmo que o défice abrande, se a riqueza anual se contrair (em vez de crescer), o peso do défice e da dívida tende a ser cada vez maior  e mais difícil de suportar. Num enquadramento de história económica recente, orientado para o caso português e europeu, notamos que na crise recente, combinaram-se vários efeitos negativos de consequências dramáticas no défice e na dívida. Um deles foi o fim do acesso ao mercado da dívida pública por parte de alguns países. Algo que foi fortemente impulsionado pelas declarações de Angela Merkel e Nicolas Sarkozy em 2010 quando afirmaram publicamente que, na Zona Euro, cada um era responsável pela sua dívida: não havia solidariedade dentro de uma zona monetária com moeda comum (ao contrário do que era intuído até ali pelos mercados). Na sequência de tais declarações, e no meio de uma crise onde há dois anos se instalara um forte sentimento de desconfiança e se acumularam orientações erráticas no combate à crise por via da política económica comunitária, os famosos 'ratings' degradaram-se rapidamente entre os países com maior fragilidade económica e/ou com mais problemas conjunturais (bolhas imobiliárias, crise de insolvência e/ou liquidez bancária, etc). Em larga medida, iniciou-se um processo de bola de neve, agravado por várias outras decisões internas à Zona Euro que conduziram à assunção pelo Estado de dívidas privadas e a uma política única de austeridade em todo o espaço europeu. Em pouco tempo, as falências soberanas tornaram-se inevitáveis e a disponibilidade de credores para comprar o défice que se gerava diminuiu. Foi como se a Zona Euro tivesse recuado ao dia anterior à sua formação em termos de avaliação de risco. Ora, voltando à nossa questão, cada euro de dívida nova e antiga (quando chegava ao momento de a renegociar) passou a ser muito mais caro de vender a credores ou mesmo impossível de colocar no mercado. Por outro lado, a tentativa de reduzir rapidamente o défice por via da austeridade (reduzindo as necessidades de financiamento da máquina do Estado, os apoios sociais e as pensões) revelou-se e continua a revelar-se inglória sendo ela própria responsável por uma parte significativa do reforço do peso da dívida no PIB à conta dos efeitos de destruição da capacidade de gerar riqueza. Nestes últimos anos, o défice em valor monetário cai ligeiramente mas cai mais devagar do que tem caído o PIB e a perspetiva de se obter financiamento direto nos mercados a um preço suportável continua a ser extremamente incerta e volúvel. Não por acaso, perante esta equação impossível de continuar a sustentar os níveis de dívida atual mantendo um regime democrático e alguma perspetiva de crescimento económico, se ouve de um lado quem reclame que se tem de reestruturar a dívida (alguma forma aliviar o custo anual da dívida) e, de outro lado, quem (como o Bundesbank – banco central alemão) procura alternativas criativas à austeridade que lhe parece agora condenada ao fracasso, nomeadamente obtendo essa “reestruturação” da dívida por via de um imposto global sobre a riqueza existente nos países mais endividados (depósitos, ações, etc.). Não detalharemos esta segunda opção mas cumprida sem salvaguardas e sem compromissos internacionais duradouros (no fundo uma reforma institucional de monta na Zona Euro), revelar-se-ia o pior dos dois mundos, uma espécie de saída do euro só com a parte má. Para concluir, o que queríamos sublinhar é que nesta história de dívida e défice, o que é fundamental é garantir por cada euro de dívida, a riqueza nacional aumente mais do que esse euro obtido a crédito, adicionado do respetivo juro a pagar. Nesse caso, o endividamento eterno não só não é problemático como é uma excelente ingrediente para dinamizar o crescimento. E, pasme-se pode até um país viver centenas de anos com défices crónicos a gerir a dívida… Por outro lado, não podemos ignorar todos os fatores internos mas também externos que podem mudar radicalmente e num ápice a apreciação que os nossos credores têm ou podem ter da nossa capacidade de pagar a dívida. Qualquer sistema monetário, económico e político em que estejamos inseridos que possa reproduzir o que a Zona Euro gerou em 2010 (e ao longo de toda a esta crise até hoje), com uma violenta traição às expectativas de mercado, altera de forma dramática qualquer relação normal com o mercado da dívida e a gestão interna de um Estado soberano. Em suma, saber investir e garantir um enquadramento político e institucional salubre são chave para o nosso futuro. É por aí que devemos avaliar os erros do passado e julgar as propostas de relações internacionais que tenhamos ou não disponíveis na União Europeia. Como se vê, os nossos problemas estão longe de se resumir ao mandamento da culpa da dívida ou das culpas exclusivamente nacionais. E o mandamento de que é preciso acabar com o défice, dito assim, sem o verdadeiro entendimento da utilidade do dinheiro e da sua aplicação, acaba por valer de muito pouco. Bons negócios!"

Penso tratar-se duma abordagem sobre este tema que considero muito educativa. Dá para uma boa reflexão, mas também, para pôr a nú algumas "verdades absolutas" que nos são vendidas todos os dias. Espero que vos seja útil.

Thursday, February 06, 2014

Equivocos da democracia portuguesa - 320

Vieram ontem a lume as estatísticas sobre o desemprego em Portugal divulgadas pelo INE. E desde logo as opiniões se cruzaram entre aqueles que são a favor ou contra a governação. Daí que achemos por bem trazer à colação algumas opiniões sobre tais números. A trajetória de melhoria do desemprego seria sempre bem vinda, uma boa notícia para todos. Contudo, tal não é exatamente o caso. Porque a feitura das estatísticas são complexas e a sua interpretação também. Desde logo, é preciso conhecer o modelo, depois a maneira como as variáveis são distribuídas, os graus de liberdade, a margem de erro, para se poder aferir o resultado. Não entraremos aqui numa análise detalhada, dada a complexidade matemática envolvente, mas, a título de exemplo, gostaríamos de colocar um caso. Se uma pessoa está desempregada e na semana em que se faz a recolha dos dados para a estatística esteja a trabalhar, nem que seja por uma hora, auferindo um qualquer rendimento, será considerado um ativo empregado naquele momento, logo induz o abate ao número de desempregados. Mas se essa mesma pessoa deixou de procurar emprego, porque acha que já não tem hipótese de o arranjar, essa pessoa deixou de ser um ativo, não sendo considerado desempregado. O mesmo se passa com pessoas que não acreditando serem capazes de obter um emprego em Portugal trilham os caminhos da emigração. Desde logo se constata a distorção que estes números podem encerrar. Então, dirão os leitores, para que servem as estatísticas? Elas são muito úteis, mas devem ser lidas com cuidado e com alguns esclarecimentos de como os dados foram obtidos para que não se caia no erro duma análise linear que pode ser muito útil aos políticos mas desfasadas da realidade que as populações sentem no dia a dia. Como ontem vimos, até parece que agora tudo está a correr bem, que o desemprego está a implodir. Só que os valores, e sobretudo as percentagens não são tão claras assim. Ontem falava-se num valor ligeiramente acima dos 15%, o que daria um número de desempregados à volta dos oitocentos e tal mil. Só que se juntarmos aqueles que já não aparecem nas estatísticas porque deixaram de procurar emprego, teremos que lhe juntar mais uns duzentos mil aproximadamente o que eleva o número de inativos para mais de um milhão. Mas se a estes ainda incluirmos os que saíram do país porque já não acreditarem que nele arranjem emprego, este valor andará acima do milhão e duzentos mil. Isto é, a percentagem de pouco mais de 15% afinal já subiu, por efeitos destes ajustamentos, flutuando acima dos 20%. Esta é a verdadeira realidade que temos pela frente. Isto não quer dizer que não nos sintamos bem com a tendência de queda da percentagem do desemprego, só que estamos a falar de coisas um pouco diferentes. A leitura política dos números, - estes ou outros -, podem encerrar em si mesmo alguns alçapões onde podem cair alguns incautos, embora vindo do foro político tal será usado sempre cantando laudas (os apoiantes do governo) ou ensaiando críticas (os que se lhe opõem). Provavelmente, nem uns nem outros terão razão, ou melhor, terão razão em função do ponto de vista da análise de que partem e que melhor serve os seus interesses. Mas o mais importante é que as pessoas tenham a consciência de que a situação é bem mais gravosa do que aquilo que se crê, infelizmente para todos nós. E com uma economia com crescimento incipiente, até recessiva, não criará emprego. Uma economia só é capaz de criar emprego quando cresce acima dos 2 a 3%, potenciando o efeito de alavancagem. E, mesmo quando isso se verificar, as pessoas não o notarão de imediato, porque entre o efeito potenciador e o efeito repercutido ainda mediarão 12 a 18 meses. Ora com uma economia recessiva ou com crescimento débil, como é o nosso caso, nunca será capaz de criar emprego líquido. Pode dar a ilusão de criar postos de trabalho, mas esquecem-se dos outros que foram destruídos, o que feitos os respetivos ajustes, dará um saldo negativo. Só para ilustrar o que aqui dizemos, basta pensar que no 4º trimestre de 2013 por cada 3,2 desempregados que desapareceram apenas se criou um posto de trabalho! É que quando se fala de criação de emprego é bom pensar em emprego líquido, para que ninguém se sinta defraudado, nem ninguém tenha a tentação de deitar foguetes, sobretudo, em anos eleitorais.

Equivocos da democracia portuguesa - 319

As trapalhadas em que os nossos governantes nos mergulham formam uma verdadeira parada infindável. A última tem a ver com a célebre coleção de quadros de Joan Miró, o importante pintor catalão. Uma parte significativa e valiosa da sua coleção foi em tempos comprada pelos donos do BPN. Agora, são propriedade do Estado Português que sem mais delongas, numa visão míope de contabilista fracassado, quis pôr à venda em Londres, tendo para tal escolhido a célebre leiloeira inglesa Christie's. Desde logo, se coloca a questão do porquê da alienação desta importante coleção? Tivemos a resposta ontem, pela boca do secretário de Estado da cultura, - (aqui utilizamos cultura com letra minúscula que representa melhor o que estes governantes pensam dela) -, Barreto Xavier, que afirmou que, "o governo quer liquidar as dívidas do BPN com ativos do próprio banco sem recorrer a outros estratagemas" (pedimos desculpa por alguma incorreção porque citamos de cor). O que aqui disse o secretário de Estado é que, a partir de agora, e sempre que tivermos uma dificuldade financeira, há que ir a um museu e ver o que se pode vender, ou talvez um palácio, ou um conjunto deles, dada a extensão da dívida. Depois do primeiro-ministro ter convidado os portugueses a irem morrer longe - leia-se a imigrar - agora acha que pode começar a vender tudo e mais alguma coisa numa estratégia de merceeiro no mínimo questionável. Já muito foi alienado a preço de saldo, inclusive a parte mais apetecível do BPN ao banco BIC ficando o Estado com o lixo que lá existia. (Mas não esquecemos que o presidente do banco é um PSD, ex-ministro de Cavaco Silva, de seu nome Mira Amaral!). Aí não se pensou em vender bem para arranjar dinheiro para liquidar o que de mau tinha o banco, e só agora, se vem lançar mão das obras de Miró para tal efeito. É do conhecimento geral que a cultura está tutelada pelo primeiro-ministro e que o secretário de Estado é um mero executor. (Uma "inexistência" para usar a feliz frase de Constança Cunha e Sá ontem na TVI24). Todos sabemos que a cultura é algo que incomoda este governo, ou porque tem a noção que dela só conhecem o nome, ou porque quanto mais incultas as gentes mais manobráveis são, algo que a História recente já nos ensinou e que os menos jovens conhecem muito bem. Perante a onda que em boa hora se levantou contra esta barbárie cultural, a Christie's retirou do leilão a referida coleção, horas antes de este começar. A maneira abruta como foi feita, uma desmontagem incrível e sem qualquer cuidado, mostra bem o desconforto e o desrespeito que a galeria tem para com as obras e para com Portugal. Todos vimos isso na televisão, e o reparo que Joe Berardo fez no Jornal da Noite da SIC também ontem, foi apenas e só a confirmação do que todos vimos. Depois do tribunal não aceitar a providência cautelar visto ser feita por uma empresa privada e não pelo Estado - artificialismo a que o governo recorreu para iludir a questão - a saída das obras foi ilegal, não tendo sequer sido catalogadas e  inventariadas. Havendo inclusive pareceres contra o leilão das mesmas, como foi o caso da Direção-Geral do Património Cultural. No momento em que escrevemos, sabemos que o Ministério Público já interpôs uma providência cautelar quanto à saída das obras, apontando para a ilegalidade cometida. Mas será que toda esta trapalhada nos deixa perplexos? De todo. Afinal quando o governo eliminou o ministério da cultura e o substituiu por uma mera secretaria de Estado, dependendo esta do primeiro-ministro, ficou clara a intensão do que a cultura representava para o executivo. O mesmo executivo que lança uns jotas a pedir referendo para evitar a aprovação de leis, o mesmo executivo em que outros jotas pedem a diminuição da escolaridade obrigatória, o mesmo executivo, também de alguns jotas, que diminuiu as verbas para a ciência e que está interessado em cursos superiores de dois anos (!), - sim, porque as pessoas não devem ser demasiado cultas porque tal as torna mais exigentes e reivindicativas -, ainda haverá espaço para que fiquemos surpreendidos? Julgamos que não. Trata-se afinal da política mesquinha e rasteira que vem assolando Portugal, condenando-o à miséria, aqui não só material, mas também cultural. Já agora deixamos neste espaço uma sugestãozita ao primeiro-ministro. Não poderia começar a vender os carros de luxo que tem e a substituí-los por outros mais modestos? Não poderia diminuir no número de secretárias que o rodeiam? Não poderia diminuir nas mordomias dos ministérios e de alguns "boys" que por lá andam? Talvez seja mais fácil do que vender as obras de Miró ou outros atentados à cultura do mesmo jaez. Deixem a cultura em paz, já que não são capazes de a apreciar nem de a compreender!

Sunday, February 02, 2014

No sétimo dia após a morte de António que era carpinteiro

Hoje passam sete dias sobre o desaparecimento do meu vizinho e amigo António. Com as cãs que o tempo esculpiu no seu rosto, mas sempre com o sorriso de menino. É assim que o quero na minha memória. Queria aqui recordá-lo e oferecer-lhe algo de que gosto muito – “Ne chantez pas la mort” (Não cantem a morte) um poema de J. R. Caussimon cantado pelo grande ícone da música francesa Léo Ferré - e que podem ouvir clicando em  https://www.youtube.com/watch?v=2RwTU3G4QZw . (Não consegui encontrar este texto traduzido, assim só resta ouvi-lo em francês, mas mesmo assim, não deixem de o escutar até ao fim pela sua beleza e melodia das palavras). Quase no final diz-se “O tempo é o tique-taque do relógio monstruoso / A morte é infinita na eternidade”. Uma verdade absoluta. Quis aqui deixar algo de singelo, como simples ele era. Com nome comum de António e a profissão bíblica de carpinteiro. Muitas vezes me procurou para desabafar as agruras da vida. Porque confiava em mim. Porque um amigo é um amigo. Hoje, no sétimo dia do seu falecimento, aqui o recordo de novo porque os amigos nunca se esquecem. Descansa em paz, António!...

Este é o texto integral do poema:
 
"Ne chantez pas la Mort, c'est un sujet morbide
 Le mot seul jette un froid, aussitôt qu'il est dit
 Les gens du "show-business" vous prédiront "le bide"
 C'est un sujet tabou pour poète maudit
 La Mort
 La Mort
Je la chante et, dès lors, miracle des voyelles
 Il semble que la Mort est la s?ur de l'amour
 La Mort qui nous attend et l'amour qu'on appelle
 Et si lui ne vient pas, elle viendra toujours
 La Mort
 La Mort
La mienne n'aura pas, comme dans le Larousse
 Un squelette, un linceul, dans la main une faux
 Mais, fille de vingt ans à chevelure rousse
 En voile de mariée, elle aura ce qu'il faut
 La Mort
 La Mort
De grands yeux d'océan, une voix d'ingénue
 Un sourire d'enfant sur des lèvres carmin
 Douce, elle apaisera sur sa poitrine nue
 Mes paupières brulées, ma gueule en parchemin
 La Mort
 La Mort
"Requiem" de Mozart et non "Danse Macabre"
 Pauvre valse musette au musée de Saint-Saens!
 La Mort c'est la beautté, c'est l'éclair vif du sabre
 C'est le doux penthotal de l'esprit et des sens
 La Mort
 La Mort
Et n'allez pas confondre et l'effet et la cause
 La Mort est délivrance, elle sait que le Temps
 Quotidiennement nous vole quelque chose
 La poignée de cheveux et l'ivoire des dents
 La Mort
 La Mort
Elle est euthanasie, la suprême infirmiére
 Elle survient, à temps, pour arrêter ce jeu
 Prés du soldat blessée dans la boue des riziéres
 Chez le vieillard glacé dans la chambre sans feu
 La Mort
 La Mort
Le Temps c'est le tic-tac monstrueux de la montre
 La Mort, c'est l'infini dans son éternité
 Mais qu'advient-il de ceux qui vont à sa rencontre ?
 Comme on gagne sa vie, nous faut-il mériter
 La Mort
 La Mort
 La Mort ?"

Saturday, February 01, 2014

50º aniversário da paróquia do Padrão da Légua

Comemora-se hoje, 1º de Fevereiro de 2014, os 50 anos da criação da paróquia do Padrão da Légua. No local onde está implementada a igreja, era um campo baldio. Morei ali perto e nele joguei à bola muitas vezes. A igreja era então num armazém - a que alguns chamavam de barracão - numa rua próxima. Mas a vontade dos homens e a fé dum pároco, o padre Leonel, fez com que as sementes fossem lançadas à terra e germinassem. O padre Leonel organizou muitas procissões e missas campais (ao ar livre) no local onde está hoje a igreja. Era uma forma de motivação das gentes chamadas a ajudar em tão grande obra. Mas, como todos os sonhadores, não seria o padre Leonel a fazer a obra. O padre Leonel é um homem bom, que muitas vezes foi manipulado pelos seus próximos. Hoje pároco da Sé e dando também assistência na capela de Fradelos, foi contudo, o sonhador, o motor. Depois do padre Leonel veio o homem que regou a terra e fez crescer as semente. Eram os tempos do padre Barros que com a sua firme determinação fez surgir a obra. A igreja, as piscinas, a creche, a capela mortuária, o lar de idosos. Mas a vida é curta e a obra grande. O padre Barros viria a falecer embora a tempo de ver a sua obra finalmente erigida. Por fim, o padre Mário apareceu para dar continuidade e preservar a obra. No entanto os tempos vão difíceis. Os donativos vão escasseando, mesmo as famílias mais abastadas da paróquia são mais parcas nos apoios. E fruto disso, o lar de idosos está a passar por imensas dificuldades tanto quanto julgo saber. Os utentes queixam-se, mas os cofres estão vazios e a possibilidade de algo melhorar é remota. Mas a obra que existe é muito importante, quer do ponto de vista religioso, quer do ponto de vista social. Daí que a possibilidade de não seguir em frente nem se coloca, mas para isso a ajuda de todos é importante. Sei das dificuldades que todos vivemos nestes dias, mas também sei, que esta obra que foi construída tem uma importância junto das populações que não pode ser desmentida. Como tudo na vida, há sempre um semeador, depois alguém que rega, faz crescer a ceara e a colhe, depois aparece alguém que vai manter a obra feita. Este é o exemplo cabal da paróquia do Padrão da Légua, criada pelo sonho dum homem e a vontade de muitos já lá vão 50 anos, nos idos de 1964. A nós compete-nos preservar e dar continuidade para a passarmos à nova geração, como a anterior à nossa nos legou. Por isso, há que celebrar este meio século, embora com comiseração fruto dos tempos atuais, mas com a alegria duma obra importante para a comunidade. E esperemos que outros 50 anos se passem. Já cá não estarei para ver, mas estou certo que, a nova geração, estará à altura do legado que lhes há-de ser transmitido.