Numa altura em que está quase a completar-se um mês sobre o falecimento do meu velho amigo Nicolau, é sempre bom e gratificante, recordar algumas peripécias em que ele se envolveu. Recordo um dia em que cheguei a casa para almoçar e pouco depois tocarem à campainha do apartamento que então habitava na Maia. Era um senhor que vinha reparar a máquina de lavar que se tinha avariado. Até aí tudo normal. Só que enquanto eu fui abrir a porta, o Nicolau e a sua mãe adotiva, a Tuxa, começaram a ladrar como se não houvesse amanhã. Quando abro a porta o senhor recusa-se a entrar com medo dos cães. Mesmo depois de lhe ter assegurado que enquanto estivesse junto deles eles nada lhe fariam, o senhor não queria arriscar e até encetou a sua retirada. Depois de muito diálogo, pautado pelo ladrar desenfreado dos dois, lá consegui que ele entrasse. Após um sinal meu, eles começaram a rosnar mas pararam de ladrar. O senhor lá foi ver a máquina. (O engraçado disto é que ele ia a raspar na parede de acesso ao local onde o equipamento estava, com uma mala enorme, que lhe emprestava um ar engraçado). Lá foi reparando a máquina mas sempre de olho nos cães que, deitados, o fitavam a alguns metros de distância com aquele rosnar indiciador que a retirada ia ser difícil. Apesar de estar um dia frio, o técnico suava abundantemente e sempre que algum lá deixava sair algum latido ele estremecia como se fosse o seu derradeiro folgo. (Para o final da estória tenho que dizer que a Tuxa era uma boxer muito forte e resistente que se deixava alguém entrar, mesmo que a contragosto, não deixava sair ninguém a menos que fosse por nós acompanhada). O Nicolau como seu fiel amigo, - e filho adotivo -, seguia-lhe os passos. Depois de reparada a máquina, o técnico recolheu os materiais da reparação e os dois levantaram-se com olhar ameaçador. O senhor transpirava cada vez mais. Quisemos pagar-lhe mas ele disse que só recebi fora de casa e que queria sair rapidamente. O Nicolau logo se ergue de cima dos seus 40 quilos de peso e tamanho imponente a tentar barrar o caminho. A Tuxa percebendo que ele ia embora, logo se postou à porta para obstruir a saída como sempre fazia com estranhos. O senhor entrou em pânico, apesar de lhe dizermos que o acompanhávamos e que nada acontecia. Mas ele tinha dúvidas. Depois de muitos ensaios ele lá voltou a dirigir-se para a porta a raspar pela parede, agora em sentido contrário, enquanto nós íamos dando indicações aos dois cachorros para se afastarem. Foi uma odisseia para o retirar. A Tuxa sempre tão obediente, não cedia. Viu o medo nos olhos dele e sentiu que controlava a situação. O senhor descontrolado e nós a lidar com os dois cães não era uma situação cómoda. Depois de darmos coragem ao sujeito, ele lá conseguiu sair apressadamente. Esperou no patamar para receber. Dentro os cães mostravam a sua fúria. Ele lá recebeu o dinheiro e com as mãos a tremer deu-me o recibo. E já quando se afastava ainda me disse que nunca mais o chamasse porque ele nunca mais ali viria. De facto, não foi preciso porque a reparação parece que foi bem feita e a máquina nunca mais avariou. Entretanto, quando entro em casa, vejo os dois ainda a dar os últimos latidos, mas agora abanando as caudas - como a gabarem-se do susto que lhes tinham pregado -, e o Nicolau, com aquele ar sorridente que sempre teve, parece que se estava a rir do sucedido. O técnico é que não deve ter ganho para o susto e, seguramente, não achou graça nenhuma...