31 de Outubro - É noite de Halloween!
Temos vindo a assistir a uma polémica, porventura sem sentido, entre José Saramago e algumas pessoas bem-pensantes da nossa praça. Algumas dessas pessoas, assumem uma atitude inquisitorial, entre elas destaco o euro-deputado social-democrata Mário David, a quem fiz referência já neste espaço, e que ninguém conhece, para além dos seus pares, e não deverão ser seguramente todos. Isto faz-me lembrar a polémica entre um antigo secretário da cultura de Cavaco Silva, nos idos anos 80, de seu nome Sousa Lara, lembram-se, talvez não, numa outra polémica que tomou forma com o livro "O Evangelho segundo Jesus Cristo" do mesmo autor, que colocou o livro numa espécie de Index à boa maneira da inquisição. Estes candidatos a inquisidores normalmente são devorados na poeira do tempo e José Saramago já entrou na galeria dos imortais, quer gostemos dele ou não. Um homem que se atreveu a ganhar o Prémio Nobel, um escritor, um artista, tem que ter direito ao seu imaginário, que pode ser, e é normalmente, muito diferente do nosso. Não poderá adevir daí algum mal ao mundo. A polémica em torno de "Caim" o seu último livro, não faz sentido, e admira-me que os representantes da Igreja Católica se precipitem e alimentem uma polémica que deviam desvalorizar, e esperar que o tempo a esvazie. Tal precipitação faz lembrar a polémica que existiu em torno do livro de Dan Brown "O Código Da Vinci". O Patriarcado de Lisboa não deixou de fazer referência ao livro, bem como, em todas as igrejas e paróquias deste país, facto que constatei pessoalmente, e o próprio Vaticano não deixou de comentar. Penso que tal atitude apenas dá publicidade aos livros e seus autores, em vez de deixar que o tempo se encarregue de resolver o assunto. Em questões de origem metafísica e religiosa, temos sempre que ter algum cuidado e contenção, para não cairmos até no ridículo. Se se tratou dum golpe publicitário, a editora de José Saramago deve estar muito contente, porque atingiu os seus objectivos na sua plenitude. Como dizia Antero de Quental "temos que ter cuidado porque quando menos esperamos, o inquisidor que existe dentro de nós, faz a sua aparição com o seu churrilho de injustiças". Saibamos distinguir o artista do metafísico e dar espaço à arte e definitivamente perdermos os complexos inquisitoriais que ainda temos, qual reminiscência do passado. Eu também não me revejo nas afirmações de José Saramago, mas tenho também presente, tudo aquilo que se fez e faz, em nome de Deus, ao longo do tempo. A inquisição não foi um episódio de ficção, os autos de fé também não. Exorcizemos estes fantasmas para que não sejamos pasto fértil da intolerância que criticamos nos outros. Se este episódio se tivesse passado num país árabe, estaríamos a falar da intolerância e fanatismo do Islão, e duma qualquer seita que se prepararia para alguns atentados. Lembre-mo-nos do que aconteceu com as caricaturas sobre Maomé feitas por um artista dinamarquês e a maneira sobranceira como o Ocidente tratou o tema, e até como o Vaticano entrou na liça, desvalorizando-o e apelando ao diálogo. Aqui estamos perante uma situação idêntica mas de sentido contrário, é bom que não tenhamos dois pesos e duas medidas, sejam quais forem os interlocutores.
Cumpre-se hoje mais um aniversário deste humilde escrevinhador. Trago este assunto a este espaço, não pela sua relevância, mas porque durante o dia de hoje tenho recebido imensos telefonemas, e-mails, contactos pessoais de imensos amigos, alguns dos quais já não vejo à muitos anos. É nestes momentos que sentimos que temos um grupo de pessoas - os Amigos - que ainda acreditam em nós, e sobretudo, aqueles que já não vejo à muito tempo, que continuam a cultivar a lembrança deste pobre cronista. Quando vemos a idade avançar, o tempo a escoar-se, quando já atravessamos o equador da vida, quando a família vai escasseando, porque vai partindo, cumprindo o ciclo da existência, são os amigos que nos fazem voltar às memórias de tempos idos, - tempos bons que ficam na memória, tempos maus que forjam a amizade, tempos de incompreensão e intolerância que o correr dos anos acaba por esclarecer -, é neste contexto que os nossos amigos assumem um destaque assinalável. Assim, venho a terreiro, julgo que pela primeira vez neste blog, agradecer a todos aqueles que durante este dia me têm contactado por diversos meios para me felicitar. Seria enfadonho citá-los a todos correndo o risco até de esquecer alguns. Assim, utilizo este espaço para publicamente agradecer a todos. É com profundidade e sentimento que me curvo perante a vossa amizade que muito prezo. Beijos e abraços para todas (os).
Foi lançado no passado dia 2 de Setembro o livro “A Vida é um Minuto”, da autoria da jornalista da RTP Judite Sousa que teve lugar na livraria Bulhosa de Entrecampos. Apresentado por António Vitorino (autor do prefácio) e por Marcelo Rebelo de Sousa este livro é uma reflexão sobre a importância da comunicação. Entre os presentes estiveram muito amigos e colegas de profissão, bem como uma série de figuras públicas do nosso país, de áreas tão distintas como a banca, as telecomunicações ou a política. Zeinal Bava, Horácio Roque, Armando Vara, Manuel Pinho, Maria de Belém, Marinho Pinto, Pedro Santa Lopes, Pinto Monteiro, Luís Filipe Vieira e Ricardo Salgado, foram apenas alguns dos que não quiseram deixar de dar pessoalmente os parabéns a esta jornalista que, ao longo das últimas décadas, tem feito um jornalismo de referência e de excelência. Em "A Vida é um Minuto", Judite Sousa analisa vários casos da política nacional e internacional, como o caso Freeport, a mediatização da justiça, os atentados terroristas nos EUA e em Madrid, passando pela influência de Marcelo Rebelo de Sousa e de António Vitorino, e mostra-nos como são difíceis as relações entre a comunicação social e os políticos e como a desconfiança é latente entre uns e outros. Neste livro que recomendo, para os interessados na comunicação, e sobretudo, na relação entre o poder e a imagem, não queria deixar de citar António Vitorino que, no Prefácio, escrevia, " "A Vida é um Minuto" dá o testemunho vivo de quem sabe e sente que comunicar é tão natural como o ar que respiramos ou a água que bebemos. Seria bom que "eles" (os políticos) percebessem isso tão bem e tão naturalmente como a autora assume o que pensa neste livro!" Um livro cheio de interesse que recomendo. Um bom exemplo de análise, que merece atenção e estudo, num meio que, cada vez mais, se assume como o quarto poder (à quem diga que já é o terceiro), como é o da comunicação social.
Depois desta saga política que se justificou pelo ciclo eleitoral de três eleições sucessivas, é tempo de retomarmos o lado mais cultural deste espaço. Isto não significa que não voltemos ao tema político sempre que tal se justifique. Mas, como dizíamos, para voltarmos ao lado cultural deste espaço, nada melhor do que ouvir e divulgar o último disco dessa grande soprano italiana, Cecilia Bartoli. O disco chama-se "Sacrificium" e é dedicado aos "castrati" (castrados), tão populares nos séculos XVII e XVIII. Esta é uma homenagem ao "sacrifício de centenas de milhares de rapazes em nome da música". O album é composto por dois CD's, o primeiro, será o "Sacrificium" propriamente dito, se assim se pode dizer, o segundo CD é um extra dedicado a três árias de castrados que se tornaram lendárias, como o caso de "Son qual nave" de Riccardo Broschi (1698-1756) da ópera Artaserse, a segunda, de Handel (1685-1759), a célebre "Ombra mai fu" da ópera Serse, e por último, a não menos famosa ária "Sposa, non mi conosci" da ópera Merope de Giminiano Giacomelli (1692-1734). O primeiro CD recolhe temas de Porpora, Caldara, Araia, Graun, Leo e até uma atribuída a Leonardo da Vinci. Um álbum fabuloso, não só pela homenagem a estes jovens estropiados para que a música tivesse o seu brilho, contrariando a natureza humana, mas também, pela fabulosa interpretação de Cecilia Bartoli, que na minha opinião pessoal, está ao nível do seu melhor, não esquecendo o acompanhamento superior do "Il Giardino Armonico" sob a direcção de Giovanni Antonini. Aqui fica a proposta, mesmo para aqueles que não gostam da música deste período. Não deixem de ouvir e verão que, se calhar, vão mudar de opinião. Resta apenas dizer que o selo é da Decca, que para além de apresentar estes dois CD's, a que já fiz referência, publica uma edição limitada de luxo, com um livro que nos dá conta da história dos "castrati", desde logo, um dos mais famosos de seu nome Caffarelli. Este disco que celebra a "época dos castrados" é desde logo, sob o ponto de vista histórico, um disco fascinante. Ouçam-no e verão que existe muito mais.
Terminou um ciclo eleitoral, longo de três eleições, e esperamos que a partir de agora estejam criadas as condições para que a poeira assente e nos concentremos nos problemas do país. Neste ciclo eleitoral houve um pouco de tudo, desde o caricato ao insólito, desde a agressão verbal à agressão física, enfim, algo que esperavamos que, após 35 anos de democracia, estivesse afastado do nosso seio. Desde logo, a agressão física ao Prof. Vital Moreira nas eleições europeias, por parte de elementos afectos ao PCP, numa atitude provocatória digna do PREC (processo revolucionário em curso). Depois nas legislativas, foi a agressão verbal muito forte, baixa e rasteira, digna duma américa-latina entre todos os partidos. "Sócrates é como um filho que mata os pais para se afirmar orfão" (MFL dixit). Foram afirmações como estas que descredibilizaram o PSD, desde logo a sua líder, que nunca soube a que ritmo andar, muito menos o que dizer, algo que, como já noutra ocasião afirmamos, nos deixou perplexos, visto Manuela Ferreira Leite já ter passado pelo governo, o que lhe daria uma "endourance" política que afinal não tem. Depois assistimos à maioria dos partidos, que em vez de apresentarem as suas propostas ao eleitorado, tiveram como objectivo último - como os próprios diziam -, retirar a maioria absoluta ao PS. Pobre argumento para quem não tem propostas, no mínimo credíveis, para apresentar ao eleitorado. Como também já o afirmamos, por diversas vezes, parece que voltamos aos tempos revolucionários de 1975, sendo que aí ainda havia a desculpa da falta de prática política democrática, mas agora, esse argumento já não colhe. Ainda a semana passada, ouvimos MFL dizer que "o PS não deve contar com o PSD para formar governo e aprovar propostas, que deve fazer acordos com aqueles que tinham por objectivo retirar-lhe a maioria absoluta". MFL continua a dar tiros no pé, mesmo depois de descredibilizada internamente. Longe vão os tempos de Mário Soares (PS) e Mota Pinto (PSD), em que o sentido de Estado era um facto, agora, nem acreditamos que MFL saiba o que isso significa. Mas não temos que nos preocupar com isso, restam-lhe apenas alguns meses à frente do PSD, enquanto as facas se afiam, como temos constatado nos meios de comunicação social, quase diariamente. Nas eleições autárquicas tivemos mais do mesmo, com a provocação de Isaltino Morais aos elementos do PS em Oeiras, ele que até está condenado, embora tenha apresentado recurso, mas continua a ser o "herói" para muita gente. Não deixa de ser sintomático que todos aqueles que foram indiciados pela justiça, acabem por ganhar folgadamente, enquanto outros, também independentes, mas que nunca tiveram a justiça na peugada, não o tenham conseguido. Parece que o lado "romântico" do meliante, do delinquente, acaba por fazer escola e por grangear simpatias. É caso para dizer, se quiserem ter visibilidade política, nada melhor, do que ter um "processozito" na justiça, para dar colorido. A eleição é certa. É a nossa veia latina, marialva e sub-desenvolvida no seu melhor. Até parece que estamos no país de Berlusconni, para não dizer na Madeira de Jardim, que inaugurou um novo estilo político, o da cacetada. Pelo meio, ainda tivemos as "trapalhadas" de Cavaco Silva, primeiro com o tristemente famoso discurso das "escutas" que afinal não o eram; depois com a não ida à Câmara de Lisboa nas comemorações da República; como se não bastasse, no dia seguinte, à que esclarecer o porquê de não ir, de ter feito um discurso em Belém - que dizia que não faria -, e não o ter feito na Câmara, e ainda a pseudo-perturbação das eleições autárquicas já perturbadas com o discurso inicial. Enfim, parece que o PR anda mal aconselhado. Será sina de alguns PSD's terem algum problema com o "sentido de Estado"? Aqui fica a questão, pelo menos para reflectirmos. Já sabemos que na nossa original democracia, não à derrotados, todos proclamam vitória, e regressam aos seus retiros satisfeitos. Mas depois de tudo isto, concentremo-nos no essencial, isto é, nos problemas do país que são muitos e graves. Esperemos que assim seja, e que o sentido de Estado e de responsabilidade das forças políticas, se concentre no essencial e deixe de lado o acessório. Os portugueses não iriam compreender se assim não fosse.