Assistimos hoje a mais um debate na AR. Um dos famosos debates quinzenais em que o governo deveria apresentar contas aos representantes eleitos. E dizemos deveria porque o que assisitmos é dum nível confrangedor. O governo não pára de cantar laudas à sua governação no preciso momento em que o Eurostat divulgou mais um recorde de desempregados que atinge já os 16,5%. Mais duzentos mil do que no período homólogo, em que o desemprego atingia os 14,7%. Bastava este número para que o governo parasse para pensar, mas a sua fúria ultraliberal é insaciável, e este é mais um número, uma estatística, e nada mais do que isso. Não interessa se por trás desse número estão famílias destroçadas, sem dinheiro, algumas a pensar no suicídio como saída imediata, e este governo acha que isto não é mais do que um número. (Faz-nos lembrar um conhecido estadista que dizia que: "um morto era uma tragédia, um morticínio era uma estatística"!) E nisso estão de acordo governo e banca. Ontem um banqueiro muito conhecido pelas afirmações infelizes que faz, voltou a terreiro a dizer que "se um sem-abrigo aguenta, porque será que nós não aguentamos?" Gostava de ver este infeliz - porque só um infeliz é capaz de produzir esta afirmações - como viveria com 200 euros por mês como muitos portugueses. Se a sua vida o colocasse nesse patamar talvez ele aprendesse a respeitar mais as pessoas que, ao contrário dele, não têm montes de dinheiro, caucionado em alguns casos por todos nós - a quem ele insulta - como foi o caso quando recorreu ao financiamento do Estado. Mas o governo não vê isso, ele apenas olha para a banca como o último reduto. E talvez tenha razão. Para além da banca não sabemos quem mais apoia este executivo. O divórcio do governo das suas gentes é total, o país real é apenas uma fantasia para os lados de S. Bento. As empresas continuam a fechar porque estes banqueiros, sempre tão mordazes, não injetam dinheiro na economia, o desemprego não pára de aumentar, a desconfiança na economia é cada vez maior, e esta não cresce nem crescerá nunca com esta política. Agora virou moda o falar-se na agricultura. Sem dúvida que é importante, mas não nos podemos esquecer que nenhuma economia cresce assente só no setor primário. Isso seria o regredir às teses de Adam Smith e David Ricardo e da sua "mão invisível", ou até, de Malthus. Mas esses tempos já passaram à muito. Para já não falar no contexto em que hoje nos movemos. Se a economia, sobretudo ao nível do setor secundário não crescer, o que tudo isto significa é um empobrecimento generalizado - que já está a acontecer - que nos fará voltar aos primórdios do Estado Novo. Onde o ensino era só para os mais abastados, onde a saúde era só para quem a pudesse pagar, onde a qualidade de vida era uma miragem - nem se sabia bem o que isso era -, onde o futuro passava sempre pela emigração. Só que nessa altura a emigração era de trabalhadores pouco qualificados e/ou analfabetos, hoje são os cérebros que partem, jovens com qualificações que vão ajudar países terceiros depois do seu país - e da sua família - terem investido na sua educação e depois "exporta-os". Esse é o verdadeiro empobrecimento. Mas isto é normal numa política que não quer entraves, que não quer vozes dissonantes. Quanto mais ignorantes melhor como era apanágio de outros tempos, de outro regime. E com tudo isto, é verdadeiramente vergonhoso, ver o governo na AR a gabar-se do que tem feito. Também compreendemos que senão se gabar a si próprio também ninguém o fará. Mas mesmo assim, dá ideia duma colossal falta de vergonha, dum tremendo embuste face ao que prometeram em campanha eleitoral, dum péssimo serviço que é prestado à democracia. É certo que esta não se faz sem partidos. Mas assim, não há democracia que resista. E os sinais já andam por aí, devagarinho, em surdina, mas estão aí, basta para isso, calcorrear as ruas das nossas cidades.