Friday, August 31, 2018
Thursday, August 30, 2018
Wednesday, August 29, 2018
Tuesday, August 28, 2018
Monday, August 27, 2018
Sunday, August 26, 2018
Saturday, August 25, 2018
Edição comemorativa no centenário de Leonard Bernstein
Em 1970 Leonard Bernstein desenvolveu uma espécie de paixão com a Orquestra Nacional de França. Durante esse período produziu várias gravações que estão numa caixa de 7CD's, que tem por título 'An American in Paris' (Um Americano em Paris), que é disponibilizada hoje. Contém obras de vários compositores tais como Ravel, Berlioz e Rachmaninov que foram compiladas pelo próprio Bernstein à beira mar. C'est l'amour!
30 anos depois do incêndio do Chiado
Passam hoje 30 anos sobre o grande incêndio do Chiado em Lisboa que, ao que parece, terá começado nos Armazéns Grandella. Nesse dia encontrava-me em Lisboa. Como sabem trabalhei durante muitos anos no Grupo Vista Alegre que tinha a sua sede nesse tempo no Largo Barão de Quintela - que os lisboetas conhecem melhor pelo Largo dos Bombeiros - ali paredes meias com o Chiado. O incêndio começou a tomar proporções inabituais e em determinada altura, (perante a preocupação de quem ali trabalhava), foi dada indicação para evacuar o edifício. Aproveitei para rumar ao Porto pensando que poderia ter saído do edifício pela última vez. Felizmente não foi assim, embora o Chiado tenha ficado reduzido a cinzas. Hoje já depois da reconstrução, nota-se que o velho Chiado tinha morrido para sempre. O Chiado de Eça e de Pessoa não voltaria jamais. Hoje com um aspeto bem mais moderno, com algumas fachadas recuperadas, respira-se um outro ar, num outro tempo. Mas aquele Chiado histórico tinha acabado definitivamente.
No centenário do nascimento de Leonard Bernstein (1918-1990)
Hoje era o dia de aniversário de Leonard Bernstein - nasceu faz precismamente hoje cem anos - o grande compositor e maestro americano, criador de West Side Story. Este senhor já desaparecido, está ligado umbilicalmente à minha infância/juventude. Aprendi com ele como gostar de música clássica e como a devemos escutar. Ele tinha um programa na televisão chamado 'Concertos para jovens' que a RTP - na altura canal único e a preto e branco - emitia aos sábados ou domingos. Ali ficava eu agarrado ao ecrã a saborear aquilo. Ainda me recordo de uma vez ele tocar no piano 'Lady Madonna' duma grande banda inglesa da época The Beatles (como já estou velho!) e, perante uma plateia de gente muito jovem como eu era então, ele mostrar como se podia ligar o gosto da pop à música clássica. Esse programa marcou-me tanto que, passado meio século, ainda aqui o estou a evocar. Momentos televisivos desses são importante para formatar a cultura desde tenra idade e seria bom que as televisões estivessem atentas a isso. Em vez desses 'reality shows' que só vêm mostrar a estupidez crónica que uma certa juventude assumiu como 'cultura', aqui com muitas aspas, mas também com muitas reticências... Já agora, alerto para quem tiver acesso ao canal francês Mezzo que está a passar alguns destes 'Concertos para Jovens' nas suas emissões. Momentos únicos que deveriam ser replicados por outros canais.
Friday, August 24, 2018
4 anos depois...
4 anos depois, a mesma dor, a mesma saudade, a mesma memória. 4 anos depois, ainda os ecos do teu desaparecimento. Era uma tarde de domingo, quando já com dificuldades, nos procuraste e ao teu filho adotivo Nicolau. Deitaste-te no relvado no teu lugar predileto. Todos te rodeamos. Estava quente o dia. Colocamos um guarda sol para te abrigar do calor. Por lá ficamos um par de horas. O Nicolau curiosamente - ou talvez não - nunca dali saiu, cabisbaixo e triste. Percebemos que estava para acontecer o fim. Para ti era uma libertação depois do muito que sofreste. (Toda a tua vida foi um enorme sofrimento. Desde o dia que foste abandonada ainda jovem, do muito que sofreste na rua, até àquele em que te resgatamos). Foste uma mãe extremosa - embora adotiva - para o Nicolau. Foste tu que o criaste. Depois a doença, os tumores, o cancro. O tratamento que tivemos que te fazer quando até os orgãos internos eram visíveis através do buraco que se abriu no teu corpo. Mas conseguimos fechá-lo e tu, sempre uma guerreira corajosa, lá continuavas como se nada fosse. Mas um dia tudo teria um fim. Tudo tem sempre um fim. E naquele dia que te deitaste no teu lugar preferido era para o teu ocaso. Deite água, bebeste com sofreguidão e tombaste para o lado. Era o teu fim. Nunca esqueceremos esse dia, faz hoje 4 anos lá mais para a tardinha. O Nicolau assistiu a tudo. Acompanhou-te sempre. Depois foste sepultado no teu lugar predileto. Ele viu e rezou a seu modo. Durante meses, todas as manhãs, o Nicolau ia em romagem à tua sepultura como um ritual para começar o dia. Por ali ficava triste. Depois, também ele está a envelhecer e a doença a atacar. Aos poucos deixou de cumprir este ritual. Embora, de vez em quando, ele lá vá, por lá fique algum tempo e se afaste cabisbaixo. Tal como o Nicolau, também nós sentimos a tua perda. Passado todo este tempo ainda parece que escutamos os teus ruídos em casa, o teu odor, as tuas passadas decididas. Por que o amor é assim, quando sincero, dura para além da vida. E o amor que sentíamos por ti era um amor desses sem reservas ou constrangimentos. 4 anos depois a tua memória preenche-nos a todos. Eras um ser magnífico, forte, determinado. Uma daquelas vidas que dão glória à própria vida e como eras terna para connosco. 4 anos depois aqui estamos a homenagear a tua memória, uma memória forte, como forte tu eras. 4 anos depois apenas temos que te dizer que nunca te esqueceremos enquanto por cá andarmos a gastar o tempo das nossas vidas. 4 anos depois só queremos pensar que, lá onde estiveres, que estejas bem e que tenhas encontrado o merecido descanso do muito que viveste e sofreste. 4 anos depois só te queremos dizer que esperamos que estejas em paz! Descansa em paz, Tuxa! Jamais te esqueceremos. Estarás sempre no nosso coração.
Thursday, August 23, 2018
Wednesday, August 22, 2018
Tuesday, August 21, 2018
Intimidades reflexivas - 1232
"Os homens tendem a atribuir o nome da virtude a uma vida de inatividade (...). Mas não concordo (...) os eruditos, que se sentam no seu canto e filosofam demoradamente, de um modo grandioso, acerca da justiça e da moderação, desonra-se absolutamente, caso sejam impedidos de agir." - Damáscio (458 d.C.-550 d.C.)
Monday, August 20, 2018
Sunday, August 19, 2018
Saturday, August 18, 2018
Friday, August 17, 2018
"A Chegada das Trevas" - Catherine Nixey
Todos nós nos temos insurgido com as barbaridades do daesh, não só as atrocidades feitas sobre pessoas, mas também sobre a cultura. Todas as vozes do Ocidente se ergueram quando foram conhecidas a bárbara destruição na cidade histórica de Palmira na Síria, que é património da Humanidade. Eu fui uma dessas pessoas, até que alguém me chamou a atenção para este fantástico livro de título "A Chegada das Trevas", com o subtítulo 'Como os Cristãos destruíram o Mundo Clássico' da autoria de Catherine Nixey. Sempre me considerei um espírito aberto e assim parti para a leitura do livro sem preconceitos. Sabia que tudo o que os antigos cristãos tinham feito nem sempre teria aquela aura transcendental que nos querem 'vender'. Mas confesso, que não estava à espera de tanto. Se o daesh tinha destruído Palmira, já antes o mesmo tinha acontecido pelas mãos dos cristãos. A estátua de Atena é bem o exemplo. Depois de ter sido destruída pelos cristãos, foi reconstruída pelos arqueólogos vindo agora a voltar a ser destruída pelo daesh. O mais curioso é que se invocaram, praticamente, as mesmas razões. Há um par de anos atrás, estive no Egito e, como muitas outras pessoas, fui visitar alguns locais históricos. Entre eles visitei o que resta do Templo de Ísis em Filas. Apercebi-me que parte da estatuária e do friso tinham sido destruídos. Pensei que fosse a erosão do tempo. Notei algum incómodo no guia que me acompanhava. Afinal eu era Ocidental e como tal cristão. Só agora percebi a razão de tal mal-estar. É que o imperador Justiniano procedeu à destruição do belo friso do Templo de Ísis em Filas no Egito e mais tarde, um general cristão esmagou os rostos e mãos das imagens 'demoníacas'. Tudo em nome da religião... cristã! Este livro fala sobre tudo isto. Do modo como o Cristianismo se impôs pela violência e intransigência, bem longe daquilo que nos fazem crer nos nossos dias e, talvez, bem diferente daquilo que Jesus pregou. Curiosidades que nos incomodam. Na sinopse do livro lê-se: "A Chegada das Trevas é a história largamente desconhecida - e profundamente chocante - de como uma religião militante pôs deliberadamente fim aos ensinamentos do mundo clássico, abrindo caminho a séculos de adesão inquestionável à "única e verdadeira fé". O Império Romano foi generoso na aceitação e assimilação de novas crenças. Mas com a chegada do Cristianismo tudo mudou. Esta nova fé, apesar de pregar a paz, era violenta e intolerante. Assim que se tornou a religião do império, os zelosos cristãos deram início ao extermínio dos deuses antigos - os altares foram destruídos, os templos demolidos, as estátuas despedaçadas e os sacerdotes assassinados. Os livros, incluindo grandes obras de Filosofia e de Ciência, foram queimados na pira. Foi a aniquilação. Levando os leitores ao longo do Mediterrâneo - de Roma a Alexandria, da Bitínia, no norte da Turquia, a Alexandria, e pelos desertos da Síria até Atenas -, 'A Chegada das Trevas' é um relato vívido e profundamente detalhado de séculos de destruição." Este é um livro muito interessante quanto incómodo. Coloca-nos face a coisas que desconhecia-mos ou que tentávamos ignorar. Mas a História aí está para nos apontar o dedo acusador. A autora escreve a terminar o livro a seguinte frase: "A encantadora estátua de Atena, a deusa da sabedoria, sofreu tanto quanto havia sofrido a estátua de Atenas em Palmira. Não só foi decapitada, como foi, numa derradeira humilhação, colocada de rosto para baixo no canto de um pátio para ser usada como degrau. Durante os anos que se seguiram, as suas costas seriam gastas, enquanto a deusa da sabedoria era calcada por gerações de pés cristãos. O 'triunfo' do Cristianismo estava completo." Se todo o livro é embaraçoso, esta frase final é como um soco no estômago. Mas é importante que venham a lume estas coisas para podermos avaliar os caminhos da História. Se ele fala de terras longínquas para nós, temos de nos lembrar do que aconteceu mais próximos de nós, mesmo intra muros, com a atitude dos mais radicais dentro da Igreja, caso da Inquisição. Essa bastante mais recente mas também embaraçosa. De tudo isto parece que a diferença entre os radicais islâmicos e cristãos não é tão diferente assim. Os radicalismos são sempre iguais e bestiais. A autora, Catherine Nixey, é filha dum monge e de uma freira. Apesar disso, sempre se interrogou sobre muita coisa. Esse incómodo de perguntas não respondidas, levou-a a aprofundar o tema que dá origem a este livro. Catherine formou-se em Estudos Clássicos em Cambridge, sendo professora da área durante vários anos, antes de ser jornalista no prestigiado 'The Times'. Um livro que recomendo vivamente para ser lido de espírito bem aberto. A edição é da Desassossego uma chancela do Grupo Saída de Emergência.
Thursday, August 16, 2018
Um dia tinha que acontecer - Mia Couto
Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida. Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações. A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo. Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos. Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor. Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1.º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada. Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes. Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou. Foi então que os pais ficaram à rasca. Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado. Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais. São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração. São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar! A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas. Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados. Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional. Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere. Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam. Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras. Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável. Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada. Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio. Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração? Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos! Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todos nós). Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja! que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida. E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!! Novos e velhos, todos estamos à rasca. Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens. Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles.
A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la. Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam. Haverá mais triste prova do nosso falhanço?
Wednesday, August 15, 2018
Tuesday, August 14, 2018
Monday, August 13, 2018
Sunday, August 12, 2018
Intimidades reflexivas - 1225
"Os sacerdotes pregam que Aal enviou o seu povo para fora do Paraíso, dizendo-lhes que regressassem pelo caminho do conhecimento. Ao longo do tempo, os seus seguidores deixaram-se cair na loucura, acumulando textos e desperdiçando a vida em rituais vazios. Existe um mito preservado entre os romanos de que a era de Aal chegou ao fim quando os últimos imortais deixaram a Terra. Na verdade, estes anjos não partiram, apenas se ocultaram atrás de um véu de ilusão. O Livro de Aal ensina-nos a vê-los; as sementes das coisas estão para lá dele - são conscienciosas, indivisíveis, infinitas em número e eternas. As sementes de Deus." - Livro de São Bento de Núrsia (480 d.C.-547 d.C.)
Saturday, August 11, 2018
Intimidades reflexivas - 1224
"O Sol brilhante nunca lhes é revelado, mas a Lua indica-lhes o caminho, e nós, seguindo Júpiter sol e os olhos malditos de Ptolomeu, seguimos viagem com eles até ao Inferno. (...) A Lua escuda-nos dos nossos piores instintos e incita-nos a refletir antes de agir. A sua tristeza surge da falta de atenção que lhe dedicam." - Aristarco de Samos (? - 230 a.C.) in 'Sobre os Planetas, as Suas Características e as Órbitas que Descrevem em Volta do Sol'.
Friday, August 10, 2018
Intimidades reflexivas - 1223
"Eneias
Sobe a colina, onde sentado no trono alado se encontra
Júpiter, numa caverna tão vasta,
Ao longe, o espírito da temida Sibila, a quem o bardo
Délio ofereceu a poderosa mente e alma
Respira e abre o futuro
A poderosa rocha eubeia abriu-se numa caverna
Com cem passagens, com portões, onde vão dar;
Onde com tantas vozes iguais se ouvirem
As respostas da Sibila."
Virgílio (70 a.C.-19 a.C.)
Thursday, August 09, 2018
A balbúrdia de Monchique
Depois de ontem me ter debruçado sobre o que se está a passar em Monchique, retomo hoje o tema. Porque parece que estamos a assistir a um qualquer filme que se não fosse trágico seria no mínimo cómico. Embora de manhã as coisas parecessem controladas, já se sabia que à tarde tudo seria diferente. A ANPC já o tinha afirmado. Mas tudo ficou à espera. O fogo evolui e esteve às portas de Silves, mais concretamente a aldeia de Enxerim. E é aqui que me quero focar. Quem assistiu às imagens televisivas tudo aquilo era a prova cabal da desorganização. Contrariando o óbvio, primeiro chegam as forças de segurança que tentam tirar as pessoas, e quem resiste é quase arrastado das suas casas. Vimos militares a forçar portas, a saltar janelas como se de um filme de ação se tratasse, desrespeitando tudo e todos, e inclusive até chegaram ao ponto de algemarem quem mais resistia, segundo a informação dum vereador da Câmara de Monchique que tal testemunhou. Noutros tempos, a comunhão de esforços entre os bombeiros (voluntários) e as populações era até elogiada. Agora passou a ser crime. Seguramente que os agentes estão ali a cumprir ordens e algum bem gostariam de estar noutro lado, mas há sempre quem exagere, e ontem as imagem televisivas deram uma amostra cabal. Só depois desta 'limpeza' é que chegam os bombeiros - talvez tardiamente - para fazer o trabalho. Tudo isto que se pretende muito coordenado e científico está a transformar-se numa balbúrdia que está a colocar Portugal a ridículo. Basta ver o que se diz por esse mundo fora já para não falar de algum espanhóis que ontem falaram às televisões e a visão que deram do que estavam a constatar. Isto só reforça aquilo que ontem aqui afirmei. Pouca competência, falta de coordenação, uma espécie de salve-se quem poder. Ontem as populações de Enxerim estavam revoltadas com isto tudo, sobretudo com a atuação das forças de segurança, e disso deram testemunho. Depois verificou-se que se as coisas não foram piores tal deveu-se à ação dos populares com os bombeiros, e até antes deles, caso contrário, tudo tinha ardido. (Como alías já tinha acontecido noutras localidades). A revolta das pessoas vai crescendo por tanto amadorismo. Começa a ser quase angustiante quando a temperatura sobe uns graus porque sabemos que vamos assistir a coisas semelhantes. Tudo muito triste e que não enobrece ninguém, quando deveria ser o contrário. A mudança de comando parece que também não ajudou muito. E ao fim de pouco mais de vinte e quatro horas, já a nova coordenadora, Patrícia Gaspar, estava a ser alvo de fortes críticas depois da denuncia de algumas associações de animais que foram impedidas de atuar para salvar os inúmeros animais em sofrimento. Depois de ter visto que as redes sociais se tinham erguida num forte protesto, logo veio alterar a decisão, e aquilo que era impossível, passou a ser possível, até com o apoio de um agente da Proteção Civil a acompanhar veterinários e membros das associações de animais. Esta senhora terá afirmado que os animais não seriam prioritários! Lamentável a afirmação e que deve merecer uma resposta adequada dos protetores de animais. Parece que ela ainda vive no século passado onde os direitos dos animais não existiam e aqueles que os defendiam eram pouco mais que gente exótica para não dizer outra coisa. Mas os tempos mudaram embora Patrícia Gaspar parece que não. Isto mostra bem toda a fragilidade em lidar com as situações extremas que ontem aqui denunciei e que hoje reforço. Depois de tantos meios, homens, coordenadores e quejandos, o fogo vai continuando imparável. Como ontem dizia alguém, só uma chuva acabará com isto. O que mostra bem a ideia que as pessoas têm de quem as tenta proteger. Esta tragicomédia está a ir longe demais, e parece que ninguém quer assumir seja o que for. Escudam-se atrás do vento, da orografia do terreno e outros coisas do género - como ontem bem lembrava uma jornalista dum canal de televisão - e não assumindo a sua fragilidade, quiçá incompetência, para resolver o caso. Tudo muito triste e lamentável.
Intimidades reflexivas - 1222
"Chamarei por uma espada, disse o Senhor Deus, e a espada de cada um voltar-se-á contra o seu irmão. E castigá-lo-ei com peste e sangue, e farei cair uma chuva torrencial, saraiva, fogo e enxofre sobre ele e as suas tropas." - Livro de Aal (Livro que leva o homem a dialogar com Deus. Segundo a tradição, há seres que deixaram o Paraíso antes de Adão e Eva por sua livre vontade, para obterem conhecimento e quando regressassem se assemelharem ao próprio Deus).
Wednesday, August 08, 2018
Em torno da questão dos incêndios
Voltamos de novo a ter na primeira linha da informação a triste realidade dos incêndios. Sei que é um tema difícil e controverso que sempre serve de arma de arremesso político. Lá virão pedir mais e mais demissões num cortejo de disparates que virou fobia nacional vai para muitos anos. Mas deixemos esses disparates políticos por agora. (Ao fim e ao cabo, estamos na chamada 'silly season' embora para muitos esta se prolongue pelo ano todo). Mas quero aqui concentrar-me naquilo que de mais dramático e pungente tem a questão dos fogos. Vimos assistindo há muitos anos a uma alteração estratégica de combate aos fogos que não parece ser a mais correta. Ainda ontem a Associação de Bombeiros Profissionais colocava o tema - como aliás vem fazendo ano após ano - e alguns especialistas convidados a pronunciarem-se sobre a questão vão alinhando pelo mesmo diapasão. Neste momento Portugal não tem bombeiros preparados para enfrentar esta alteração do clima que vai provocando cada vez fogos mais violentos com efeitos brutais e fenómenos que não era costume verem-se por cá. Muita coisa mudou, - desde logo o clima -, enquanto que as pessoas não foram sendo recicladas para a nova realidade. Noutro tempo, os bombeiros atacavam os incêndios na sua origem, agora ficam a olhar para ele esperando que ele se aproxime das habitações para atacar. (E entretanto, vão somando o número de hectares ardidos. Já para não falar na praga do eucalipto que, como cantava aquele grupo de jovens que estavam no Algarve, 'o eucalipto vai fazer arder Portugal de cima a baixo'. Mas sobre este assunto quase que não se ouve nada porque os interesses em jogo são demasiado poderosos). Só que quando isso acontece, normalmente é tarde demais. Temos visto isto duma forma clara nos últimos anos. O desnorte, a aparente confusão das ordens de comando é por demais evidente e as televisões transmitem isso duma forma clara. Este ano, e depois das tragédias que se verificaram no ano transato, ainda se refinaram mais as coisas. Pegam nas pessoas a esmo, sem critério claro, e retiram-nas das suas casas. Por vezes, duma forma questionável, e que depois justificam com a palavra 'preventiva' para amenizar a revolta das populações. Que se salvaguardem as pessoas e os bens, estou de acordo, mas duma forma prudente e não à primeira fumaça. Parece que o importante é a estatística mais do que tudo o resto. As forças de segurança também anda ali mais ou menos sem rumo, cumprindo as ordens que lhe dão mas, muitas vezes, duma forma bem controversa. É preciso que estes agentes sejam preparados para lidar com situações destas em momento de grande desespero para as populações. Mais uma vez recorro às imagens televisivas para ver como retiravam as pessoas, duma forma autoritária, para não dizer brutal. É necessário que se compreenda que pessoas que estão na iminência de perder todo o que conseguiram durante uma vida, não estejam dispostas a deixar para trás tudo duma forma leviana. (E até alguns que conseguiram ficar, acabaram por salvar os seus bens enquanto outros que foram retirados perderam tudo, porque não ficaram a defender o que era seu, e os bombeiros não podem estar em todo o lado). Tem que haver compreensão e isso não se vê, fruto da impreparação das pessoas para lidar com estas situações extremas. (Já para não falar nos modos que rondam a agressividade com que lidam com as populações; já para não falar nas nódoas negras que algumas pessoas mostravam, quando foram arrancadas das suas casas pelas forças de segurança e disso davam nota. 'Ou sai a bem ou a mal' era aquilo que, segundo as populações, eles diziam). Sei que nestas situação uns segundos a mais ou a menos faz toda a diferença, mas mesmo assim, terá que haver mais compreensão para com as populações colocadas em situação extrema, Tudo isto para dizer que ainda muito há para fazer, e quando me falam em meios, penso que nem é aqui que está o problema, mas sim, nas hierarquias e na necessidade duma reciclagem urgente. Já o ano passado, depois dos terríveis fogos que tivemos, coloquei esta questão. Aliás venho falando nisto há vários anos e parece que tudo continua igual. Muitas vezes procuramos o 'tesouro' no sítio errado quando ele está debaixo dos nossos olhos. Cada vez mais é urgente a formação das pessoas envolvidas nestes dramas e não tanto na nomeação por critérios políticos para lugares de chefia sejam lá eles quais forem. Se não existem pessoas habilitadas dentro das fronteiras pois que se convidem outras com mais experiência para vir dar formação e treino. A todos e não só aos bombeiros para ver se acabamos de vez com este triste espetáculo que damos ao mundo.
Tuesday, August 07, 2018
Monday, August 06, 2018
Encontros gratificantes - II
Volto hoje a Fernando Ventura depois do que ontem aqui trouxe. Porque muitas vezes na emoção dum fim de encontro, acabamos por não ter a profundidade que a conversa merecia. Por isso aqui volto para refletir. Para além da alegria renovada de me cruzar com ele, é a sua atitude interpelante, quase provocatória que me deixa a pensar, por vezes até incomodado. Recordo-me de ontem ele me ter falado no milagre da multiplicação dos pães, e dizia-me: 'Já viste, José, que a figura central neste episódio bíblico não é Jesus mas sim uma criança?' E eu dizia-lhe que sim e então! E ele voltava e dizia: ' Olha e vê, fala-se da multiplicação dos pães mas afinal o importante é a atitude da criança que os partilha. Essa criança dá-nos uma outra perspectiva do amor ao próximo, a partilha. Multiplica ao dividir, e soma sem subtrair'. E eu ali estava desconcertado, e Frei Fernando Ventura continuava: 'Porque anda toda a gente atrás de milagres. Vê aqueles que seguiram Moisés no deserto, com um calor muito pior daquele que temos tido nos últimos dias, durante anos, a esperança a escoar-se, quase a morrer e é então que tudo acontece e avistam a Terra Prometida'. E eu ainda desconcertado olhava para ele com ar interrogativo e Fernando Ventura continuava: 'Não percebes o que aqui está? Ó José também não entendes? Anda toda a gente à procura de milagres quando eles acontecem todos os dias. Nós é que não somos capazes de ler os sinais como aquela gente do tempo de Moisés foi. Olha para quando te levantas pela manhã, esse já é um grande milagre e não és capaz de o entender? Porque buscamos fora aquilo que está junto a nós e não vemos?' E acrescentava: 'Não busques fora aquilo que Deus pôs em ti. Está atento aos sinais e vai proclamá-los'. Assim interpelado senti-me desconcertado. Senti-me desconfortável. Desnudado perante Fernando Ventura. Era como se me dissesse, andas a passear pela vida à tanto tempo e não foste capaz de aprender nada. Também tu? E o incómodo aumentava em mim. Ele atirava as palavras que eu não era capaz de agarrar. E não era só a centralidade no humano, mas também nos animais e na natureza. 'Tudo é uno' sempre me dizia. E ouvi-o muitas vezes dizer bem alto e publicamente: 'Ainda bem que Deus não tem religião'. Palavras fortes que rasgam a mente, que interrogam, que interpelam, que nos agitam e nos fazem pensar. E lembrei de quando ainda jovem, passar na estrada da Circunvalação, e ver umas barracas pobres de madeira junto à via. Nunca soube quem lá vivia, mas eram pessoas aparentemente pobres. E digo 'aparentemente' porque sempre que lá passava via carros à porta de alta cilindrada, e uma delas, até tinha uma antena parabólica que parecia maior do que a própria barraca! Coisa estranha aquela. E eu não era capaz de ler os sinais. Depois a vida foi-me ensinando e fui olhando para as coisas duma outra forma. Mas mesmo assim, me sinto aturdido pelo que Fernando Ventura me disse. Pôs-me a pensar. Deixou-me muitas interrogações como sempre acontece quando tenho o privilégio de me cruzar com ele. Obrigado, Frei Fernando Ventura pelas interpelações. Isso também é uma forma de alerta, de colocar a mente atenta aos sinais, enfim, de refletir. Ontem foi um dia importante para mim, não só porque revi uma pessoa que já não via vai para mais de um ano, mas porque sempre que me cruzo com ele é como se estivesse numa qualquer aula a aprender tudo de novo só que com um diferente olhar. Há dias assim, ontem foi um desses dias. Daqueles dias em que nos sentimos incomodados tanto quanto revigorados. Porque pensamos que temos tudo arrumado à nossa volta e vem alguém e desconstrói tudo. E nos diz para reconstruir mas duma forma diferente. Ontem foi um dia daqueles que quero recordar como outros em que me cruzei com este franciscano andarilho do mundo que nos propõe um outro olhar sobre a vida e sobre nós mesmos.
Sunday, August 05, 2018
Encontros gratificantes
Encontrei-me hoje com Fernando Ventura. Muitos não saberão quem é, outros o conhecem apenas como comentador da SIC Notícias. Eu tenho o privilégio de o conhecer pessoalmente. Já não o via vai para mais de um ano. Frei Fernando Ventura é um andarilho do mundo, um homem que já acompanhou tribos nómadas e que bebeu o famoso chá do deserto. Conhecer este franciscano, conversar com ele, é sempre uma benção. Falamos do calor, e como ele é bem diferente do que se faz sentir no deserto, falamos daquela possibilidade que almejamos de sermos como Deus, de tocarmos a Deus, e da nossa incapacidade de tocar no seu irmão. Falamos dos que dividem e assim multiplicam, somam sem subtrair nada a ninguém, por contraponto aos que multiplicam sem dividir, os que somam subtraindo aos demais. Falamos dos que têm o 'rei na barriga' que pensam ocupar um lugar mais elevado no edifício da História, enquanto nos remetem para o rés do chão desta. Daquela história prenhe de nos fazer evoluir, grávida em trabalho de parto que nos faz almejar subir para o próximo andar buscando nova condição sem perder a nossa identidade, daquela história dos simples que a escrevem quando outros colhem os seus frutos. Falamos das suas obras que se desenrolam em São Tomé e com que entusiasmo dava disso conta. Falamos da liberdade que reinventamos mas também daquela de assumirmos as responsabilidades dos nossos atos. Falamos dos que vão à missa e se esquecem da experiência da vida, não percebendo que a missa é o fim e a aprendizagem da vida é o início e o percurso. De tudo isto e muito mais falamos hoje. Este franciscano capuchinho, um dos maiores biblistas dos nossos dias, é um poço de sabedoria que nos faz sentir pequenos, não pela sua arrogância, mas tão só pelo seu saber. Porque só junto dos grandes nos sentimos pequenos. Hoje, na minha estrada da vida, cruzei-me com Frei Fernando Ventura. Assim o meu domingo será necessariamente melhor, mais enriquecedor, mas sem perder a vertente humanista. Hoje o meu domingo foi diferente. Obrigado, Frei Fernando Ventura!
Intimidades reflexivas - 1219
"O homem de hoje quer ser solidário mas sem desprender-se do seu egoísmo. Gostaria de não viver numa sociedade cheia de injustiças, mas não está disposto a realizar uma renovação de si mesmo nem uma conversão aos valores superiores. Lamenta-se de que a maioria dos homens viva ainda na miséria, mas não deixa de se lançar cegamente num consumo irracional e suicida." - Moreno Villa (1887-1955)
Saturday, August 04, 2018
"A Biblioteca dos Livros Proibidos" - Tom Pugh
Este é um livro muito interessante que vai muito para além do 'thriller'. É um livro que conduz a conhecimentos duma outra índole que nem todos têm. Numa trama bem urdida, Pugh leva-nos por labirintos que encerram coisas que porão, por ventura. algumas das nossas crenças em causa. Um livro bem suportado e que dá a ideia de que o autor se documentou muito bem para a sua elaboração. Lê-se na sinopse do mesmo: 'Janeiro de 1562. A Europa é o epicentro de uma verdadeira luta entre a luz e as trevas. Em Moscovo, Matthew Longstaff tenta cumprir a missão que lhe foi confiada: roubar um livro da biblioteca privada de Ivan, o Terrível. Longstaff trabalha para os Otiosi, um grupo clandestino de livres-pensadores determinado a manter acesa a chama do livre-pensamento que começa a expandir-se por toda a Europa. Também a trabalhar para os Otiosi encontra-se o médico e aventureiro Gaetan Durant, encarregado de obter um palimpsesto raro. Numa Itália mergulhada na Contrarreforma os inquisidores do papa mostram-se determinados a destruir qualquer foco de conhecimento livre. O seu líder, Gregorio Spina, chefe censor e espião do papa, captura o líder dos Otiosi em Florença e tortura-o em busca de informações. Os segredos da Biblioteca do Diabo podem estar ao alcance de Spina, e os primeiros passos dados pela humanidade em direção ao Iluminismo correm o risco de serem apagados da História'. Este livro caiu quem nem uma bomba nos meios literários que agitou com toda a força. Parece que o autor está a escrever um outro que, por ventura, será a continuação deste. Aguardemos para ver o que vem por aí. Sobre o autor, Tom Pugh é o autor de um 'thriller' histórico explosivo enquadrado na Europa do século XVI. Depois de estudar história da arte em Glasgow, Tom Pugh começou uma carreira como copywriter nómada e professor. Trabalhou e viveu em Londres, em Sydney e em Tóquio, antes de se instalar em Berlim. A edição é da 'Alma Dos Livros'. Este livro é um daqueles que recomendo vivamente aos admiradores do género 'thriller' mas também a um grande número de outros que gostam mergulhar nos conhecimentos mais exotéricos.
Friday, August 03, 2018
Thursday, August 02, 2018
Carta aos 'conselheiros'
Exmos. Senhores,
Os meus melhores cumprimentos.
Resolvi escrever-vos porque recentemente tenho sido objeto de muitos 'conselhos' sobre como cuidar do meu fiel e velho companheiro Nicolau. E assim, com os agradecimentos da praxe não quero deixar passar a oportunidade e quero acrescentar o seguinte:
1. Lido com cães praticamente desde que nasci. Isso da-me um capital de experiência à volta de 60 anos o que, convenhamos, é algum tempo;
2. O Nicolau está muito bem cuidado porque tem uns donos que sabem tratar dele e que não tiveram pejo algum - numa altura difícil para ele - de alterar as suas vidas diárias e pessoais para que ele tivesse o melhor acompanhamento possível, tal como fizemos aos muitos que iluminaram as nossas vidas antes dele;
3. A juntar a isto, o Nicolau é um cão que tem acompanhamento clínico (praticamente diário, dado o seu problema de saúde) por uma excelente equipa de profissionais liderados pela Doutora Susana Melo a quem aqui, e de novo, quero fazer o meu publico agradecimento. Sem esse acompanhamento talvez o Nicolau já não estivesse na nossa companhia;
4. Quer eu, quer a minha mulher, temos prática de cuidar de animais ao longo da vida e por isso, embora agradecendo os 'conselhos' recebidos, achamos que estamos um pouco à frente;
5. Toda a nossa vida tem sido dedicada a apoiar animais - os nossos e os errantes - embora disso não façamos bandeira porque não vimos pedir louros para o nosso empenho, não pedimos dinheiro a ninguém e ajudamos silenciosa mas eficazmente, aqueles que se cruzam nas nossas vidas. Apenas trouxe aqui um caso, à muito já resolvido, mas que me serviu de lição e me fez ver duma forma clara o que se passa nas redes sociais no que aos animais diz respeito.
Assim, expressando os meus agradecimentos a quem se tem dado ao incómodo de me 'aconselhar' sobre a forma como tratar os animais, não poderei deixar de acrescentar ainda:
1. Não deixa de ser curioso que alguns dos que mostram os seus incómodos pela forma como cuidamos do Nicolau, nem sequer tenham animais, nem - ao que julgo saber - acolheram algum, lhe saciaram a fome ou até um pouco de água se dignaram dar-lhes;
2. Sei que é bonito (e fica bem) vir para as redes sociais falar de animais com os seus 'doutos conhecimentos', mas melhor fariam que, para além das palavras vazias de conteúdo, ajudassem efetivamente tanto animal que precisa de amor, carinho, um lar em que seja amada, já para não falar de comida e água;
3. Sei que é bonito fazes 'likes' e 'shares' nas redes sociais, mas isso não resolve, nem sequer melhora, a condição de tanto animal que anda por aí a sofrer;
4. E não pensem que falo à toa porque conheço algumas pessoas que assim se comportam e não pensem que são tão poucas assim;
5. Sei que publicitar atos com animais fica bem, - com a foto a preceito -, sei que os pedidos de apoio rendem muito dinheiro - embora não tenha a certeza se todos são efetivamente para ajudar os animais -, mas reconheço que isso colhe e há sempre uns incautos que caem nesse esquema;
6. Alguém dizia que, 'quando deres uma esmola com a mão direita faz com que a esquerda não veja'. Aqui o que se dá com a mão direita tem que ser visto com a esquerda, com os pés e com o resto, para que sirva ao melhoramento da imagem de muitos que, doutra forma, talvez permanecesse oculta.
Por isso, meus amigos e amigas, quero aqui de novo reafirmar que, estando sempre 'grato' pelos 'conselhos' que me dão talvez fosse mais útil que quem o faz os aplicasse a salvar vidas que de outra maneira arrastar-se-ão pelo mundo a sofrer violentamente até que a morte os liberte. Sim, porque alguns sofrem de tal modo, que a morte será sempre uma libertação.
E não se preocupem com o Nicolau, ele está bem tratado, é muito amado e, para além das suas limitações da doença e da idade, não sabe o que é sofrer. Tal qual como aconteceu com os outros que o precederam. E reafirmo que, para além do que por ele fazemos, temos sempre um aconselhamento e apoio próximo pela equipa que o salvou e que tudo tem feito para que ele ainda continue a iluminar as nossas vidas.
Certamente que um dia será o seu derradeiro, como acontecerá a todos nós, mas isso será o fim natural que a todos espera. Até lá, ao Nicolau nada faltará e estaremos sempre ao seu lado, mesmo com o sacrifício das nossas vidas pessoais, para que os dias que lhe restam sejam de muito carinho e e amor. Queremos que quando ele partir, o faça com o sentimento de que há humanos que tentam comportar-se como tal, não estando preocupados com o que os outros pensam ou deixam de pensar porque, simplesmente, as suas consciências não lhe pesarão por não terem feito tudo o que seria humanamente possível por ele. Resgatei-o à rua com semanas de vida já lá vão quinze anos e meio e nunca me arrependi de o ter feito, como nunca me arrependi de nenhum dos outros a quem tentei dar uma vida melhor e mais digna.
Renovo os meus agradecimentos a todos os 'conselheiros' que me têm contactado pelas mais diversas formas, mas estejam descansados quanto ao Nicolau, canalizem as vossas energias a salvar aqueles que precisam, e são muitos, e verão que terão uma demanda hercúleo pela frente, mas as consciências bem mais leves. A estultícia nunca foi boa conselheira de ninguém, e na causa animal ainda menos.
Com os meus melhores cumprimentos subscrevo-me.
Atentamente,
José Ferreira